Opinião

A possibilidade do ensino EaD nos cursos de graduação em Direito

Autores

  • Francisco Danilo de Souza Gomes

    é pesquisador pelo Núcleo de Estudos em Processo Penal e Contemporaneidade da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e pelo Grupo de Pesquisa do Núcleo de Estudos Críticos do Discurso e a Teoria Ator-Rede (Nectar) da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e pós-graduando em Direito Internacional pelo UniAmérica Descomplica e em Direito Penal e Processo Penal pelo UniAmérica Descomplica.

  • Raphael Gomes Viana

    é doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC advogado OAB/CE nº 22.926 vice-presidente da OAB Subsecção Sobral – CE e coordenador do curso de Direito da Faculdade ViaSapiens.

28 de março de 2021, 15h12

Indiscutivelmente, o Direito é uma das ciências mais tradicionais da história, possuindo raízes desde as civilizações egípcia e mesopotâmica. Quando olhamos para o passado, podemos perceber que o Direito surge na humanidade como mecanismo de justiça, para determinar o correto e o errado dentro de uma sociedade.

Com o passar das décadas, o mundo foi evoluindo e, com ele, a ciência jurídica, surgindo então o Direito Canônico, que podemos aqui definir como "o conjunto de normas jurídicas, de origem divina ou humana, reconhecidas ou promulgadas pela autoridade competente da Igreja Católica, que determinam a organização e atuação da própria Igreja e de seus fiéis, em relação aos fins que lhe são próprios" (Cifuentes, 1989, p. 15) [1]. Percebe-se, então, que o Direito por muitos anos foi determinado por aspectos culturais, religiosos e, por último, encontrando sua real aplicabilidade, o aspecto jurídico.

Desse modo, surge a necessidade de conhecer a lei, de conhecer o poder jurisdicional do Estado ou monarquia, de conhecer o Direito de punir e, em decorrência disso, no ano de 1150 surge a primeira escola de Direito no mundo, a escola de Direito da Universidade de Bolonha, que é considerada o berço do ensino jurídico e se tornou referência no estudo do Direito Canônico e Civil. Observemos a seguir as palavras de Braz de Souza Arruda, que nos fala sobre a Universidade de Bolonha:

"Bolonha desenvolveu o estudo do Direito Civil e do Canônico, cujas fontes se encontram nas Escrituras, na tradição e nos costumes, na legislação eclesiástica, decretos, concílios e reescritos dos Papas, acrescendo-se a estes fatores a influência romanística, adaptada à vida da sociedade cristã. (..) O Direito Canônico, separando-se da teologia, torna-se ciência autônoma com o decreto de Graciano, em 1140. Daí tornar-se Bolonha famosa pelos seus decretistas" (Arruda, 1943, pp. 43-44) [2].

Através da citação acima, podemos compreender um pouco sobre o ensino jurídico da Idade Média, além disso, vale salientar que a Universidade de Bolonha influenciou diretamente o surgimento da Universidade de Paris, que também é considerada pelos pesquisadores uma das primeiras escolas de Direito do mundo. Destarte, podemos aqui afirmar que essas duas faculdades serviram como modelo para o surgimento de novas universidades de Direito por todo o mundo, como por exemplo a Universidade de Oxford e a Universidade de Cambridge [3]. Superada essa questão, devemos retornar para a principal abordagem do presente ensaio, que é a possibilidade do ensino jurídico EaD no Brasil.

1) Acesso ao nível superior brasileiro e aumento no ensino a distância
Indubitavelmente, podemos aqui afirmar que nas últimas décadas ocorreu um grande aumento nos índices de acesso da população ao ensino superior brasileiro. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2004 e 2013 a proporção de pessoas da faixa etária entre 25 e 34 anos com ensino superior atingiu níveis significativos, passando de 8,1% para 15,2%. (IBGE, 2014). Sob o mesmo ponto de vista, ao olharmos para o censo do ano de 2019 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), percebemos que o Brasil teve um total de mais de 8.6 milhões de matrículas no ensino superior, sendo mais de 6,5 milhões matrículas na rede privada.

Sem dúvidas, boa parte do aumento significativo dos alunos ao ensino superior é em decorrência dos programas estudantis desenvolvidos pelo governo federal, como por exemplo o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni). Além disso, devemos nos atentar para outra informação de suma importância, que é a abordagem principal do presente ensaio. Estamos falando dos altos níveis de acesso dos alunos ao ensino EaD. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) "entre 2009 e 2019, o número de matrículas em cursos a distância aumentou 378,9%. Ingressantes em cursos de EaD correspondiam a 16,1% do total de calouros, em 2009. Em 2019, esse público representou 43,8% do total de estudantes que inicia a educação superior" [4].

2) Pandemia, ensino EaD e ensino jurídico
Através dos dados expostos no presente estudo e em virtude do atual cenário pandêmico que o mundo vivencia, devemos olhar para o ensino EaD de forma mais cuidadosa, uma vez que, com a chegada do novo coronavírus, o mundo teve de se adaptar a uma nova realidade, e no ensino educacional não foi diferente. As salas de aulas, que antes da pandemia eram repletas de alunos, foram esvaziadas e iniciou-se um processo de implementação de aulas síncronas por todo o país. Vale salientar que antes da pandemia o ensino EaD era considerado por muitos "ineficaz" [5], contudo, com a chegada do vírus foi necessário adotar medidas respeitando o distanciamento social, principalmente nas escolas e universidades, fazendo com que a única possibilidade dos alunos fosse estudar em casa. Para isso, foi adotado o ensino a distância e síncrono por diversas instituições de educação por todo o mundo.

Com isso, um grande questionamento que existe há mais de uma década volta a repercutir na sociedade. Tal questionamento versa sobre a possibilidade do ensino jurídico EaD no Brasil. O ensino jurídico no território brasileiro teve origem em meados de 1827, com a criação das primeiras escolas de Direito do país, localizadas nos estados de São Paulo e Pernambuco. Desde então, com o passar das décadas, a sociedade foi evoluindo e com ela a tecnologia e o nosso ordenamento jurídico. Quando analisamos detalhadamente os métodos de aprendizagem do Direito em nosso território nacional, fica nítido que, mesmo com os avanços tecnológicos cada vez mais presentes dentro das salas de aulas, a tradição do ensino do Direito continuava prevalecendo.

Os processos judiciários que visam à implementação dos cursos de Direito a distância no Brasil não são de hoje; segundo estudo levantado, a primeira solicitação na fila é da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), sendo o pedido protocolado no ano de 2009 [6].

Recentemente, no ano de 2019, várias IES receberam um comunicado do Ministério de Educação (MEC) informando que suas propostas para a implementação do curso de Direito EaD haviam sido pré-selecionadas. Por conseguinte, a Secretaria de Regulação do Ensino Superior (Seres) fez a análise documental dos processos e os encaminhou para o Inep, órgão responsável pela avaliação final in loco dos projetos.

Desse modo, tudo caminhava para que o Brasil passasse a disponibilizar o acesso EaD do curso de Direito, contudo, a Ordem dos Advogados do Brasil foi totalmente contra a decisão do MEC, entrando com processo judicial para tentar barrar a possibilidade do curso a distância. Além disso, é importante aqui mencionarmos que, com a chegada da pandemia no Brasil, as etapas dos processos de implementação foram suspensas, por se tratar de visitas in loco.

3) Conclusão
Mediante o conteúdo aqui abordado, percebemos a importância e o crescimento do ensino a distância no Brasil, sendo em muitos casos mais acessível para os alunos. Podemos afirmar que o acesso à educação é um direito social de extrema importância para o desenvolvimento pessoal e profissional de um cidadão, pouco importando se o acesso ao estudo é feito presencialmente ou online.

No que concerne à implementação do curso de Direito EaD no Brasil, acreditamos que é apenas uma questão de tempo, pois "não existem mais argumentos técnicos para a postergação. O único argumento que resta é a pressão política da OAB sobre o Ministério da Educação. Trata-se de um corporativismo que não encontra eco na modernidade" [7] (Santos, 2020).

 


[1] CIFUENTES, Rafael Llano. Relações entre a Igreja e o Estado: a Igreja e o Estado à luz do Vaticano II, do Código de Direito Canônico de 1983 e da Constituição Brasileira de 1988. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

[2] ARRUDA, Braz de Souza. A Faculdade de Direito, a Universidade e os problemas do ensino. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 41, pp. 37-122. São Paulo: 1943.

[3] OLIVEIRA, Terezinha. Origem e memória das universidades medievais. Revista Varia História, vol. 23, nº 37: p.113-129. Belo Horizonte: jan./jun. 2007.

[5] Falamos aqui em ineficaz pois boa parte da sociedade possui um preconceito estrutural em relação ao ensino EaD, opinião que julgamos totalmente equivocada, pois existem estudos que comprovam a capacidade e qualidade do ensino a distância.

[7] Ibidem.

Autores

  • Brave

    é bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Inta – Uninta, membro acadêmico da Comissão de Promoção da Igualdade Ético-Racial e de Enfrentamento ao Racismo e da Comissão de Direito Penal e Direito Penitenciário da OAB-CE, subsecção Sobral, e membro da União dos Escritores Brasileiros – UBE.

  • Brave

    é doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, advogado OAB/CE nº 22.926, vice-presidente da OAB Subsecção Sobral – CE e coordenador do curso de Direito da Faculdade ViaSapiens.

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