Sinais Trocados

Justiça de SP diz que idoso não deve ser indenizado por ter demorado a ver fraude

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26 de março de 2021, 11h18

Um senhor de 89 anos que buscou o Judiciário depois de notar cobranças indevidas em sua conta bancária teve seu pedido de indenização negado pela 3ª Turma Recursal de Penha da França, em São Paulo. A justificativa do colegiado foi a de que o idoso, que é hipossuficiente, demorou para reparar que estava sendo lesado e, por isso, teria parte de culpa pelo dano sofrido. 

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Turma Recursal negou pedido de idoso afirmando não ser crível que vítima tivesse demorado 8 meses para ver que estava sendo lesada
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Em março de 2019, o autor percebeu que a Net estava debitando valores de sua conta desde julho do ano anterior. Como não havia contratado os serviços da empresa de TV a cabo e internet, pediu o ressarcimento dos valores debitados (R$ 4,3 mil) e reparação por danos morais.

Em março de 2020, a juíza Maria Cecilia Cesar Schiesari, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível da Vila Prudente, ordenou a devolução das cobranças e condenou a Net e o Bradesco a indenizarem o idoso, cada uma pagando R$ 3 mil. O banco não recorreu, reconhecendo a existência de fraude. A Net, no entanto, entrou com recurso. 

Ao reformar a decisão, o relator do processo, juiz Jorge Tosta, manteve o ressarcimento dos valores cobrados do idoso, mas negou a reparação por danos morais.

Segundo ele, com exceção do "primeiro débito, lançado em 20.07.2018, no valor de R$ 29,22, todos os demais tinham valores expressivos, de quase quinhentos reais, não sendo crível que o autor, embora idoso e presumivelmente hipossuficiente, só viesse a se dar conta dos débitos indevidos quase 8 meses depois". 

Ainda de acordo com o magistrado, "evidente, pois, que o autor contribuiu para os danos que sofrera, não sendo o caso, destarte, de reconhecimento de dano moral, a propósito sequer justificado na reclamação inicial". 

Inicial
Quando ingressou no Judiciário, o idoso não tinha advogado. Por isso, a inicial foi feita pelo cartório da Secretaria do Juizado Especial Cível. Uma estagiária do Tribunal de Justiça de São Paulo ficou responsável pela peça simples, que conta apenas o ocorrido e diz quais são os pedidos do autor. 

Ele passou a ser defendido por Tiago Pegorari Esposito. Em embargos de declaração ajuizados no Colégio Recursal, ele diz que a dignidade de seu cliente foi "violentamente violada" pela turma julgadora, que "inacreditavelmente, por unanimidade, decidiu que ele contribuiu para o dano". 

"Sem dúvida, dói ler tal afirmação e não é retórica ou sequer oportunismo do embargante, ou como, infelizmente, muitas vezes o Judiciário tem enxergado, oportunismo do advogado, esse subscritor, que pede todas as vênias pelo desabafo. É um desrespeito à dignidade de um idoso, com quase 90 anos, que nunca deveu um centavo a quem quer que seja, que ele seja vítima dessa indústria de massa que o Judiciário bem conhece, e ainda seja considerado alguém que contribuiu para seu próprio mal. É incompreensível", diz a defesa. 

"Qual a culpa do embargante, data maxima venia, se na ótica da Turma Julgadora, a estagiária do egrégio Tribunal de Justiça, fornecida para acolher o atendimento ao embargante, não justificou tal pedido [de danos morais]? O fato, a apropriação indébita, é suficientemente necessária para também justificar o dano moral", prossegue. 

O advogado também explicou que a demora para ver a fraude se deve ao fato do cliente não ir muito ao banco e só ter notado os débitos indevidos ao solicitar um informe de rendimento. Ele pediu que o Colégio Recursal explique qual foi a "contribuição" do idoso para a fraude. 

Clique aqui para ler a decisão
0004195-40.2019.8.26.0009

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