Anos de chumbo

Justiça torna réu médico legista que falsificou laudos durante a ditadura militar

Autor

3 de novembro de 2021, 18h28

A 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo recebeu denúncia, oferecida pelo Ministério Público Federal, contra o ex-médico legista José Manella Netto por falsidade ideológica e ocultação de cadáver e, com isso, a ação penal começa a tramitar.

Kaoru/CPDoc
No período da ditadura era comum o IML alterar laudos para esconder torturas
Kaoru/CPDoc

Em 1969, Manella Netto foi um dos autores do laudo necroscópico do corpo de Carlos Roberto Zanirato, militante político submetido a intensas sessões de tortura e morto em junho daquele ano. O documento omitiu as verdadeiras causas do óbito, a fim de encobrir a responsabilidade dos agentes da repressão.

O relatório de Manella, assinado em conjunto com o médico já morto Orlando Brandão, corroborava a versão oficial sobre o episódio, segundo a qual o militante teria cometido suicídio ao saltar na frente de um ônibus na avenida Celso Garcia, zona leste da capital paulista.

Porém, o documento deixou de reportar diversas lesões que não poderiam ter sido causadas pelo impacto, mas apenas por agressões anteriores. Embora soubessem a identidade de Zanirato, os médicos registraram que a vítima era um "desconhecido". Ele foi enterrado como indigente, longe dos olhos de qualquer familiar ou amigo que pudesse notar as evidentes marcas de tortura no corpo.

"A acusação está baseada em provas da existência de fato que, em tese, caracteriza infração penal e indícios suficientes de autoria delitiva. Assim reconheço a justa causa da ação penal", escreveu o juízo Federal na decisão.

Zanirato era soldado em 1969, quando abandonou o Exército para integrar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ele foi o primeiro militante sob custódia do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) a desaparecer.

Preso em 23 de junho, sofreu torturas nos seis dias seguintes, até ser levado ao local onde os agentes da repressão o empurraram contra o ônibus. Não houve perícia sobre o atropelamento nem fotos da ocorrência. Sequer um inquérito policial foi instaurado, como era obrigatório em casos daquele tipo.

O Instituto Médico Legal de São Paulo foi um dos órgãos que mais colaboraram com a repressão para dissimular as circunstâncias em que os opositores da ditadura eram exterminados. Manella Netto chegou a ter o exercício profissional cassado após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em 1994.

Ao longo do procedimento, o ex-médico admitiu que o atropelamento não poderia ser apontado como a causa de alguns ferimentos presentes no corpo de Zanirato e reconheceu que a vítima apresentava sinais de agressões sofridas antes do choque com o veículo.

O autor da denúncia do MPF que levou à instauração da ação penal é o procurador da República Andrey Borges Mendonça. Com informações da assessoria do MPF.

5002620-24.2021.4.03.6181

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!