Ofensa corporativa

STF devolve recurso de juiz que tenta, há 15 anos, processar procurador por entrevista

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30 de março de 2021, 10h59

Em decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal indicou que não vai analisar recurso extraordinário ajuizado por um juiz federal que tenta, há 15 anos, responsabilizar de forma pessoal um procurador da República pelo conteúdo de uma entrevista jornalística. Ainda cabe recurso de agravo interno.

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Macário Júdice processou procurador do MPF pelo conteúdo de entrevista de 2005
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O alvo do magistrado é Bruno Calabrich, integrante do Ministério Público Federal no Distrito Federal. O motivo é uma entrevista de junho de 2005, concedida ao jornal A Gazeta, do Espírito Santo, em que comentou decisão do juiz federal Macário Ramos Júdice Neto. O conteúdo da reportagem foi, depois, reproduzido pelo site do MPF.

Na reportagem, o procurador comentou uma decisão de Macário que tinha fixado honorários advocatícios em favor do advogado Beline Salles Ramos, em uma ação de reconhecimento da validade de títulos da dívida ativa.

Para o procurador, o valor dos honorários era exorbitante. Ele disse ao jornalista que o Ministério Público Federal iria recorrer da decisão.

Beline e Macário foram depois alvo de ação penal por fraudes no Judiciário capixaba. O magistrado foi afastado da função em processo que tramitou por todas as instâncias do Judiciário e foi avocado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2018. Esse caso ainda não foi decidido de forma definitiva.

Para Macário, as declarações de Bruno Calabrich foram ofensivas. Por isso, ajuizou ação para reparação de danos materiais e morais ainda em julho de 2005. O que se seguiu foi uma batalha jurídica para definir se um procurador da República, quando presta declarações à imprensa, age no exercício das suas funções ou não.

Se a resposta é sim, então o procurador não pode ser alvo da ação, que deve ser ajuizada contra a União, a quem caberá fazer a defesa, uma vez que o caso transcenderia os interesses particulares das pessoas físicas envolvidas no litígio. Essa foi a tese defendida pelo advogado do procurador, Bruno Dall'Orto Marques.

Já para o magistrado, União e MPF não têm interesse de agir porque as declarações na entrevista são pessoais e não foram concedidas no exercício da função pública. Assim, caberia o processo pessoal, que tramitaria na Justiça estadual. O juiz é representado pelo advogado Willer Tomaz.

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Para o MPF, procurador atuou no exercício de suas funções quando concedeu entrevista em que criticou decisões do juiz
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Quem processar?
O caso chegou às cortes superiores brasileiras após decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que considerou a Justiça Federal incompetente.

No Superior Tribunal de Justiça, a 2ª Turma analisou a matéria em 2019 e entendeu que há o interesse jurídico do Ministério Público Federal apto à sua inclusão como assistente simples na lide, porque o caso possui "nítido contorno de defesa da prerrogativa institucional do integrante da instituição para emitir opiniões quanto a fatos relacionados ao exercício profissional".

A inclusão do MPF deslocou o processamento do processo para a 6ª Vara Federal Cível de Vitória (ES), que concluiu que o ato do Procurador da República de conceder entrevista se inseria nas suas funções. Assim, se abuso houve, a demandada deveria ser a União.

No Supremo Tribunal Federal, o seguimento do recurso extraordinário foi negado pelo ministro Dias Toffoli. Ele apontou que a questão é infraconstitucional e mandou devolver o processo ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para que aplique Tema 940 da repercussão geral.

Julgado no RE 1.027.633, o caso teve fixada a tese de que "a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato".

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Decisão do ministro Toffoli manda TRF-2 aplicar  Tema 940 da repercussão geral
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Fim da linha?
Para o advogado do magistrado, a decisão do STJ merece reforma "para que não se firme disfunção à competência constitucional do Ministério Público, como órgão essencial à justiça, de atuar em prol do interesse público, em demandas de caráter transcendental".

Willer Tomaz também discorda da monocrática do ministro Toffoli, pois, segundo ele, o STF pode sim analisar o tema, uma vez que trata exclusivamente de questões de direito. Assim, adianta que deve impor agravo interno para que seja apreciado pelo colegiado.

Se aplicada tese indicada por Toffoli pelo TRF-2, o processo chegará ao fim depois de 15 anos, já que o juiz federal Macário Júdice Neto não tem mais prazo para processar a União pelas declarações de Bruno Calabrich. O limite é de três anos para ajuizar ação, conforme o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V do Código Civil.

"Nada mais pode ser feito judicialmente pelo magistrado afastado em relação a tal assunto", resumiu o advogado Bruno Dall’Orto Marques, que defendeu Bruno Calabrich na ação. Para ele, a decisão dá segurança aos membros do MPF para atuar funcionalmente.

"Ao mesmo tempo, não afasta o dever de accountability, que por se tratar de agente que representa o próprio ente e em nome dele pratica os atos, somente pode ser exigido por iniciativa deste mesmo ente ao qual o agente se encontra vinculado, caso entenda que seu agente agiu de maneira desconforme", disse.

Clique aqui para ler a decisão do ministro Dias Toffoli
ARE 1.278.669 (STF)
REsp 1.760.108 (STJ)

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