1 ano depois

A Polícia Federal segue com independência na sua atuação, diz Mendonça

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28 de março de 2021, 7h24

O advogado santista André Mendonça assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública em um momento particularmente conturbado da política nacional, em abril de 2020, quando o então ministro Sergio Moro saiu do governo Bolsonaro atirando e acusando o presidente da República de interferência na Polícia Federal.

Spacca
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Quase um ano depois, em entrevista ao Anuário da Justiça, ele pontifica: "a Polícia Federal tem independência na sua atuação. Isso se mantém e deve sempre ser mantido". Ele diz que o aumento de dotações orçamentárias e a garantia de concursos públicos para aumentar o efetivo da PF faz com que "a Polícia Federal tenha independência" e esteja "dotada de todas as condições para o combate à corrupção e ao crime organizado".

Mendonça cita o lançamento de uma força-tarefa do Sistema Único de Segurança Pública como bom exemplo de combate ao crime organizado. "Estamos atuando com seis estados já, em uma atuação coordenada de combate ao crime organizado. A nossa expectativa é aumentar o número de apreensão de drogas, aumentar o número de recursos financeiros apreendidos do crime organizado, dos traficantes e ao mesmo tempo reduzir a criminalidade violenta e, em especial, o número de homicídios."

De qualquer forma, 2020 foi o ano em que houve um aumento de 5% na taxa de homicídios em todo o país. Mas o ministro diz não acreditar que seja necessário, por enquanto, abrir a discussão da recriação do Ministério da Segurança Pública. "Eu penso que é algo que tem que ser feito com bastante atenção. Nós tivemos, em 2018, a divisão de ministérios, onde havia um ministério específico de Segurança Pública, mas os nossos resultados no último ano são melhores, em todos os sentidos, do que aqueles que nós tínhamos também em 2018. Nós tivemos uma execução do orçamento mais de 10% superior ou melhor do que no ano de 2018. Nós tivemos números relacionados à criminalidade e violência também melhores do que no ano de 2018. O fundamental é garantir à sociedade brasileira uma boa gestão na área de Segurança Pública."

Confira abaixo a entrevista:

ConJur — Nós tivemos um ano atípico em 2020 e continuamos em uma situação complicada por causa da pandemia. Como isso afetou o Ministério da Justiça e da Segurança Pública?
André Mendonça — Primeiramente nós tivemos que adotar várias cautelas internas no âmbito do trabalho administrativo. Porém, a questão da segurança pública é uma atividade essencial e não pode parar. Então, todos os profissionais de segurança pública têm acompanhado e garantido a segurança pública da sociedade brasileira, e o nosso papel tem sido instrumentalizar, dar os meios para que eles possam exercer melhor as suas atividades. Então, apesar da pandemia, nós tivemos um aumento no número de operações, nós tivemos um aumento no número de policiais nas ruas. Para que tenhamos uma ideia, na operação horus, que é uma que nós realizamos nas áreas de fronteira com destaque para o combate ao tráfico de drogas, o ministério tinha cerca de 270 homens-dia na operação e encerramos o ano com mais de 700 homens-dia.

Pretendemos chegar, só na operação horus, com mais de mil homens-dia. Ou seja, estamos intensificando o trabalho de segurança pública. Ao mesmo tempo, tivemos, apesar da pandemia, recordes na apreensão de drogas, tanto maconha como cocaína, no ano de 2020, com destaque no período posteriormente a maio. 

ConJur  — O que mais o senhor anotaria como ações importantes no ano passado e o que que pode vir por aí?
Mendonça — No âmbito administrativo, fizemos uma grande mudança na gestão. Procuramos agilizar procedimentos, criamos uma secretaria de gestão na área de segurança pública, e isso deu um incremento e mais velocidade na aplicação dos recursos públicos. Em função disso, tivemos em 2020 o melhor resultado histórico de execução do orçamento; além disso, esse trabalho está permitindo fazer com que o dinheiro que nós transferimos chegue mais rápido em políticas públicas. Trocando em miúdos, quando nós transferimos um recurso para o Estado, esse recurso é para comprar viatura, armamento, coletes e outros equipamentos. Tínhamos uma média de dois anos entre a transferência e aquilo se transformar em um novo equipamento, em uma nova arma, em uma nova viatura.

Com as mudanças que fizemos, esse período está sendo reduzido para cerca de seis meses. A eficiência na aplicação dos recursos públicos é muito maior. Na prática, é mais segurança para o cidadão. Adicionado a isso, adotamos no ano passado uma nova metodologia no combate ao tráfico de drogas, no sentido de não apenas apreender a droga, mas tirar o dinheiro do traficante. Agora, estamos tirando as Mercedes, as Ferraris, as mansões, as fazendas do traficante. Então, é uma nova metodologia de sufocamento do crime organizado também na questão financeira.

ConJur  — Então, o que o senhor diz é que o sistema único de segurança está funcionando?
André Mendonça — Estamos sendo os grandes responsáveis por tornar uma lei inovadora, que foi a Lei do Sistema Único de Segurança Pública, muito importante. Em realidade, transformando aquilo que foi feito em 2018 pelo Congresso. É uma lei que traz como princípio o trabalho coordenado, sistêmico, integrado e conjunto entre as forças de segurança. Agora em 2021 lançamos uma força-tarefa Susp, Sistema Único de Segurança Pública, de combate ao crime organizado. Estamos atuando com seis estados já, em uma atuação coordenada de combate. A nossa expectativa é aumentar o número de apreensão de drogas, aumentar o número de recursos financeiros apreendidos do crime organizado, dos traficantes e ao mesmo tempo reduzir a criminalidade violenta e, em especial, o número de homicídios.

ConJur — Mas no ano passado houve um aumento de 5% no número de homicídios. Ao que o senhor atribui o aumento desses crimes?
Mendonça — Tivemos um aumento significativo nos meses de fevereiro, março e abril, nesses meses esse aumento era superior a 15% em média. Então, quando assumi o ministério, com esse crescimento alto, a expectativa era de ainda mais crescimento. Colocamos mais policiais nas ruas, passamos a pagar diárias para os policiais, inclusive dos estados. Conseguimos em vários estados ter uma redução dos indicadores. Chegamos aos meses de agosto, setembro e outubro, até mesmo em alguns momentos com indicadores melhores até com decréscimo, com uma redução do número de homicídios. Mas, como já tínhamos assumido um ano com um aumento, não foi possível uma redução durante todo o período de 12 meses. Mas uma redução significativa em relação aos números de homicídios com os quais eu assumi o ministério.

ConJur — A recriação do Ministério da Segurança Pública, dividindo a Justiça da Segurança, seria uma solução para combater o aumento de homicídios e também o crime organizado? O que o senhor pensa a respeito?
Mendonça — Penso que é algo que tem que ser feito com bastante atenção. O que posso lhe dizer é que nós tivemos, em 2018, a divisão de ministérios, onde havia um ministério específico de Segurança Pública, mas os nossos resultados no último ano são melhores, em todos os sentidos, do que aqueles que nós tínhamos também em 2018. Então, por exemplo, tivemos uma execução do orçamento mais de 10% superior ou melhor do que no ano de 2018. Tivemos números relacionados à criminalidade e violência também melhores do que no ano de 2018.

O que eu quero dizer com isso? O importante é ter uma boa gestão. A questão de divisão ou não de ministério envolve mais uma questão política. Mas o fundamental é que precisamos garantir à sociedade brasileira uma boa gestão na área de Segurança Pública. E isso estamos fazendo.

ConJur  — O "pacote anticrime" está completando um ano. Como o senhor avalia essas medidas depois desse tempo?
Mendonça — Eu penso que ainda é muito cedo para uma avaliação, porque todo sistema de Justiça Penal foi testado neste ano em um ambiente de pandemia, quando várias medidas judiciais tiveram que ser adotadas. Entendo que vamos precisar de um período de normalidade para avaliar com mais segurança o impacto positivo do "pacote anticrime" aprovado. Há medidas ali extremamente significativas, mas muitas delas aguardam ainda a sua implementação efetiva no âmbito da sociedade brasileira.

ConJur — Mas precisam de regulamentação ainda? É atribuição do Congresso ou do próprio Executivo?
Mendonça — Não. Há medidas, por exemplo, em relação à execução criminal. Tivemos decisões judiciais e resoluções do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tiveram que, em função do risco de contágio nos presídios, colocar em liberdade pessoas que estão no sistema prisional e que talvez não tivessem essa realidade à luz do pacote em uma situação de normalidade. Há outras medidas ainda que são importantes e que aguardam ser implementadas em função de decisões judiciais também como, por exemplo, a aplicação do juiz de garantias. É algo que ainda se aguarda uma efetivação. Então, há uma série de medidas que nós não ainda vimos em prática ou por uma questão de decisão judicial ou em função da situação de pandemia na qual nós estamos inseridos.

ConJur — Os nossos presídios sofrem de um problema crônico, que é a questão da superlotação. Isso ficou mais preocupante com a pandemia. Como está a situação dos presídios?
Mendonça —  Há aspectos bastante positivos nessa área. Acho que é um trabalho conjunto de importância também dos estados nessa melhoria do sistema prisional. Registro duas questões nessa situação. Em primeiro lugar, quando se iniciou a pandemia, havia um receio de que houvesse um grande número de contágios no sistema prisional. Isso não foi verificado. Temos indicadores no Brasil melhores, inclusive, do que países como Estados Unidos e da América Latina. Então conseguimos preservar a regularidade sanitária dentro do sistema prisional. E um outro aspecto para se comemorar é que estamos no primeiro ano no qual não há um movimento de rebeliões no sistema prisional. É o primeiro ano em que isso não acontece depois de muitos anos. Isso se deve a um trabalho de inteligência coordenado, mas também é importante se reconhecer o trabalho dos estados na melhoria das condições do sistema prisional.

Alcaçuz, por exemplo, no Rio Grande do Norte, dentro daquilo que nós tínhamos quando houve a rebelião, com aquilo que nós nos deparamos hoje, houve uma melhoria significativa. Também houve uma ação muito intensa nossa na área de inteligência no final de ano, para prevenir eventuais rebeliões. Lógico que há muito por se avançar, mas já se avançou significativamente.

O importante, em resumo, é: hoje nós temos consciência de que a prevenção no combate ao crime organizado passa por uma gestão eficiente do sistema prisional, evitando que aqueles integrantes do crime organizado dentro do sistema prisional consigam se comunicar e coordenar e gerir o crime organizado fora do presídio. Estamos fazendo isso com muito mais eficiência do que havia até então, embora haja ainda muito por ser feito.

ConJur — A atuação da Polícia Federal foi questionada publicamente quando o seu antecessor deixou o cargo. Como o senhor avalia as ações da PF durante a sua gestão, que está completando um ano agora? Há previsão de novos investimentos, inclusive para combater casos de corrupção?
Mendonça — Em primeiro lugar, acho que é ponto pacífico e consensual, a Polícia Federal tem independência na sua atuação. Isso se mantém e deve sempre ser mantido. O que fizemos, isso sim, foi uma gestão mais eficiente em relação à Polícia Federal. Em que sentido? Duas vertentes, duas maneiras. Primeiro lugar: garantindo os meios para atuar. Abrimos um concurso, queremos entregar e vamos entregar à Polícia Federal em 2022 o maior efetivo da sua história. Maior importância não se pode dar a um órgão do que esse. Estruturá-lo com o maior valor que ele tem que são os seus recursos humanos.

Também fizemos dotações orçamentárias para aquisição de novos equipamentos para a Polícia Federal atuar, como nunca havia se feito antes. Vou dar um exemplo concreto: adquirimos via repasse orçamento do Ministério da Justiça para a Polícia Federal um equipamento de satélite para termos um melhor acompanhamento, uma melhor investigação de desmatamentos, de exploração ilegal de minérios, de atuação do crime organizado na área de tráfico de drogas.

O Sistema Planet, um projeto que estava havia sete anos sem ser implementado, foi implementado em três meses. Ao fazer isso, tivemos no último ano as maiores apreensões da história na área tanto de extração ilegal de minérios como também extração ilegal de madeiras na região da Amazônia Legal. Aliado a isso, também tivemos as maiores apreensões da história relacionadas ao combate à corrupção.

Foram R$ 6,1 bilhões apreendidos no último ano diante de R$ 1 bilhão no ano de 2019. Ou seja, passamos de seis vezes o valor apreendido na área do combate à corrupção.

A Polícia Federal tem independência e está dotada de todas as condições para o combate à corrupção e ao crime organizado.

ConJur —  O senhor editou uma portaria limitando, reduzindo a atuação da Polícia Rodoviária Federal em operações de investigação e inteligência. Por que ocorreu isso?
Mendonça — Na verdade fizemos uma adequação às normas regulamentares. Havia ali uma redação que amplificava esse tipo de atuação. Estava gerando, a partir dessa atuação, uma série de ações que poderiam ser questionadas no Judiciário. E nós procuramos dotar a Polícia Rodoviária Federal de um mecanismo adequado e que respeitasse as normas regulamentares correspondentes. Tanto é verdade que a PRF no último ano também teve os melhores resultados da sua história. Então o trabalho persiste, continua e estamos não só dotando a Polícia Rodoviária Federal, inclusive com também novo concurso. Tivemos a nomeação de mais 600 policiais rodoviários no último ano. Ou seja, a PRF teve os melhores resultados e terá cada vez melhores resultados na atuação a fim de garantir ao cidadão brasileiro a segurança pública.

ConJur — Como está a sua interlocução com o Judiciário?
Mendonça — A interlocução com o Judiciário é permanente e rotineira. Temos atuado no sentido de construir pontes para que as políticas públicas do governo se tornem em realidade para atender ao cidadão brasileiro, ao mesmo tempo sendo um agente de cooperação para a construção permanente da nossa democracia. Então o papel do Ministério da Justiça é muito nesse sentido de ser uma voz de interlocução e garantia da democracia no Estado brasileiro.

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