Opinião

Sobre o livro 'Sem data venia', de Luís Roberto Barroso

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30 de março de 2021, 16h06

Este escriba foi leitor compulsivo das ciências jurídicas, com realce para Direito Penal e Direito Processual Penal. Era professor titular de Processo Penal numa respeitável escola de Direito (Universidade Católica de Santos). Ensinou durante uns 20 anos. Parou. A advocacia criminal lhe tomava muito tempo, sacrificando-o demais. Entretanto, este velho escriturário continuou apaixonado por livros jurídicos, classificando-os ciosamente na biblioteca, hoje engrandecida, sem desdouro para clássicos com dedicatórias de Nélson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, José Frederico Marques e muitos outros. Foi amigo de Evandro Lins e Silva. Conviveu com Evaristo de Moraes Filho (o Penalista), que defendeu Collor de Mello lá atrás. Debateu com Sobral Pinto no Conselho Federal da Ordem, aquele mesmo Sobral que envergava sempre um terno negro, enraivecendo-se durante discussões em plenário, mas sempre respeitadíssimo por todos os companheiros. Enfim, este criminalista também redigiu alguma coisa em Processo Penal, não prosseguindo. Manteve admiração por todos quantos, obstinadamente, atualizavam o ensino e o estudo do Direito no Brasil, uns advogados, outros muitos magistrados ou membros do Ministério Público, todos numa teimosia a causar uma sorte de santa inveja no escriba, por não poder ou não conseguir imitá-los. Para quem não sabe, o escriba passou o começo da adolescência na cidade do Rio de Janeiro, morando durante bom pedaço do tempo perto do "Jardim de Alá", Ipanema-Leblon. Foi aluno dos jesuítas. Aprendeu a velejar e a jogar futebol nas areias fofas daquelas praias, uma boa razão para fazer parte de times vitoriosos quando disputando com futebolistas das praias de Santos, pois as do Rio de Janeiro, macias, exigiam um balanceio que os sulistas não tinham. Depois, naquela época, o escriba veio para a capital de São Paulo, fazendo a vida na metrópole, terra exigente, sim, mas carinhosa também.

Indagarão os leitores qual ou quais as razões do intróito. É simples: acabaram de mandar ao Paulo Sérgio um exemplar do livro "Sem data venia", escrito por Luís Roberto Barroso e posto no mundo pela Editora História Real. "Um olhar sobre o Brasil e o mundo", diz o autor em primeira edição. O brasileiro sabe quem é Luís Roberto Barroso: é ministro do Supremo Tribunal Federal, transformando-se em personagem muito importante nos debates havidos naquela corte, sabendo-o os brasileiros e brasileiras, com certeza, na medida em que a intelectualidade acompanha assiduamente as sessões havidas no Supremo, entusiasmando-se aqui e ali com a extensão, profundidade e importância dos temas discutidos, sobressaindo a legalização do abortamento, a proteção aos anencéfalos, o reconhecimento da união homoafetiva, enfim, com todas as consequências instaladas na conceituação jurídica da especificidade. O Supremo Tribunal Federal é, com certeza, um dos maiores centros de divulgação da cultura em geral, mostrada aos brasileiros, sendo destaques, é certo, os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques, cada qual deles (e delas) demonstrando, aqui e ali, as razões para assentamento naquele sacrário.

Este advogado criminal, dos mais antigos que o Brasil tem, é assíduo frequentador das transmissões virtuais das sessões, sempre atento às disputas e até mesmo às concordâncias, captando as lições de uns e outros. Dentro de tal contexto, o Paulo Sérgio conhece, embora sem profundidade, a vida de cada qual, adivinhando-lhes as preferências literárias, importantes, sim, porque dão, razoavelmente possível, medida dos contatos daqueles pretores com a comunidade externa. Daí o começo da crônica sobre o "Sem data venia", recém-lançado pelo ministro Luís Roberto Barroso. Este não é carioca, mas quase, porque passou a juventude no Rio de Janeiro, jogou futebol naquele pedaço, estudou ali, advogou lá, militou na política universitária, fez proselitismo, preferenciou tendência à esquerda, talvez, prestou concurso para a cátedra naquelas bandas, paraninfou alunos, conquistou admiradores, gerou filhos num casamento estável e influiu muito, no passado e mais adiante, nos rumos perfilados pela nação brasileira. Parte da descrição vem do começo da obra que o escriba acabou de ler em primeira visão, como se faz num primeiro relacionamento simpático entre cidadãos. Tocante a Luís Roberto Barroso, o Paulo Sérgio já ouviu bastante, aqui e ali, mas já o conhecia enquanto Barroso era advogado encarregado da defesa de Cesare Battisti, um debate encarniçado, sim, e levado a termo até quase a vitória plena, só não acontecendo o sucesso em razão de movimentação política posterior impeditiva da manutenção da liberdade do extraditado. Dependesse de Luís Inácio Lula da Silva, a libertação do controvertido italiano estaria plenamente assegurada. Enfim, Luís Roberto Barroso, não sendo criminalista, trabalhou no caso como se o melhor deles fosse, acompanhado por Greenhalgh, um combate lindamente versado a engalanar as becas dos defensores brasileiros. O Paulo Sérgio, repita-se, seguiu aquilo com muito fervor, dir-se-ia com paixão, pois já contava, naquele tempo, uns 50 anos de ministério, torcendo sempre pela liberdade. Depois, quando se falou na possível nomeação de Luís Roberto ao Supremo Tribunal Federal, sob o patronato de Dilma Rousseff, o escriba se entusiasmou, ao lado de toda a advocacia brasileira, acompanhando a movimentação de perto, pois estava mais adequado à vida interna da Ordem dos Advogados do Brasil.

Não se diga mais. O tempo passou, este escrevinhador continua advogando, mas com poucas viagens àquelas alturas, fala raramente com algum sobrevivente carioca (Técio Lins e Silva e Juarez Tavares, como exemplo), navega com muito esforço nas praias do litoral paulista e raramente pensa no Rio de Janeiro. Mas pensa. O retrato daquele tempo chegou outra vez hoje, sobre a mesa de trabalho do escrevinhador, encapado em azul e "Sem data venia", simplificação muito oportuna esta, porque o juiz não precisa falar empolado para ser compreendido, entendido e estimado.

Este escriba acentua sempre que livro não marcado é como mulher pouco amada. As anotações nas laterais são, com certeza, demonstração efetiva de enlaçamento na obra. O Paulo Sérgio pode afirmar isso com muita inteireza, pois tem livros de Nélson Hungria anotados a mão pelo próprio, sendo proprietário também de escrito marchetado por Basileu Garcia. São atestados de carinho muito grande de quem lê bastante. Este Paulo Sérgio, então, anotou os temas "liberdade de expressão", "interrupção da gestação", "direitos LGBTI" e "uniões homoafetivas", tudo para posterior leitura muito atenta. Separou um dos temas, na obra, com marcador de páginas pintado pelo próprio Paulo Sérgio, para não se esquecer da maior importância do trecho. Na medida em que este escrevinhador recebe, eventualmente, uma ou outra obra para comentar, põe "Sem data venia" à cabeceira ao lado das escrituras, porque se esmera a ler um pouco à noite, horário muito adequado à reflexão. E manda a crônica a Luís Roberto Barroso, a exemplo do que faz com alguns diferenciados cultores das letras jurídicas, acentuando, ao final, que desistiu de repetir, aqui, as qualidades intelectuais do ministro. São cerca de 20 páginas impressas em grafia diminuta, demonstrando hercúlea determinação de coparticipar, aquele jurista, das preocupações de todos aqueles que têm, em maior ou menor porção, interação nos destinos da nossa pátria. Luís Roberto Barroso, antes de ser ministro, é um advogado, orgulho de todos nós. Já escreveu muito. Debateu, viajou, estudou no exterior, fala o inglês, o castelhano e o francês, visitou Yale e outros centros universitários importantes. É estimado por todos. Este escriba, aqui, continua a lhe seguir a trajetória brilhante, entristecendo-se às vezes com emaranhamento nas opiniões do ministro Gilmar Mendes. Na verdade, este escriturário de Direito Penal, que de respeitável só tem o fato de ser o mais velho, gostaria de ver os dois abraçados, desconhecendo a razão primeira de suas controvérsias. Gosta de ambos. Ou melhor, não consegue desgostar do outro, sabendo-se que Gilmar, às vezes, abraça causas importantes à preservação da liberdade jurídica da cidadania. Tocante ao ministro Luís Roberto Barroso, ele e este escrevinhador, com certeza, leram livros iguais e têm os mesmos afetos pela cidade do Rio de Janeiro. Basta lembrar, no capítulo 2 do tema "liberdade de expressão", parte de uma titulação: "O passado condena" (Klute?). Ou outra menção no entremeio: "O encontro marcado" (Fernando Sabino?). O escriba também jogou futebol em Ipanema e nadou bastante na Guanabara. Em certo sentido, andaram juntos pela vida, embora este escrevinhador tenha 85 anos, 23 a mais que o brilhantíssimo ministro. Luís Roberto fez aniversário em 11 de março. Este velho advogado, o decano da advocacia criminal paulista, ou quase, lhe mandou cumprimentos efusivos, entusiasmado com aquele que declarou, alhures, "eu sei onde tenho o coração e por quem ele bate". La Nave Va!

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