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Estado pode punir trote a serviço de atendimento de emergências

4 de novembro de 2021, 19h34

Por Sérgio Rodas

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Estado não viola a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações ao determinar que empresas da área repassem às autoridades dados de quem passa trote a serviços de atendimento de emergências. Nesse caso, não há violação da privacidade do autor da ligação indevida, pois prevalece o interesse público de proteger a segurança dos cidadãos e garantir auxílio em casos urgentes e graves.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Gilmar Mendes disse que afastamento da privacidade de autores de trotes é necessária para garantir segurança públicaFellipe Sampaio /SCO/STF

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou nesta quinta-feira (4/11) ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 17.107/2012, do Paraná.

A norma prevê penalidades ao responsável pelo acionamento indevido dos serviços telefônicos de atendimento a emergências envolvendo remoções ou resgates, combate a incêndios, ocorrências policiais ou atendimento de desastres.

Na ADI, a Associação Nacional das Operadoras de Celulares (Acel) argumentou que a lei paranaense é inconstitucional porque o estado usurpou a competência privativa da União para regular telecomunicações. Além disso, a entidade questionou o fato de a lei autorizar que os órgãos estatais responsáveis pelo encaminhamento de ofícios determinem que as companhias telefônicas quebrem o sigilo dos usuários e repassem seus dados, "sem qualquer autorização judicial, em flagrante ofensa ao princípio da reserva de jurisdição" e à garantia constitucional da privacidade.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, apontou que a lei estadual trata principalmente de questões de Direito Administrativo e segurança pública, não afetando de forma relevante as atividades de telecomunicação e os contratos de concessão entre a União e empresas privadas. Portanto, o estado do Paraná não excedeu suas competências ao editar a Lei 17.107/2012, disse o magistrado, com base nos artigos 23, II, e 25, caput e parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Gilmar também entendeu que não há inconstitucionalidade material na norma. Segundo ele, o afastamento parcial da privacidade é medida necessária contra a prática de ilícitos administrativos. E a solução estabelecida pela norma — de obrigar as empresas de telecomunicações a enviar os dados de autores de trotes — é proporcional, avaliou o ministro. Isso porque as vantagens na obtenção dos objetivos definidos pelo legislador superam as desvantagens do acesso pontual a informações de indivíduos.

"Exigir procedimento judicial para quebra de sigilo de dados para só então se dar início à apuração [de trotes] seria medida extremamente morosa e ineficiente", opinou o relator.

Inicialmente, Gilmar Mendes votou para dar parcial procedência à ADI para conferir interpretação conforme a Constituição aos dispositivos da lei paranaense. Após discussões com outros ministros, porém, Gilmar alterou seu voto para negar a ação. O entendimento foi seguido por todos os demais magistrados.

Nunes Marques destacou que a norma não invadiu a competência da União, pois a obrigação às empresas de fornecer dados de usuários decorre do poder de polícia estatal e não promove alteração financeira nos contratos de concessão de telecomunicações.

Alexandre de Moraes avaliou que, se não tratar do núcleo essencial das telecomunicações, estado pode legislar sobre o tema. A seu ver, a norma paranaense busca proteger a segurança pública e assegurar o combate a incêndios e atendimentos emergenciais.

Edson Fachin opinou que o envio de dados de usuários a autoridades não viola o direito à privacidade. Afinal, o procedimento fixado pela lei respeita o devido processo dos atos administrativos.

Por sua vez, Luís Roberto Barroso avaliou que a quebra do sigilo de informações dos autores de ligações indevidas é medida adequada à gravidade do ato. "Trotes podem até resultar em mortes, gerando o deslocamento inútil de bombeiros ou ambulâncias, que deixam de ser enviados para situações que efetivamente necessitem deles. Não é uma brincadeira inócua, inofensiva. É algo gravíssimo".

Cármen Lúcia analisou que não há inconstitucionalidade na Lei estadual 17.107/2012, pois as medidas são proporcionais, buscando finalidade muito bem especificada.

Já o presidente do STF, Luiz Fux, disse que quem passa trotes e prejudica a sociedade não tem direito à proteção de sua privacidade. Em sua visão, o procedimento estabelecido pela norma paranaense para quebra de sigilo respeita o devido processo legal.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
ADI 4.924