Opinião

A celebração de oportunidade de negócio nas empresas estatais

Autores

  • Rodrigo Pironti

    é pós-doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid doutor e mestre em Direito Econômico pela PUC-PR e sócio do escritório Pironti Advogados.

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  • Mirela Miró Ziliotto

    é mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento na PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar Filho. Graduada em direito pela Universidade Positivo. Advogada e professora.

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1 de novembro de 2021, 7h13

Um dos temas que vêm despertando a atenção no âmbito das estatais é a interpretação de alguns órgãos de controle em razão da chamada "oportunidade de negócio", prevista no artigo 28, §3º, inciso II, da Lei 13.303/2016, ao entender que tal modelo de vínculo entre as estatais e as empresas privadas que com elas contratam dependeria de procedimento prévio simplificado ou o denominado chamamento, isso quando não invalidam a decisão meritória da Administração para invalidar a oportunidade em razão de outras possíveis empresas no mercado capazes de "satisfazer" o objeto contratado.

Ora, em relação às hipóteses de contratação realizadas pelo poder público e nisso se incluem as estatais, importa reconhecer que a regra geral quando há viabilidade de competição, é de que derivem de regular processo licitatório, garantindo uma competição isonômica e justa a todos aqueles que pretendem manter vínculo contratual futuro com a Administração.

Mesma regra, contudo, não se aplica aos casos "em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo", conforme disciplina o artigo 28, §3º, inciso II, da Lei 13.303/2016.

É que a licitação, como instrumento processual à disposição da Administração Pública, está associada à noção de tratamento isonômico. É dizer, a licitação existirá como valor jurídico respeitada a possibilidade de garantia de seleção isonômica da proposta mais vantajosa. Assim, para que seja viável a licitação, é indispensável, para além de ser possível a disputa, que haja, ainda, a seleção do interessado em razão de critérios objetivos de julgamento, pois apenas assim será possível garantir o esperado tratamento isonômico e viabilizar a competição.

É nesse contexto que o artigo 37, XXI, da Constituição Federal fixa o que se convencionou denominar de princípio do dever geral de licitar. Da leitura desse dispositivo, resta claro que a licitação é instituto que consagra a ideia de competição, bem como as vantagens dela decorrentes, destinando-se a garantir o princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.

Dessa forma, realizar a licitação só faz sentido quando seja lógica, fática e juridicamente possível a competição. É dizer, nos casos em que seja possível selecionar e cotejar entre propostas aptas a atender convenientemente o que a Administração deseja, a melhor vantagem para o preenchimento da utilidade ou necessidade pública a ser cumprida.

Não por outra razão, as normas gerais vigentes sobre licitações e contratos (Lei 8.666/1993 e Lei 14.133/2021), preveem casos em que o procedimento licitatório não deve ser exigido, mais especificamente, quando não se afigure lógico, fático ou juridicamente possível a realização do procedimento concorrencial. É o caso da contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação.

A mesma lógica foi aproveitada quando da elaboração da Lei Federal nº 13.303/2016, que estabeleceu o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Assim, consideradas as peculiaridades dessas entidades, para além das hipóteses comuns de contratação direta, quais sejam, dispensa e inexigibilidade de licitação, estabelecidas no texto da Lei Federal nº 13.303/2016, nos seus artigos 29 e 30, o legislador foi ainda além, incluindo as hipóteses de licitação dispensada em seu artigo 28, §3º:

"Artigo 28 — (…)
§3º. São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações:
I – comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput , de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;
II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
§4º. Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do §3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente"
.

Como se pode notar, existem duas hipóteses em que são previstas as possibilidades da não obrigatoriedade do dever geral de licitar, configurando a modalidade de contratação em razão de licitação dispensada. A contratação dispensada nos casos de existência de "oportunidade de negócio" é determinada pelas peculiaridades do parceiro privado e a natureza diferenciada do objeto, que permitem que a contratação seja realizada sem que seja observado o processo natural da licitação e, por consequência, nenhuma outra forma de disputa simplificada ou "chamamento público".

Importante registrar que o fato de a licitação ser dispensada não está relacionado à ausência de fornecedores, à exclusividade ou singularidade do objeto, à notória especialização do particular, ao valor da contratação ou à urgência, mas, sim, em razão da impossibilidade de se definir critérios objetivos de cotejo da solução mais vantajosa para a satisfação do interesse público diante das características particulares do parceiro vinculadas à uma oportunidade de negócio.

Em outras palavras, a parceria em função de uma oportunidade de negócio depende, senão, da configuração inequívoca de possível estabelecimento de relacionamento comercial — ou seja, uma oportunidade de negócio, que poderá ser instituída em modelo associativo, societário ou contratual, conforme determina o §4º do artigo 28 da 13.303/2021. Além disso, deve-se comprovar vantagem comercial à estatal, bem como que o parceiro escolhido possui condições peculiares que justificam a oportunidade de sua contratação em detrimento de outras empresas que atuam no mercado, sendo inviável o estabelecimento de processo competitivo.

Nesse sentido, senão, o Tribunal de Contas da União já se manifestou sobre o tema, informando alguns critérios necessários para a adoção do mecanismo pelas estatais (Acórdão 2488/2018):

"117. Da leitura desse dispositivo legal, constato que a contratação direta da empresa parceira depende:
a) da configuração de uma oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do estabelecido no § 4º do artigo 28 da Lei das Estatais;
b) da demonstração da vantagem comercial que se espera advirá para a empresa estatal; e
c) da comprovação pelo administrador público de que o parceiro escolhido apresenta condições peculiares que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e
d) da demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo".

Como se pode notar, a motivação do ato administrativo é o fator mais importante a justificar a celebração de uma oportunidade de negócio por uma Estatal, eis que, após configurada a oportunidade, a entidade está obrigada a demonstrar de forma clara e precisa que o negócio que está sendo acordado é "favorável para a estatal, demonstrando a particularidade do parceiro e a vantajosidade comercial para a empresa estatal, somente vista na efetivação daquela oportunidade de negócio" [1].

Com isso, a motivação deve estar atrelada aos requisitos normativos, guardando correlação finalística com a legalidade, garantindo o controle externo e, especialmente, sendo suporte indispensável ao exercício da ampla defesa. É dizer, a motivação para celebração do negócio deverá ser suficiente para demonstrar a sua vantajosidade, necessidade e adequação, inclusive em relação às possíveis alternativas menos frutíferas.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, a parceria, ao ser avaliada por meio de critérios pré-estabelecidos e comparáveis entre as diversas possíveis propostas de negócios, deverá demonstrar possuir "uma superioridade competitiva, uma particularidade mercadológica ou uma estrutura administrativa tal que, ao ser cotejada com seus pares concorrenciais, não se permitiria ter qualquer dúvida quanto aos benefícios a serem obtidos com o estabelecimento dessa parceria em detrimento de outra qualquer" [2].

Adicionalmente, veja-se que essa é a postura exigida pela Lei nº 13.655/2018 (Lindb), que, notadamente em seus artigos 20, 21 e 22, traz a preocupação do legislador em relação à motivação de atos administrativos, inclusive em relação às circunstâncias fáticas e práticas que influenciam a tomada de decisão, e cujo intento é, justamente, "reduzir certas práticas que resultam em insegurança jurídica no desenvolvimento da atividade estatal" [3].

Assim, é bastante lógico que, buscando motivar sua decisão, o gestor público que optar pela celebração de uma oportunidade de negócio, nos termos do artigo 28, §3º, inciso II, da Lei 13.303/2016, deve apresentar a contextualização dos fatos que justificam a oportunidade, nos termos dos fundamentos jurídicos aplicáveis [4], de modo que, cumpridas tais exigências, não haverá o que se questionar pelos órgãos de controle, sendo a contratação perfeitamente válida e eficaz.

Em síntese, o que se busca neste artigo é "colocar as coisas em seu devido lugar", no sentido de que seja respeitada a autonomia e os critérios de oportunidade e conveniência das estatais à realização de oportunidades de negócio e de que não sejam infirmadas suas escolhas meritórias em razão de decisões administrativas ou judiciais que "entendem" existir outras "oportunidades" de mercado. Ora, desde que respeitados os critérios legais pela estatal e motivada efetivamente a oportunidade, cabe aos órgãos de controle apenas reconhecê-la como válida e não substituir o papel do gestor para criar hipóteses pré-contratuais ou anteriores que sequer foram exigidas por lei. O respeito aos critérios de escolha por oportunidade e conveniência dos gestores é fator fundamental para o desenvolvimento nacional e deve ser exaltado e respeitado pelos órgãos de controle como fundamento absolutamente necessário à consolidação da autonomia e independência entre os poderes, por meio do exercício de suas funções típicas.

 


[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Art. 20 da Lindb: Dever de transparência, concretude e proporcionalidade nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – Lindb (Lei nº 13.655/2018), p. 13-41, nov. 2018. p. 15.

[4] (Decreto nº 9.830/2019) "Artigo 2º — A decisão será motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.
§1º. A motivação da decisão conterá os seus fundamentos e apresentará a congruência entre as normas e os fatos que a embasaram, de forma argumentativa".

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