Opinião

A verdadeira causa da pobreza no Brasil é o 'federalismo de fachada'

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26 de março de 2021, 13h37

Caso você pergunte a um cidadão por qual motivo o Brasil não é um país rico, tendo em vista que se localiza em um território extremamente privilegiado por riquezas naturais, talvez ele, por percepção pessoal ou influenciado pelas notícias da TV, diga que a principal causa é a corrupção. Outros talvez digam que o problema é a carga tributária excessiva. E é aí que se pretende chegar no desenvolvimento destas breves considerações.

A corrupção é um grave problema e, especialmente no Brasil, alcançou níveis trágicos, por isso deve ser incessantemente combatida pelas instituições competentes; contudo, ainda que não houvesse corrupção no Brasil e todos os gestores fossem extremamente competentes — realidade atualmente distante —, o país teria dificuldades de se organizar, sobretudo por conta da maneira como foi organizada a federação brasileira, com repartição desproporcional de receitas e despesas entre os entes federativos, o que favorece a concentração de poder nas mãos da União.

O que se denomina aqui como "federalismo de fachada" é a constatação de que o sistema financeiro e tributário inaugurado pela Constituição de 1988 concentrou a arrecadação de tributos no âmbito da União, o que faz com que estados e municípios tenham sua independência financeira inviabilizada.

É aí que reside o ponto nodal dos problemas de ordem financeira dos entes federativos que compõem a República Federativa brasileira, inclusive sendo um dos motivos que leva à prática da corrupção e à troca de favores que caracteriza a relação entre Congresso Nacional e Presidência da República. Deputados e senadores negociam apoio ao Poder Executivo em busca de envio de verbas aos seus redutos eleitorais, criando um ciclo vicioso que consome as riquezas nacionais e leva ao aumento incessante da carga tributária no país para atendimento de anseios políticos.

Como se não bastasse, estados e municípios menores não se preocupam com o seu próprio desenvolvimento e não promovem investimentos em infraestrutura e no aperfeiçoamento da arrecadação de seus próprios impostos, pois os repasses promovidos pela União são muito maiores que a sua arrecadação, o que os deixa em posição confortável.

Diametralmente oposta é a situação do Estado de São Paulo, que, em meados de 1998, arrecadava quase 50% dos tributos federais [1]. Atualmente, segundo informado por seu governador, o percentual chega a 41% da arrecadação total da União, correspondente a R$ 414 bilhões. Em contrapartida, o estado de São Paulo recebe de volta da União, na forma de repasse, cerca de R$ 55 bilhões [2], o que serve de exemplo para demonstrar a ausência de proporcionalidade na repartição das receitas tributárias, dando causa às dificuldades financeiras enfrentadas por estados e municípios, sobretudo os mais populosos, que têm sua capacidade de ação restringida, visto que arrecadam muito mais impostos federais do que recebem de repasse.

Notadamente, além da arrecadação oriunda de sua maior atividade empresarial, o percentual da arrecadação de impostos de São Paulo, por exemplo, também tem origem na sua grande população, que, evidentemente, por seu tamanho, exige gastos correspondentes para a prestação de serviços públicos de qualidade. A conta não fecha.

O que se pretende com o presente trabalho não é o recrudescimento de eventuais rivalidades regionais, pelo contrário, pretende-se que a diminuição das desigualdades regionais [3] caminhe em paralelo com a manutenção de receitas proporcionais às despesas de cada ente federativo, sob pena de serem eliminadas as desigualdades regionais pela "pobreza generalizada" do país e não pelo enriquecimento das regiões menos providas.

Algumas medidas parecem ser inevitáveis — ainda que hoje pareçam inviáveis do ponto de vista político —, entre elas as seguintes são sugeridas: 1) revisão da repartição das receitas tributárias entre União, estados, municípios e Distrito Federal, com a finalidade de garantir a autonomia financeira dos entes federativos, independentemente dos repasses da União; 2) extinção de municípios que não possuam arrecadação própria suficiente para manutenção de suas despesas, sem contabilização dos repasses promovidos pela União, hipóteses em que deverão passar por processos de incorporação ou fusão; 3) alteração das regras para criação de municípios, atualmente previstas pela Lei Complementar nº 1, de 9/2/1967, que permite a criação de entes federativos com populações ínfimas e que também receberão repasses dos Estados e da União, o que causa desequilíbrios orçamentários e financeiros; 4) estabelecimento de critérios objetivos e justos na promoção dos repasses pela União, que deverão guardar correspondência com o valor arrecadado a título de impostos federais e o tamanho da população, com o escopo de minimizar a interferência política na escolha da destinação das verbas; e 5) o valor dos repasses promovidos pela União jamais deveriam ultrapassar o valor total dos impostos federais arrecadados por determinado ente federativo, evitando-se, assim, que entes federativos se tornem dependentes de repasse e que não possuam interesse no fomento de atividades em seu próprio território.

A "reforma federativa" é a mais importante das reformas a ser promovida no Brasil, para que o país se torne menos sujeito a condições políticas adversas que surjam em torno do Poder Executivo federal. É importante atacar o problema do desequilíbrio das finanças dos estados e municípios no Brasil pela raiz, para, a partir daí, em um cenário em que todos os estados e municípios possuam, de fato, independência financeira, sejam adotadas as demais reformas estruturais, que criarão as condições necessárias para o desenvolvendo econômico e social.

O importante, como já dito, é que somente existam entes federativos autossustentáveis financeiramente e que não dependam do repasse da União para arcarem com suas próprias despesas. As sugestões formuladas neste trabalho guardam relação com a experiência de seu autor, que apenas pretende lançar luzes sobre o tema; entretanto, não sobejam dúvidas que somente um trabalho conjunto, promovido por diversos especialistas em Direito Tributário, Finanças e Contabilidade Pública, poderia chegar aos critérios exatos que permitissem a viabilização de entes federativos autônomos e capazes de atender às necessidades de sua respectiva população, sem interferência financeira e política da União.

 


[1] Dados publicados pelo Jornal A Folha de São Paulo em 1998. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi18109810.htm. Acesso em 20.3.21.

[3] "Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

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