Declarações vituperativas

Advogada de Trump alega que ninguém é obrigado a acreditar no que ela disse

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25 de março de 2021, 8h39

Processada civilmente por difamação pela empresa de urna eletrônica Dominion Voting Systems, a advogada do ex-presidente Donald Trump, Sidney Powell, pediu, por meio de seus advogados, o trancamento da ação, com um argumento raro: "Nenhuma pessoa razoável" acreditaria que suas declarações à imprensa, na mídia social e em discursos eram "declarações de fatos". Em outras palavras, ninguém é obrigado a acreditar no que ela disse.

Reprodução/Canal Washington Post
Declarações de Trump inflamaram a invasão do Congresso dos Estados Unidos
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Em uma tentativa de ajudar Trump a reverter o resultado das eleições de novembro de 2020, vencida pelo democrata Joe Biden, Sidney Powell se meteu em uma campanha de alegações de fraudes eleitorais, que incluíram a acusação de que Dominion usou uma tecnologia, desenvolvida na Venezuela para ajudar o falecido ex-presidente Hugo Chávez a vencer eleições. Com essa tecnologia, votos para Trump teriam sido atribuídos a Biden.

A Dominion pediu uma indenização de US$ 1,3 bilhão por danos, porque a campanha da advogada contra a empresa teria lhe causado danos à reputação e aos negócios. Em sua petição, a empresa elenca vários pedidos de urna eletrônica e outros serviços que foram cancelados por clientes americanos e internacionais e prevê prejuízos futuros. A Dominion deu uma chance à Sidney Powell de se retratar, mas ela se recusou a fazê-lo.

A terminologia usada pelos advogados de Sidney Powell contém um dos elementos para uma ação civil por difamação (que não é uma matéria criminal nos EUA) ter sucesso. O primeiro deles se refere a uma "declaração de fatos". Para ser considerada difamatória, a declaração deve se referir a uma matéria de fato, não simplesmente a uma opinião. E assim deve ser entendida por uma pessoa de inteligência razoável.

Em sua petição, a defesa alega, que foram declarações políticas: "Qualquer pessoa razoável entende que a linguagem da arena política, como a linguagem das disputas trabalhistas, é frequentemente vituperativa, abusiva e inexata." Ela declarou, por exemplo, que tinha provas de o resultado da eleição foi "o maior crime do século, se não da vida do mundo".

Segundo a defesa, uma "pessoa razoável", que ouve uma declaração bombástica, não acredita literalmente nas palavras. Ao invés, as analisa e chega a suas próprias conclusões. Nesse sentido, ela teria emitido opiniões, que podem ser aceitas ou não. E opiniões são protegidas pela liberdade de expressão, um dos direitos civis garantidos pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

Porém, vários invasores do prédio do Congresso em 6 de janeiro, presos e posteriormente interrogados pelo FBI, declararam que o fizeram depois de ouvir as seguidas declarações de Sidney Powell, de Trump e de seu advogado particular Rudy Giuliani, de que a eleição de novembro foi fraudada — e roubada de Trump. A campanha que resultou na invasão do Congresso foi alimentada pelo slogan "Parem o roubo".

Os advogados da advogada também usam frases da petição inicial dos advogados da Dominion, para caracterizar que as palavras de sua cliente foram vituperativas:

"De fato, a própria autora da ação caracteriza as declarações em questão como 'acusações extravagantes' e 'alegações bizarras'. Elas são repetidamente rotuladas de 'inerentemente improváveis' e mesmo 'impossíveis'. Tais caracterizações suportam a posição da defesa de que pessoas razoáveis não aceitariam tais declarações como fatos, mas as veriam apenas como alegações que precisam ser testadas pelas cortes, através de um procedimento contraditório."

Também será discutido na ação, o fato de que Dominion acusou a advogada de fazer declarações falsas, que causaram danos à empresa. A regra nos EUA é:

Uma declaração difamatória precisa ser falsa — de outra forma, não é considerada causadora de danos. Mesmo declarações terrivelmente maldosas ou aviltantes não são difamatórias se a carapuça servir. A maioria das opiniões não são tidas como difamatórias, porque não se pode provar objetivamente que são falsas. Por exemplo, quando um crítico escreve que "esse foi o pior livro que li em todo o ano", ele não está difamando o autor, porque não se pode provar que a declaração é falsa.

A ação foi movida em um tribunal de Washington D.C., onde os advogados da advogada não têm muita esperança de que será trancada. Por isso, eles pediram que, se a ação não for trancada, que o processo seja remetido para um tribunal no Texas, onde é a residência oficial de Sidney Powell. Isso seria uma grande vantagem, porque, no Texas, a maioria dos juízes são conservadores-republicanos.

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