Opinião

Acordos de não persecução cível em ações de improbidade administrativa

Autor

  • Ana Vogado

    é diretora executiva e sócia do Escritório Malta Advogados mestranda em Direito pela Universidade de Brasília(UnB) assistente de docência em Direito Administrativo Sancionador na Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduada na Escola Superior de Direito.

27 de março de 2021, 18h11

A lei "anticrime" alterou o §1º do artigo 17 da Lei 8.429/92 para dar autorização expressa para autocomposição na seara da improbidade administrativa, a partir da celebração de acordos de não persecução cível. A redação original do referido dispositivo vedava a celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade — o que era alvo de grandes críticas e discussões, especialmente em casos em que, na esfera criminal, procedia-se a acordo mediante colaboração premiada.

Inicialmente, a vedação categórica disposta na Lei de Improbidade Administrativa se dava em razão da indisponibilidade do interesse público, que não poderia ser alvo de transação, como com a renúncia à reparação dos danos eventualmente ocasionados ao erário. Todavia, notou-se, ao longo dos anos, que era possível se alcançar uma vantagem muito maior ao interesse público com a entabulação de um negócio jurídico entre as partes, sem abrir mão da indenização devida em razão dos danos causados à administração, colocando como alvo da negociação as demais sanções.

A publicação da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que cria a figura do acordo de leniência a pessoas jurídicas no caso de prática de ato lesivo à administração — muitas vezes também consistentes em atos de improbidade administrativa —, alavancou as discussões para a permissão da transação também quanto aos atos dispostos na Lei 8.429/92.

Ocorre que, nas alterações propostas no projeto de lei que criou o instituto do acordo de não persecução cível, encontrava-se também a inserção do artigo 17-A, §2º, na norma, o qual dispunha que "o acordo também poderá ser celebrado no curso da ação de improbidade". Esse dispositivo, contudo, foi vetado.

Todavia, apesar desse veto, foi aprovada a inserção do §10-A ao artigo 17, o qual dispõe que, "havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 dias".

Gerou-se, então, um descompasso entre o veto do artigo 17-A, §2º, que permitia a celebração do acordo no curso da ação civil pública, e o §10-A do artigo 17, que prevê a possibilidade de interrupção do prazo da contestação para sua celebração.

Diante disso, surgiram dúvidas sobre em que momento pode ser realizado o acordo — principalmente em razão da lacuna legislativa gerada, visto que a norma não contém qualquer outro dispositivo com essa indicação.

Todavia, da leitura da lei e da manutenção do §10-A do artigo 17, permanece sugerida a possibilidade de que a solução consensual se dê até mesmo após o ajuizamento da ação — hipótese em que o juiz poderá suspender o processo para a realização de autocomposição.

Por isso, é adequado inferir que os acordos de não persecução cível poderão ser realizados também no curso da ação de improbidade, dada a clara redação do novo §10-A, que permite a suspensão do processo já ajuizado para fins de acordo.

Para corroborar esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, por unanimidade, a possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa que estejam em fase recursal, inclusive após a condenação em 2ª instância, desde que não tenha havido o trânsito em julgado.

O relator do Recurso Especial nº 1.314.581-SP, ministro Benedito Gonçalves, homologou judicialmente o termo de acordo de não persecução cível firmado entre a promotoria de Justiça do Município de Votuporanga (SP) e o réu do processo, em sede de embargos de declaração no agravo em recurso especial.

Para o STJ, "tendo em vista a homologação do acordo pelo Conselho Superior do MPSP, a conduta culposa praticada pelo ora recorrente, bem como a reparação do dano ao Município de Votuporanga, além da manifestação favorável do Ministério Público Federal à homologação judicial do acordo, tem-se que a transação deve ser homologada".

Em dezembro de 2020, a também 1ª Turma do STJ havia dado decisão aparentemente diversa, no Recurso Especial 1.659.082. O colegiado indeferiu questão de ordem suscitada por réu que pleiteava o sobrestamento do processo ante a possibilidade de acordo. Naquela oportunidade, os ministros entenderam que esse ato deve ocorrer somente até a apresentação da contestação.

Contudo, sobre isso, no Recurso Especial nº 1.314.581-SP, recém-julgado, o relator, Benedito Gonçalves, explicou que no precedente anterior "não ficou prejudicada a celebração da avença, mas o pedido de sobrestamento decorrente da possibilidade de acordo, hipótese, portanto, distinta do caso em apreço".

Esses julgados, portanto, demonstram sobre qual caminho há probabilidade de a jurisprudência se inclinar sobre o momento processual limite para a celebração do acordo de não persecução cível: antes do trânsito em julgado para sua celebração e até a contestação para a possibilidade de sobrestamento do processo.

Autores

  • é sócia e diretora executiva do escritório Malta Advogados, mestranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduanda em Direito Agrário e do Agronegócio pela Escola Superior de Direito (ESD-GO) e desenvolve pesquisas na área do Direito Ambiental e do Agronegócio.

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