Opinião

O poder das marcas em tempos de cólera

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4 de novembro de 2021, 7h14

No último dia 26, o Minas Tênis Clube informou pelas redes sociais que o atleta Maurício Souza não era mais jogador do time de vôlei do clube. Em seguida, foi a vez de o técnico da seleção brasileira masculina, Renan dal Zotto, fechar-lhe as portas. O motivo: manifestações consideradas homofóbicas do atleta em suas redes sociais.

São raros os casos de afastamentos e punições no campo do Direito Desportivo por conduta discriminatória de atletas contra algum indivíduo ou todo um grupo. O que não é raro são manifestações públicas de atletas, em redes sociais, consideradas discriminatórias a minorias.

A primeira decisão do Minas Tênis Clube fora considerada tímida por apenas afastar o jogador, uma atitude de praxe nas estratégias de comunicação, do tipo: "Vamos deixar a poeira baixar". Entretanto, empresas patrocinadoras da equipe, como a Fiat e a Gerdau, não se contentaram, sobretudo ao constatarem que o atleta usava de subterfúgios para não se retratar de forma satisfatória e sincera, de modo que pressionaram o clube por uma medida mais enérgica, levando-o a rescindir o contrato com o atleta.

O que chama a atenção, nesse caso específico, foi justamente a postura das empresas patrocinadoras, que atuaram em prol da preservação da reputação de suas marcas frente à conduta do atleta e do clube. É notável a reação da Fiat e da Gerdau, duas companhias que não são necessariamente conhecidas por campanhas publicitárias de ativismo social, em que pese, por volta do ano 2000, a Fiat do Brasil ter feito uma campanha voltada à naturalização das relações homoafetivas.

A rescisão do contrato do atleta gerou, como seria de esperar em uma sociedade polarizada como a nossa, reações favoráveis e desfavoráveis nas redes sociais e nos meios de comunicação em geral. Muitos argumentaram que o atleta simplesmente emitiu uma opinião pessoal e que puni-lo por isso seria violar a sua liberdade de expressão. Será?

Vários relatórios mostram que o Brasil é um dos países em que há mais agressões e mortes violentas de pessoas integrantes da comunidade LGBTQI+. A motivação desses crimes é a só circunstância de as vítimas serem identificadas como parte dessa comunidade.

Em 2019, o STF equiparou as práticas homotransfóbicas ao racismo. Induzir ou incitar à discriminação ou ao preconceito homofóbico ou transfóbico passou a ser considerado crime, nos termos da Lei nº 7.716/89 (artigo 20). Fora, portanto, do âmbito de proteção do princípio da liberdade de expressão.

Qualquer discurso ou comentário homofóbico, ainda que não venha a ser considerado crime  por lhe faltar a finalidade, prevista na lei, de induzir ou incitar à discriminação e ao preconceito , constitui, ainda assim, um reforço do preconceito sistêmico existente na sociedade contra pessoas gays e trans.

Palavras têm poder. E, frequentemente, têm consequências, positivas ou negativas, no mundo da vida. Por isso, manifestações e comentários homofóbicos ou transfóbicos não podem ser considerados como meras opiniões pessoais.

Diante desse quadro, o que poderiam as patrocinadoras fazer para preservar seus valores e suas marcas?  

Elas poderiam e fizeram aquilo que a Lei da Propriedade Industrial lhes dá o direito, que é zelar pela integridade material ou reputação das marcas de que são titulares (artigo 130, III, da Lei 9279/96), e de um modo mais eficiente do que a judicialização, ou seja, pressionar a entidade esportiva com a qual mantêm contratos de patrocínio a tomar uma providência efetiva contra uma manifestação que colide com valores que buscam defender.

Especialmente no caso de modalidades como o vôlei, em que ainda são raros os contratos de trabalho de atleta profissional, o caso ganha mais relevância, pois a maior parte da remuneração dos atletas vem de contratos de cessão de uso de imagem com os respectivos clubes e, muitas vezes, com o seu patrocinador, criando relações contratuais de Direito Privado, ideal para que os patrocinados (clube e atleta) sejam efetivamente cobrados para representarem seus valores marcários.

Por isso, a forma usada pelas empresas para a preservação de seus valores marcários não afronta a liberdade de expressão. É justo que elas usem de todos os meios que a liberdade contratual lhe garante, como o de cobrar por aquilo que pagaram com base em uma dada expectativa, no caso a imagem do clube e dos atletas, para que a sociedade se apoie em valores mais justos.

A função social das empresas constitui preceito constitucional que pode ser exercitado de várias formas, entre as quais por meio de ações que busquem reforçar valores inclusivos de minorias sociais.

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