Opinião

Considerações sobre Tema 970 do Superior Tribunal de Justiça

Autores

  • Júlia Scartezini

    é sócia do escritório Malta Advogados membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal aluna especial do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) coordenadora do blog "Imobiliário em Foco" e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal" sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

  • Alessandra Oliveira Barbosa

    é estagiária no escritório Malta Advogados e bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília.

28 de março de 2021, 18h07

Durante anos, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a cláusula penal moratória tratava de pacto secundário acessório passível de cumulação com indenização por lucros cessantes [1]. A assertiva era fundamentada por meio do entendimento de que ambas dispunham de natureza jurídica distinta, sendo a primeira caracterizada pela existência de caráter moratório e a segunda, por sua natureza compensatória.

Contudo, esse cenário foi alterado durante o julgamento dos Recursos Especiais de nº 1.635.428/SC e nº 1.498.484/DF, momento no qual a Corte Superior firmou o Tema 970, no sentido de que "a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes".

Destaca-se que a cláusula penal moratória diz respeito à condição contratual imposta com o intuito de resguardar a parte lesada pelo inadimplemento da obrigação. Ou seja, a obrigação continua útil ao credor, que não pretende arcar com os custos do cumprimento retardado e impõe o pagamento de multa pela mora do devedor [2]. Os lucros cessantes, por sua vez, consistem naquilo que o lesado efetivamente deixou de lucrar com a ocorrência do evento danoso, isto é, com o inadimplemento da obrigação, nos moldes do disposto no artigo 402 do Código Civil.

Ao alterar o entendimento a respeito do tema, o STJ estipulou não ser cabível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal na ocasião de inadimplemento do devedor. Isso visto que a cláusula penal moratória figuraria pacto secundário acessório, dispondo de natureza reparatória.

No entanto, deve-se atentar que a redação do Tema 970 não contempla vedação completa e intransponível à possibilidade de cumulação das verbas anteriormente exarada pela Corte Superior. Isso porque previsão diz respeito às verbas provenientes de cláusula penal moratória cujo valor estabelecido apurado equivale ao locativo. Assim, constata-se que somente nessa hipótese a cláusula absorveria caráter indenizatório, uma vez que estaria voltada à importância de resguardar o direito dos credores.

Portanto, vê-se que a cláusula penal moratória que fixar montante inferior ao locativo não será capaz de recompor os prejuízos suportados pelos promitentes compradores na hipótese de atraso na entrega de obra.

Constata-se que, por meio do julgamento, o STJ previu a impossibilidade de cumulação de cláusula penal moratória com lucros cessantes, quando estabelecida em valor equivalente ao locativo. Por outro lado, percebe-se que a cumulação apenas não é admitida quando o valor devido a título de cláusula penal moratória for similar ao valor de indenização por lucros cessantes.

Sendo assim, para que seja admitida a cumulação das verbas, faz-se necessária a realização de distinguishing entre o tema e o caso concreto, como foi realizado no Processo nº 0736420-95.2017.8.07.0001, durante o julgamento de recurso de apelação.

Na ocasião, demonstrou-se a inaplicabilidade do tema, uma vez que se tratava de situação em que a cláusula penal moratória do contrato firmado representava valor muito inferior ao valor locativo, restando esvaziada a natureza reparatória preliminarmente admitida. Embora o pedido dos promitentes compradores tenha sido, inicialmente, julgado improcedente, foi interposto recurso de apelação, que condenou os apelados (promitentes vendedores) ao pagamento dos juros de mora e dos lucros cessantes, cumulativamente. Contra a decisão, foi interposto recurso especial que está pendente de julgamento.

Pelo exposto, depreende-se que a conclusão interpretativa a respeito da cumulação da cláusula penal moratória com lucros cessantes deve considerar as peculiaridades do caso concreto, analisando-se a (in)aplicabilidade do Tema 970 do STJ à demanda.

 


[1] Vide AgRg no AREsp 847358/MG, julgado em 18/05/2017, e AgInt no AREsp 835184/DF, julgado em 16/05/2017.

[2] A esse respeito, definiu o STJ no Recurso Especial n.° 1.186.789/RJ, que “a cláusula penal é pacto acessório, por meio do qual as partes determinam previamente uma sanção de natureza civil – cujo escopo é garantir o cumprimento da obrigação principal -, além de estipular perdas e danos em casa de inadimplemento parcial ou total de um dever assumido”.

Autores

  • é advogada, membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal, coordenadora do Blog "Imobiliário em Foco", membro Grupo de Estudos "Constitucionalismo Fraternal" sob a orientação do min. Carlos Ayres Britto e membro do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais, sob a orientação da profa. dra. Lilian Rose Lemos Rocha.

  • é membro do grupo de estudos em Empresarial e Arbitragem, sob a orientação da professora doutora Amanda Athayde, e membro do grupo de estudos Constituição, Empresa e Mercado (Gecem), sob a orientação da professora doutora Ana Frazão.

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