Liberdade de expressão

Folha vai ao STF contra decisão que tirou tirar do ar notícia sobre vídeo de senador

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26 de março de 2021, 9h36

A Folha de S.Paulo teve de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para tentar garantir o direito de publicar uma checagem de vídeo postado por parlamentar. Nesta sexta-feira (26/3), o jornal informou ter ingressado com uma reclamação para suspender o efeito de decisão da Justiça do Espírito Santo, que tinha determinado que fosse tirado do ar um dos textos do jornal.

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Edilson Rodrigues/Agência SenadoSenador Marcos do Val processou o
jornal por noticiar checagem de fatos

Em sua decisão, o juiz Rodrigo Cardoso Freitas, da 5ª Vara Cível de Vitória, acatou os pedidos do senador Marcos do Val (Podemos-ES), e determinou que a Folha tirasse do ar a notícia "Senador engana ao usar falas antigas de Drauzio Varella sobre pandemia" e publicasse uma retratação. A decisão foi mantida também em segunda instância.

O texto faz parte de um projeto que reúne os principais veículos de comunicação do país, o Comprova, para checagem de fatos, em uma tentativa de diminuir a potência de circulação de fake news. A notícia mostrava que Marcos do Val compartilhou um vídeo em que o médico Drauzio Varella minimizava os riscos do coronavírus — sem explicar que se tratava de um vídeo antigo, de quando o epicentro da epidemia ainda era Wuhan, na China, e o segundo país mais atingido pela doença tinha 14 infectados. Desde então, Drauzio Varella já afirmou publicamente ter subestimado a Covid-19 e atualmente se posiciona de forma contrária.

Na reclamação ao Supremo, a advogada do jornal, Taís Gasparian, sustenta que a decisão implica em censura prévia e censura a posteriori, violando entendimento da corte na ADPF 130, que declarou a incompatibilidade da Lei de Imprensa com a Constituição. A defesa também questiona a ordem de retratação.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse esperar que a decisão seja revista e destacou que o trabalho de checagem feito pelo Comprova, assim como outras iniciativas, "é fundamental no combate aos males da desinformação e deveria ser valorizado, e não penalizado pelas instituições do país".

Leia o texto:

Senador engana ao usar falas antigas de Drauzio Varella sobre pandemia

Um vídeo postado na página de Facebook do senador Marcos do Val (Podemos-ES) engana ao reproduzir trechos de uma fala do médico Drauzio Varella no início da pandemia. O vídeo destaca, em tom irônico, que Varella minimizou a gravidade da emergência sanitária, mas omite que o médico já afirmou publicamente ter subestimado a doença e que, atualmente, se posiciona de maneira contrária.

A postagem do senador, verificada pelo Comprova, não informa que as declarações de Drauzio Varella são de janeiro, quando o epicentro da doença ainda era a China e o segundo país com mais casos tinha apenas 14 infectados. Elas já haviam viralizado em março após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicá-las no Twitter. Naquela oportunidade, a rede social apagou as mensagens de Salles, alegando que as postagens do ministro poderiam colocar a saúde das pessoas em risco.

A publicação do senador Marcos do Val compara as falas com outro vídeo publicado por Drauzio em março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia reconhecido a doença como uma pandemia e, no Brasil, o Ministério da Saúde anunciava transmissão comunitária do vírus –isto é, ele já circulava livremente em território nacional.

Procurado pelo Comprova, o senador afirmou que, em ambos os vídeos, a fala comprovadamente é de Drauzio Varella. Segundo ele, ninguém falou pelo médico ou forjou o vídeo. “Se o médico, que é uma pessoa pública e sabe das suas responsabilidades perante a sociedade, fez mesmo assim os vídeos e depois achou conveniente ‘retirar’ do ar, não significa que não seja verdadeiro, portanto não compreendemos o seu questionamento”, afirmou o senador, por meio de nota.

Recentemente, o senador esteve envolvido em outro caso de promoção de desinformação nas redes sociais. No dia 6 de agosto, a Justiça do Rio de Janeiro ordenou, em decisão liminar, que Do Val excluísse publicações consideradas ofensivas e difamatórias contra o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL). Nas postagens, o senador relacionou, sem apresentar qualquer prova, Wyllys a Adélio Bispo –que cometeu um atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a campanha presidencial de 2018.

A assessoria do médico destacou, em e-mail enviado ao Comprova, que a mudança de posicionamento é natural. “É justamente assim que a ciência funciona. Fazendo deduções embasadas no conhecimento científico prévio, testando hipóteses, descobrindo que deduções anteriores estavam equivocadas, identificando onde está o equívoco e corrigindo”, afirma.

A nota ressaltou ainda que, na época, a opinião de Drauzio sobre a Covid-19 era a mesma de outras autoridades médicas, como do infectologista americano Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos. “Em janeiro, a doença não havia chegado àquele país, e só nos últimos dias daquele mês chegaria à Itália. Foi a situação italiana que tornou mais evidente para o mundo o potencial da doença”, argumenta.

Em relação à postagem do senador Marcos do Val, a assessoria considera que os trechos dos vídeos do médico foram usados de maneira indevida, e reitera que tirá-los do contexto é um “desserviço” à saúde. A nota afirma ainda que “tal conduta mostra que o compartilhamento é feito por alguém que, nitidamente, tem pouco ou nenhum conhecimento sobre ciência, ou tem propósitos que desconhecemos”.

Verificação
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso desse vídeo, que teve mais de 53 mil interações na página do senador Marcos do Val no Facebook e 28.887 visualizações no YouTube. O conteúdo tem sido compartilhado em páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, segundo dados da ferramenta CrowdTangle.

Verificações como esta são importantes porque o compartilhamento de conteúdos enganosos ou fora de contexto sobre a Covid-19 pode levar as pessoas a avaliarem mal o risco de infecções, e fazer com que elas se exponham a contaminação. O fato de o médico Drauzio Varella ser conhecido nacionalmente é um agravante nesse contexto.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado ou o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 13 de agosto de 2020.

Veja o vídeo:

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