Opinião

Pelo segundo ano seguido, Brasil bate recorde de expulsões de estrangeiros

Autor

  • Tatiana Bruhn Parmeggiani Gomes

    é advogada professora de Direito Internacional Privado e Direito Internacional Público no Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) de Brasília coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Internacional Privado e União Europeia na mesma instituição. mestre e doutora em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro Cidadania da União Europeia no Processo de Europeização: em Defesa da Cidadania Pós-nacional (Arraes Editores).

30 de março de 2021, 12h15

Contrariamente ao que se imaginava, a pandemia da Covid-19 não foi óbice para decretações de expulsão de estrangeiros no Brasil durante o ano de 2020. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o quantitativo de estrangeiros expulsos em 2020 remonta a soma de 1.424 pessoas, o que denota um aumento considerável em comparação com os 1.237 expulsos compilados em 2019 [1].

Reporta-se que o instituto da expulsão está compreendido como um dos mecanismos de saída compulsória do país. Define-se como o ato pelo qual o estrangeiro com entrada regular é obrigado a se retirar, haja vista ofensa à segurança nacional, à ordem pública ou social, à tranquilidade ou moralidade pública e à economia popular [2]. Tornando-se, portanto, uma persona non grata aos interesses nacionais como a comunidade jurídica convencionou.

Resta importante destacar que a expulsão não é uma pena, mas, sim, uma medida administrativa, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado (condicionado este ao período pelo qual vigorarem os efeitos da expulsão). Os contornos normativos estão consignados na Lei n°13.445/2017 [3], conhecida como Nova Lei de Migração, que entrou em vigor em 21 de novembro de 2017, legislação esta que trouxe diversos avanços em matéria migratória. Anteriormente, tal previsão legal estava ancorada no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980).

De acordo com o disposto no artigo 54, §1º, II, da Lei n°13.445, de 24 de maio de 2017 [4], a expulsão é medida motivada pela condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade. Também poderá dar causa à expulsão a prática dos seguintes crimes: crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 2002. Adiciona-se que caberá ainda à autoridade competente resolver sobre a expulsão, a duração do impedimento do reingresso e a suspensão ou revogação dos efeitos dela, observado o disposto da Nova Lei de Migração, como discorre Maristela Basso [5], com o devido alerta, que o retorno fora de época acarretará em cometimento de crime, vide previsão do artigo 338 do Código Penal brasileiro [6].

O levantamento promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, disponibilizado pelo Serviço de Informação ao Cidadão, também permitiu estabelecer um mapeamento das nacionalidades que assumiram o ranking de atendimentos em matéria de expulsão até o final de 2019, composto por nacionais de África do Sul, Colômbia, Espanha, Paraguai, Portugal, Alemanha, Bolívia, entre outros [7].

Nessa senda, chama-se atenção para um caso em especial, envolvendo cidadão da Tanzânia, que lançou novas bases interpretativas acerca da expulsão de estrangeiros no Brasil, uma vez que se garantiu o direito de permanência no país face a existência comprovada de uma filha brasileira, dependente da economia paterna e com convivência socioafetiva, o que obsta sua expulsão. Tal interpretação ganhou tratamento de repercussão geral com o Tema 373 junto ao Supremo Tribunal Federal (leia-se: "Concede ordem de Habeas Corpus para manter, no território brasileiro, estrangeiro expulso cuja prole brasileira foi concebida posteriormente ao fato motivador do ato expulsório, considerando-se, de um lado, o princípio da soberania nacional e, de outro lado, o princípio da proteção da família") [8] . Sublinha-se estar presente aqui o melhor interesse da criança.

Outro ponto relevante de análise relacionado à temática diz respeito à qualidade dos crimes praticados pelos expulsados. Fica evidente uma ocorrência frequente em crimes relacionados a tráfico de drogas, roubo, furto e ainda fraudes e falsificação de documentos [9]. Por fim, fica latente o recrudescimento das políticas migratórias brasileiras no sentido de barrar comportamentos que colocam em risco os interesses nacionais, e que nem mesmo a pandemia, que de pronto comprometeu enormemente a malha aérea e o trânsito de pessoas, foi capaz de impedir. Tal comportamento por parte do Estado brasileiro faz coro à compreensão de Hugo Grotius, aludida por Jacob Dolinger, ao passo que todo Estado possui o direito soberano de expulsar os estrangeiros que desafiam sua ordem pública e que se dedicam a atividades sediciosas [10].


[1] BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Processo nº 08198.002172/2021-01 SEI nº 13749117.

[2] DEL’OLMO, Florisbal de Souza. JAEGER JUNIOR, Augusto. Curso de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 130 e ss.

[3] BRASIL. Lei de Migração. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm>. Acesso em: mar. 2021.

[4] BRASIL. Lei de Migração. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm>. Acesso em: mar. 2021.

[5] BASSO, Maristela. Curso de direito internacional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 239.

[6] BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: mar. 2021.

[7] BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mensagem Eletrônica n°º 742/2019-SIC/DIREX/PF.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícia de 25 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446348&caixaBusca=N>. Acesso em: mar. 2021.

[9] BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mensagem Eletrônica n°º 742/2019-SIC/DIREX/PF.

[10] DOLINGER, Jacob. TIBÚRCIO, Carmen° Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 213.

Autores

  • Brave

    é professora de Direito Internacional Privado e Direito Internacional Público no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) de Brasília, líder do Grupo de Estudos em Direito Internacional Privado e União Europeia na mesma Instituição, professora convidada do Curso de Especialização “O Novo Direito Internacional” da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutoranda e mestre em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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