Opinião

STF suspende a Ferrogrão: é preciso respeitar a Constituição

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26 de março de 2021, 9h09

No último dia 15, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes decidiu suspender o trâmite dos processos administrativos referentes à instalação da EF-170, a Ferrogrão. Como era inevitável, a decisão repercutiu pelo país todo. Afinal, trata-se de um projeto considerado estratégico pelo Poder Executivo. E o Brasil hoje presta mais atenção do que nunca às movimentações que ocorrem no Supremo.

Mas é preciso esclarecer que, apesar da repercussão, a decisão não tratou da Ferrogrão em si. O que está em discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 são os limites do Parque Nacional do Jamanxim. É que, para permitir a passagem da ferrovia, o governo alterou os limites do parque por meio de uma medida provisória. O STF, como já havia decidido em outras ocasiões, entendeu que isso é inconstitucional, pois unidades de conservação só podem ser alteradas via projeto de lei.

O Parque Nacional do Jamanxim é uma unidade de conservação localizada no estado do Pará. Desde o início das discussões sobre a Ferrogrão, sabe-se que o traçado da ferrovia teria que passar por dentro da área do parque. Qualquer outro traçado tornaria a obra técnica e economicamente inexecutável.

Por isso, uma das primeiras medidas tomadas pelo governo após a definição do traçado foi a mudança dos limites do parque. Isso foi feito através da Medida Provisória nº 758/2016, o que contrariou a previsão do artigo 225, §1º, III, da Constituição. Esse dispositivo diz, com todas as letras, que unidades de conservação só podem ser alteradas dessa maneira por meio de lei.

A MP foi convertida na Lei 13.452. Essa norma é o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6553, na qual foi proferida a decisão que suspendeu os procedimentos administrativos da Ferrogrão. O objetivo é evitar que se consolide um dano irreversível sobre o parque antes do julgamento definitivo da ADI.

Essa não é a primeira vez que o STF enfrenta esse assunto. Em abril de 2018, foi julgada a ADI nº 4717, que tratava da inconstitucionalidade de MP que alterou os limites de diversas unidades de conservação na Floresta Amazônica. O julgamento foi unânime: apenas a lei pode alterar limites de unidade de conservação. Naquele caso, também, a MP já havia sido convertida em lei, e o STF entendeu que isso não sanaria o vício da inconstitucionalidade.

Importante que a alteração dos limites se dê através de lei, pois é através dessa sistemática que inclusive a participação popular — princípio inerente às questões ambientais — pode se perfectibilizar. O regime de aprovação de uma lei, como debates em comissões e transparência de seus avanços, faz com que essa alteração tenha maior respaldo. Isso sem desconsiderar que tanto para a criação quanto para a alteração de limites de unidades de conservação é necessária a realização de estudos técnicos que justifiquem as propostas apresentadas.

Já desde muito antes disso o STF vinha sinalizando que, em matéria de proteção ambiental, as cláusulas constitucionais que exigem a edição de lei devem ser respeitadas. Assim, a concessão da medida cautelar no caso do Parque do Jamanxim é aplicação direta do entendimento consolidado do STF em casos parecidos — e a questão, no fundo, é bastante simples. A Constituição exige lei para mudar os limites de unidades de conservação, e isso não aconteceu no caso do Parque do Jamanxim. Um obstáculo intransponível.

Nada disso significa criticar a iniciativa do projeto Ferrogrão em si. A criação de projetos de infraestrutura estratégicos é essencial para o país. Mas isso não significa que podem ser ignoradas as regras mais elementares do jogo, especialmente quando se fala de Direito Ambiental. Mais do que qualquer coisa, isso garante respeito às instituições, bem como às presentes e futuras gerações além de, acima de tudo, a segurança jurídica.

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