Opinião

Os quatro Cs na formação jurídica

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31 de março de 2021, 7h09

Além da informação com viés tecnicista, a maioria das faculdades de Direito centra demasiadamente em prover os futuros operadores do Direito de um conjunto de habilidades predeterminadas, como retórica aristotélica, fundamentos do Direito e Direito Processual Civil. Mas, como não temos ideia de como o mundo e o mercado de trabalho serão em 2050, na realidade não sabemos de quais habilidades específicas os profissionais precisarão para serem relevantes. Os cursos de formação podem estar investindo muito esforço para ensinar aos acadêmicos algumas leituras para descobrir que no futuro a inteligência artificial pode entregar soluções muito mais eficientes nesse sentido.

Então, o que as faculdades de Direito deveriam estar ensinando? Muitos estudiosos alegam que as universidades deveriam passar a ensinar os quatro Cs na formação jurídica — pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade. Num sentido amplo, as faculdades deveriam enfatizar habilidades para formação de propósito e reforço de identidade. O mais importante de tudo será a habilidade para lidar com as mudanças, aprender coisas novas e preservar o equilíbrio mental em situações adversas. Para os operadores do Direito acompanharem o mundo do futuro, não só deverão adaptar os serviços jurídicos na conjuntura contemporânea, mas, acima de tudo, precisarão reinventarem-se constantemente. "Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças" — a frase atribuída ao velho Charles Darwin nunca fez tanto sentido.

Acontece que 2050 é hoje! As mudanças aceleradas oriundas de novas tecnologias e os novos comportamentos sociais tornaram o modelo de advocacia tradicional obsoleto. A sociedade e a comunicação global mudaram, assim como a forma como as pessoas buscam e absorvem conteúdo para se sentirem seguras em sua tomada de decisão. Notam-se ainda, profundas mudanças no modo como nos relacionamos com outras pessoas, como gerimos problemas, como trabalhamos e até como aprendemos.

O modo como se opera o Direito também mudou, e o mercado privilegia o novo e escasso profissional jurídico, atribuído de novas funções em meio a tantas transformações impulsionadas pelo desenvolvimento de novos negócios, novas tecnologias e novos formatos de consumo de informação provenientes da digitalização acelerada na era pós-Covid 19.

Para sobreviver e progredir nesse contexto, os operadores do Direito precisam de flexibilidade mental e grande inteligência emocional. Terão inevitavelmente de abrir mão daquilo que sabem melhor (a visão míope tecnicista) e adaptarem-se ao que não sabem fazer, estimulando novas habilidades. Afinal, novos tempos demandam novas competências!

Infelizmente, ensinar jovens advogados a abraçar o desconhecido e manter seu equilíbrio mental é muito mais complexo do que ensinar princípios do Direito Civil. Eles não serão capazes de desenvolver resiliência lendo um livro ou meramente assistindo a uma aula. Aos próprios professores, muitas vezes advogados tradicionalistas, falta a flexibilidade mental que o século 21 exige, pois eles mesmos são produtos do obsoleto sistema jurídico tradicionalista e retrógrado.

A Revolução Industrial deixou-nos como legado a teoria da linha de produção na advocacia, agravada pelas restrições obsoletas do Código de Ética e Disciplina da OAB. No Brasil, existem aproximadamente 1,4 mil faculdades de Direito, muitas vezes com estruturas idênticas, grade curricular idêntica. Ao se formarem, os bacharéis são validados por uma prova, que os cede licença no exercício da profissão.

Em um cenário jurídico cada vez mais comoditizado e repetitivo, com advogados que têm a mesma formação, as mesmas experiências e, muitas vezes, a mesma aparência, simplesmente por preferirem reproduzir padrões, o pensamento crítico, a comunicação bem trabalhada, o exercício da criatividade e o espírito de cooperação podem ser utilizados como elementos de diferenciação, identidade e propósito, ampliando novas possibilidades de geração de valor e relacionamento.

Segundo João Alberto Catalão, "na média não existe diferenciação. Sem desvio do padrão 'escolhemos' a zona de conforto". A diferenciação e a ruptura do padrão e do trivial, orientadas pela adoção de novas competências, são fundamentais como parte do processo de profissionalização do setor jurídico e, principalmente, na existência coerente dos advogados sob a dinâmica proposta na nova conjuntura social e corporativa, pois "penso, logo existo".

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