Neoliberalismo judicial

Juiz do DF permite que sindicatos comprem vacina sem doação ao SUS

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25 de março de 2021, 13h03

Obrigar pessoas jurídicas do direito privado a doarem parte das vacinas por elas adquiridas viola as previsões constitucionais que tratam de confisco, tributação regular, requisição administrativa, desapropriação e doação voluntária. 

Tânia Rego/Agência Brasil
Juiz autorizou sindicato a comprar vacina e imunizar associados
Tânia Rego/Agência Brasil

O entendimento é do juiz Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível do DF. O magistrado autorizou que o Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e a Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo importar imediatamente vacinas contra a Covid-19 e imunizar seus associados. A decisão é desta quinta-feira (25/3). 

Ao permitir a vacinação, o juiz declarou a inconstitucionalidade de dois dispositivos da Lei 14.125/2021, que dispõe sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado. 

Foram analisados o artigo 2º, caput, e parágrafo 1º, da normativa. No primeiro caso, a previsão diz que os compradores podem importar imunizantes, "desde que sejam integralmente doadas" ao Sistema Único de Saúde (SUS). 

O parágrafo 1º, por outro lado, diz que se os grupos prioritários já tiverem sido imunizados, 50% das doses podem ficar com os responsáveis pela importação, indo o restante obrigatoriamente ao SUS. 

A decisão derruba a expressão "desde que sejam integralmente doadas aos SUS", no que se refere ao caput, e a íntegra do parágrafo 1º, por suposta violação à Constituição Federal. O magistrado apreciou a compra de vacinas em termos de livre concorrência privada mundial.

"Ao invés de flexibilizar e permitir a participação da iniciativa privada, [a lei] acabou 'estatizando' completamente todo o processo de imunização da Covid-19 em solo brasileiro. À toda evidência, não precisa grande esforço para concluir que, no afã de construir uma solução positiva, que atendesse ao clamor da população brasileira, o legislador pátrio acabou maculando a Lei 14.125/21 com várias inconstitucionalidades", diz o juiz. 

Disposições constitucionais
Segundo ele, o envio de todas as vacinas ao SUS, em um primeiro momento, e de metade, caso já vacinados os grupos prioritários, não se amolda às previsões constitucionais de confisco, já que, segundo a CF de 1988, só podem ser confiscadas propriedades rurais utilizadas para cultivo ilegal de plantas psicotrópicas e que se valem de trabalho escravo. 

Ainda de acordo com o magistrado, a lei também não poderia ser enquadrada nas hipóteses constitucionais de tributação regular, já que a doação de todas as vacinas ao SUS representaria tributo de 100% sobre o valor do bem; de expropriação ou requisição administrativa, que exigem prévia indenização ou posterior restituição; nem de doação voluntária, já que quem importa estaria sendo forçado a doar a compra.

"Literalmente, com as devidas venias, o artigo 2º da lei 14.125/2021 não ajuda a resolver o gravíssimo quadro de pandemia que vivemos (inclusive, até o momento, não há notícias de qualquer adesão oficial de empresas privadas), como ainda tem o poder de retirar da iniciativa privada brasileira o direito de disputar com a iniciativa privada do resto do mundo as vacinas adicionais que a indústria farmacêutica colocará em breve no mercado", prossegue a decisão. 

Atuaram no caso defendendo o sindicato de Minas Gerais os advogados Humberto Lucchesi de Carvalho, Otávio Augusto Dayrell de Moura, João Victor de Souza Neves e Rafael Sacchetto Vieira Pinto, do Lucchesi Advogados Associados. 

Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo foi representada pelos advogados Luana Lima Freitas Ferreira, Cristiano Teles Farina, Igor Rodrigues Alves Dias, André Oliveira Lucena e Marcelo Lanna Melo Lisboa.

Clique aqui para ler a decisão
1014039-67.2021.4.01.3400

*Notícia atualizada às 15h42 para acréscimo de informações

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