Opinião

A recuperação judicial como alternativa para clubes de futebol brasileiros

Autor

  • Otávio Miguel Carvalho

    é especialista em assessoria legal consultiva e contenciosa em recuperação judicial de empresas e falências pós-graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) sócio do escritório Dosso Toledo Advogados.

29 de março de 2021, 21h27

Em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, a economia do país e do mundo vem sofrendo graves impactos, os quais afetam também o universo do futebol. Com a realização de partidas sem público nos estádios e a paralisação de boa parte de campeonatos estaduais, a situação, que já era preocupante, se agravou ainda mais em razão da escassez de receitas e manutenção de boa parte das despesas, reavivando a discussão acerca de alternativas para equalização do passivo dos clubes, como a possibilidade de requerimento de recuperação judicial.

A crise financeira se torna mais aguda nos clubes do interior dos estados, que contam com uma reduzida verba de patrocínio e televisão, por exemplo. Clubes tradicionais paulistas, como  Francana — que chegou a se retirar da disputa da segunda divisão do Campeonato Paulista de 2016  XV de Jaú, Comercial e Batatais têm, ano após ano, o desafio inicial de se manterem abertos, de modo que a reestruturação de suas atividades e finanças por meio do processo recuperacional pode se mostrar uma boa alternativa.

Os benefícios da recuperação judicial, inclusive, são claros. Possibilita a renegociação das dívidas dos clubes, por exemplo, por meio da aplicação de deságio sobre os créditos existentes contra a agremiação e de prazos alongados para pagamentos. Com a derrubada de vetos presidenciais a alguns dispositivos da Nova Lei de Falências (Lei 14.112/2020), até mesmo os débitos tributários tiveram o pagamento facilitado, autorizando-se a utilização de prejuízos fiscais para pagamento de tributos, além de condições especiais de pagamento, com a concessão de descontos e prazo de até 84 meses.

Um dos efeitos mais imediatos e de grande impacto da recuperação judicial é a suspensão de todas as ações movidas em face da recuperanda (empresa que ingressa com o pedido de recuperação judicial) pelo prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias. Ou seja, com o deferimento do pedido de recuperação judicial, as ações movidas contra o clube para cobrança de dívidas poderão ficar até 360 dias suspensas, fato que impede a realização de penhoras e bloqueio de valores em conta.

Em razão de tal efeito, no dia 11 de março deste ano o Figueirense, tradicional clube do estado de Santa Catarina, ingressou com tutela cautelar antecedente preparatória de pedido de recuperação judicial, buscando justamente o início do período de suspensão das ações movidas contra si pelo prazo de 180 dias, para posterior apresentação do regular pedido de recuperação no prazo legal.

Interessante destacar que o Figueirense é composto por uma associação civil, o Figueirense Futebol Clube, e por uma sociedade empresária de responsabilidade limitada, a Figueirense Ltda., de modo que se está diante de uma cautelar antecedente de pedido de recuperação judicial híbrida, cujo pedido foi formulado por um grupo econômico composto por uma sociedade empresária e uma associação civil.

Esse aspecto é bastante controvertido no mundo jurídico, na medida em que associações civis não estariam autorizadas legalmente a ingressar, em um primeiro momento, com o pedido de recuperação judicial, o qual, por interpretação do artigo 1º da Lei de Recuperação Judicial e Falência (LRJF), somente seria aplicável ao empresário e às sociedades empresárias.

Apegando-se a esse entendimento, o juízo da Vara Regional de Recuperações Judiciais, Falências e Concordatas da Comarca de Florianópolis entendeu não ser possível a recuperação judicial de associações civis, extinguindo o processo sem analisar o mérito do pedido. O Figueirense, então, apresentou recurso ao Tribunal de Justiça catarinense, obtendo êxito no julgamento.

Ao contrário do entendimento trazido pelo juízo de Florianópolis, o TJ de Santa Catarina, em decisão proferida no dia 18 de março, entendeu não haver vedação legal para o pedido de recuperação judicial formulado por associações civis, destacando o entendimento consolidado pelo Conselho da Justiça Federal na VI jornada de Direito Civil de que: "As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa" (Enunciado 534).

Assim, houve a reforma da decisão de primeiro grau para reconhecer a legitimidade ativa do Figueirense Futebol Clube, uma associação civil, para requerer a recuperação judicial, determinando, por consequência, o prosseguimento da tutela antecedente proposta pelo clube. Tal decisão abre importante precedente a todos os clubes do cenário nacional que se encontram em situação de crise econômico-financeira, haja vista os inúmeros benefícios trazidos pela LRJF, exemplificados anteriormente, de modo que, seguramente, a recuperação judicial deverá ganhar espaço no noticiário esportivo.

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    é especialista em assessoria legal consultiva e contenciosa em recuperação judicial de empresas e falências, pós-graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), sócio do escritório Dosso Toledo Advogados.

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