Direto do Carf

Alienação de participação societária e a (não) incidência de PIS e Cofins

Autores

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Antonio Carlos Atulim

    é advogado e consultor no escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária auditor-fiscal da Receita Federal aposentado ex-conselheiro e ex-presidente de colegiados na 3ª Seção do Carf e no antigo 2º Conselho de Contribuintes ex-membro da CSRF e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

31 de março de 2021, 9h06

Spacca
Diferentemente do habitual, a coluna de hoje não irá tratar da jurisprudência1 do Carf para uma determinada questão jurídico-tributária, mas sim de um específico precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF): o acórdão 9303-006.233. Para tanto, torna-se indispensável neste momento contextualizar os fatos que gravitaram em torno do citado julgamento.

Pois bem. Analisando o sobredito acórdão observa-se que o contribuinte possuía participações societárias (ações) que integravam um fundo de investimento, ações essas que, durante anos, foram registradas contabilmente em seu ativo não circulante (ativo permanente). Ainda segundo o que fora apurado pela fiscalização, meses antes da venda desses ativos, algumas dessas ações foram reclassificadas contabilmente, passando a ser registradas como ativos circulantes. Nesse sentido, a fiscalização entendeu que a venda desses ativos reclassificados estaria sujeita à incidência de PIS/COFINS, por se tratar de receita operacional.

Em sua defesa, o contribuinte alegou que neste caso a simples e formal reclassificação contábil do ativo não seria suficiente para transmutar a sua real (substancial) natureza, i.e., de ativo não circulante (ativo permanente). Logo, os valores decorrentes da venda de tais ações deveriam ser excluídos da base de cálculo do PIS e da Cofins, nos termos do art. 1º, §3º, inciso VI da lei 10.637/022 e art. 1º, §3º, inciso II da lei 10.833/03.

Em turma ordinária e por voto de qualidade, ainda na sistemática anterior a mudança legislativa promovida pelo art. 19-E, da lei n. 10.522/023, o contribuinte saiu derrotado, ao fundamento que a citada reclassificação fiscal do ativo e sua ulterior alienação resultaria em receita tributável pelo PIS/Cofins4.

Motivado pela interposição de recurso especial promovido pelo contribuinte, a CSRF, por meio do Acórdão Carf 9303-006.2335 e mediante maioria de votos, manteve a decisão recorrida, o que fez com base em duas premissas essenciais: (i) a modificação da classificação fiscal do ativo (de não circulante para circulante) é fato novo que altera a sua natureza; (ii) o fato do ativo ter ficado registrado como não circulante até o término do ano seguinte da sua aquisição não se contraporia a expressa manifestação do contribuinte que, ao reclassificá-lo como ativo circulante, teria intencionalmente transmutado a sua natureza; segundo o voto vencedor, é irrelevante que aludidas participações estivessem, anteriormente, registradas no Ativo Permanente.

Em sentido oposto à maioria do colegiado, destaca-se declaração de voto6 que retrata bem a posição vencida. Segundo o que fora ali externado, o simples e formal registro contábil do ativo não é suficiente para classificá-lo como circulante ou não circulante. Para tanto, seria necessário observar o disposto no então vigente art. 774, inciso III do Decreto 3.000/99 (RIR)7, que objetivamente teria prescrito a condição para a classificação de um ativo como permanente: ter permanecido no ativo da empresa até o término do ano-calendário seguinte ao da sua aquisição.

Este entendimento vencido, por sua vez, parte do pressuposto que os registros contábeis não teriam condão de, por si só, criar ou alterar realidades jurídicas. Aduz, ainda, que o fato de a sociedade ter deliberado pela intenção de alienação de tais ações não seria suficiente para tratá-las como “estoque”, já que no instante da sua aquisição o objetivo era de investimento, o que restaria provado, mais uma vez, pelo fato de tais ações terem permanecido no ativo do contribuinte até o término do ano-calendário seguinte ao da sua aquisição.

Ainda nessa linha, o voto vencido aduz que a lei n. 12.973/20148 reforçaria a licitude da ação do contribuinte em concreto, na medida em que a intenção desta legislação seria no sentido de atribuir um maior realismo aos registros contábeis, inclusive para alinhar expectativas, em especial de sócios e acionistas dessas empresas, bem como de investidores e fomentadores de créditos. Logo, a reclassificação contábil feita pelo contribuinte teria o condão de melhor traduzir a sua intenção em relação às ações reclassificadas como ativo circulante, mas não seria suficiente para promover um impacto jurídico-tributário, o que, inclusive, teria sido reconhecido pela própria Receita Federal do Brasil, nos termos do art. 58 da IN RFB 1.700/20179.

Interessante notar que esse entendimento do voto vencido está alinhado com o entendimento oficial da Administração Tributária, vigente há cerca de quarenta anos, veiculado por meio do Parecer Normativo CST nº 03, de 1980 (DOU de 04/02/1980).

Segundo a interpretação da própria Receita Federal, a classificação ou a reclassificação de ativos não pode ser feita segundo critérios subjetivos dos contribuintes, mas sim em face de critérios objetivos, consubstanciados nos arts. 178 a 182 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, aplicável por expressa determinação do parágrafo 4º do art. 7º do Decreto-lei nº 1.598/77.

Ao contrário do voto que prevaleceu no julgamento, a teor do Parecer Normativo CST nº 03/1980 e do art. 58 da IN RFB 1.700/2017, para a Receita Federal é rrelevante o fato de o ativo ter permanecido, até o ano anterior ao da sua alienação, em conta do ativo permanente.

Embora a questão do caso aqui analisado seja bastante circunstancial, ela traz um importante debate e que ainda trará muita repercussão no âmbito dos casos julgados pelo CARF: a adequação da contabilidade ao padrão internacional tem o condão de, per si, implicar consequências jurídico-tributárias, i.e., de gerar obrigações tributárias principais? É com esse intuito que trazemos à lume o julgado retratado no acórdão CARF 9303-006.233, de modo a gerar uma reflexão crítica dos nossos qualificados leitores.

1 Aqui entendida como o conjunto reiterado de decisões em um determinado sentido jurídico.

2 Art. 1º

(…).

§ 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas:

(..).

VI – de que trata o inciso IV do caput do art. 187 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;

(…).

3 Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.

4 Na parte que interessa ao presente artigo, a ementa do citado precedente restou assim positivada:

PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS. VENDA. ATIVO CIRCULANTE. QUALIFICAÇÃO COMO RECEITA TRIBUTÁVEL.

A venda de participações societárias registradas no Ativo Circulante, ante o objeto social da pessoa jurídica, qualifica-se como receita sujeita à incidência da contribuição à COFINS, sendo irrelevante que aludidas participações estivessem, anteriormente, registradas no Ativo Permanente.

(…). (Acórdão n. 3401-003.113; Relator: Conselheiro Waltamir Barreiros; Redator designado: Conselheiro Elias Fernandes Eufrásio; julgado em 15.03.2016.).

5 Assim ementado:

PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS. RECLASSIFICAÇÃO. NATUREZA.

A reclassificação do Ativo, de permanente para circulante, em função de expressa manifestação da administração da entidade, modifica sua natureza para fins de classificação patrimonial, transformando-se em um ativo de venda, cuja receita de alienação é classificada como receita bruta de venda, de natureza operacional.

(Conselheiro Relator: Rodrigo da Costa Pôssas; julgado em 24.01.2018.).

6 Da lavra da Conselheira Tatiana Midori Migiyama.

7 Art. 774. O regime de tributação previsto neste Título não se aplica aos rendimentos ou ganhos líquidos:

(…);

III – na alienação de participações societárias permanentes em sociedades coligadas e controladas, e de participações societárias que permaneceram no ativo da pessoa jurídica até o término do ano-calendário seguinte ao de suas aquisições;

(…).

8 Que procurou alinhar os registros contábeis no Brasil à padrões internacionais.

9 Art. 279. Não integram a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurados no regime de incidência não cumulativa a que se referem a Lei nº 10.637, de 2002, e a Lei nº 10.833, de 2003, as outras receitas de que trata o inciso IV do caput do art. 187 da

Lei nº 6.404, de 1976, decorrentes da venda de bens do ativo não circulante classificado como investimento, imobilizado ou intangível.Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se inclusive no caso de o bem ter sido reclassificado para o ativo circulante com intenção de venda por força das normas contábeis e da legislação comercial.

Autores

  • é advogado tributarista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia e Consultoria Tributária, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet.

  • é advogado e consultor no Escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, auditor-fiscal da Receita Federal aposentado, ex-conselheiro e ex-presidente de colegiados na 3ª Seção do Carf e no antigo 2º Conselho de Contribuintes, ex-membro da CSRF e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

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