Punição desproporcional

STF anula pena de 10 a 15 anos para importação de remédio sem registro

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24 de março de 2021, 19h49

Por considerar desproporcional a pena prevista no artigo 273 do Código Penal (10 a 15 anos de reclusão) para as pessoas que importam medicamento sem registro em órgão de vigilância sanitária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, nesta quarta-feira (24/3), a punição inconstitucional e ordenou a aplicação da penalidade prevista na redação original do dispositivo, de 1 a 3 anos, a esses casos.

Carlos Moura/SCO/STF
Relator do caso, Roberto Barroso ajustou seu voto à sugestão de Alexandre de Moraes
Carlos Moura/STF

A corte avaliou que a penalidade do crime tipificado no artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso I, do Código Penal viola o princípio da proporcionalidade. O dispositivo prevê reclusão de 10 a 15 anos a quem "importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado" ou produtos "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente".

Na sessão de 18 de março, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou para declarar a inconstitucionalidade da pena de 10 a 15 anos para a importação de remédio sem registro e aplicação da penalidade do crime de contrabando à conduta (artigo 334-A do Código Penal), com dois a cinco anos de reclusão.

Barroso afirmou que a pena viola os princípios da proibição de penas cruéis, da individualização da penalidade e da proporcionalidade. "A pena deve considerar a situação particular do caso e da pessoa envolvida. Há vedação do excesso. E o excesso aqui salta aos olhos. A pena mínima é maior do que a prevista para o estupro de vulnerável, extorsão mediante sequestro e tortura seguida de morte (todos com oito anos de reclusão). Não e difícil demonstrar a falta de proporcionalidade aqui".

Porém, ele ajustou seu voto para se adequar à divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que também considerou a punição desproporcional. Alexandre votou para declarar a inconstitucionalidade da pena e, com efeitos repristinatórios, a aplicação da pena original para o delito do artigo 273 do Código Penal, de um a três anos de reclusão.

O ministro ressaltou a importância do artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". E declarou que a aplicação de analogia em benefício do réu após a prática dos fatos traz insegurança jurídica. A seu ver, não é possível a imposição de pena prevista para um delito a conduta tipificada em outro dispositivo.

Assim, seguindo o voto ajustado de Barroso pela inconstitucionalidade da pena para importação de medicamentos sem registro, votaram os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Ficaram vencidos os ministros Luiz Edson Fachin, Marco Aurélio e Luiz Fux, que consideraram a penalidade constitucional.

Dessa maneira, o Plenário aprovou, por maioria, a seguinte tese com repercussão geral: “É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do artigo 273, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 9.677/98 (reclusão de 10 a 15 anos), na hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para essa situação específica, fica repristinado o preceito secundário do artigo 273, na redação originária (reclusão de 1 a 3 anos, multa)”.

Na tese com repercussão geral, Fux aderiu à maioria e ficaram vencidos os ministros Fachin, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Lewandowski entendeu que a pena de dez a 15 deveria poder ser aplicada a casos com grande potencial ofensivo.

Votos divergentes
O ministro Luiz Edson Fachin abriu uma terceira via para somente permitir a imposição da pena do dispositivo se ficar provada lesão ou risco concreto de lesão à saúde pública na importação de remédios sem cadastro em órgão de vigilância sanitária.

A jurisprudência do Supremo, conforme Fachin, proíbe a combinação de normas, ainda que por via indireta. De acordo com o magistrado, combinar o crime do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso I, do Código Penal, à sanção de outro dispositivo é criar um tipo penal, o que contraria a Constituição Federal, que proíbe que o Judiciário legisle.  

Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski avaliou que a punição de 10 a 15 anos para o caso em pauta atenta contra o princípio constitucional da individualização da pena. O magistrado lembrou que o réu tinha comércio de medicamentos e não conseguiu a permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação dos remédios por não ter renovado sua autorização de funcionamento.

Contudo, Lewandowski não seguiu a tese fixada pela maioria por entender que existem hipóteses em que a punição prevista no dispositivo é razoável ou proporcional ao delito. Como exemplo, ele citou um hipotético caso em que alguém importasse e vendesse um remédio que prometesse a cura da Covid-19. Isso poderia causar a morte de milhares de pessoas e justificaria a aplicação da punição de 15 anos de prisão, disse. 

O decano da corte, ministro Marco Aurélio, inaugurou outra linha de entendimento, que previa anular a decisão do TRF-4 e determinar a realização de outro julgamento na instância ordinária, declarando prejuízo do recurso interposto pelo réu.

Conforme Marco Aurélio, o Supremo não pode aplicar pena não prevista no dispositivo para a importação de remédio sem registro em órgão sanitário, sob pena de violar o princípio da legalidade estrita.

Decisão do TRF-4
No caso concreto, o Plenário do Supremo, por maioria, negou o recurso do Ministério Público Federal e aceitou o do réu contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) que declarou a inconstitucionalidade da sanção do artigo 273 do Código Penal e aplicou a pena prevista no artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

A pena final foi fixada em três anos e um mês de reclusão, com aplicação da causa especial de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33, substituída por duas penas restritivas de direito (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária). O TRF-4 entendeu que viola o princípio da proporcionalidade a aplicação de pena elevada e idêntica para conduta completamente diversa das listadas no caput do artigo 273 (falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais).

No Supremo, o MPF alegou que não cabe ao Judiciário combinar previsões legais e criar uma terceira norma, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da separação dos poderes e da reserva legal. O réu, por sua vez, sustentou que a declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do dispositivo do Código Penal produziu o efeito repristinatório da redação original do dispositivo, ou seja, entraria novamente em vigor a regra que fixava para a conduta do artigo 273 a pena em abstrato de um a três anos de reclusão.

RE 979.962

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