Opinião

As estratégias para a redução de ações no contencioso de massa

Autor

  • João Celestino Corrêa da Costa Neto

    é advogado mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho foi vice-presidente da OAB-MT; presidente da Escola Superior de Advocacia (ESA) presidente da REDEJUR Associação Estratégica de Escritórios da Advocacia de Direito Empresarial; atualmente é Presidente do CESA (centro de estudos das sociedades de advogados) seccional-MT.

24 de março de 2021, 17h20

O estado do Mato Grosso é um dos campeões em novos casos em juizado especial. Entre os anos de 2015 e 2018, por exemplo, o volume de ações protocoladas nos juizados especiais do estado foi superior à média dos demais tribunais de médio porte, como os de Goiás e do Distrito Federal. Para se ter uma ideia desse crescimento, no ano de 2016 tivemos mais de 250 mil novas ações nos juizados especiais, enquanto São Paulo, o estado mais populoso do país, teve 500 mil novas ações. Lembremos: a população de São Paulo é dez vezes maior do que a de Mato Grosso.

Para enfrentar essa situação, empresas com estoque volumoso de processos nessa seara, em Mato Grosso, têm investido na contratação de escritórios regionais para atuar de forma mais efetiva nos casos judiciais. O objetivo é buscar a redução do número de condenações, e diminuir tanto o número de processos em andamento, como o provisionamento de recursos financeiros para o pagamento destes custos processuais.

Com um alto volume de processos ajuizados, a empresa de atuação nacional decidiu regionalizar os trabalhos de suas defesas judiciais junto aos juizados especiais em 2018, com auxílio de nosso escritório. A atuação conjunta entre empresa e escritório demonstrou melhor performance em todos os cenários, com o aumento do número de ações encerradas, queda de 35% no valor de risco da empresa no Estado e, ainda, redução drástica do tempo de duração do processo na carteira do cliente.

Para atender à empresa, o escritório local precisou investir na aquisição de sistema próprio de automação e controle processual, com a atuação e planejamento em todo o Estado de Mato Grosso, e com muito investimento em tecnologia (TI) específica para o cenário. E mais: adotar o uso de inteligência artificial (AI) e a robotização dos mecanismos relativos a tarefas muito repetitivas, como leitura de "Diário Oficial", protocolo de petições e documentos de toda ordem, e até a distribuição de tarefas para os advogados.

Também houve a atuação preponderante da direção da própria empresa, que investiu muito em suas próprias ferramentas, para auxiliar o trabalho dos escritórios que trabalham em parceria com ela.

Foi possível em Mato Grosso conseguir uma taxa de encerramento de ações 15% superior ao número de novas ações, comparados com 2018, 2019 e 2020. O valor de risco da empresa foi reduzido substancialmente, em torno de 35%, nesse período, além da redução do tempo de duração de vida do processo. Esses três conceitos são os mais importantes para qualquer empresa. Isso porque reflete direta e objetivamente no seu balanço, impactando positivamente os números de uma sociedade anônima aberta, com ações em bolsa de valores, e obrigada a entregar bons dividendos aos seus acionistas.

Regionalizar os trabalhos judiciais foi o gap da empresa. Mostrou que fazer parcerias com quem conhece as peculiaridades dos tribunais locais, dá uma visão ampla do que acontece com a sua empresa naquela localidade. A grande movimentação judicial no estado de Mato Grosso, que possuía menos usuários de seus serviços que o estado de São Paulo, porém, volume de processos judiciais maior, algo até então inexplicável para os padrões da empresa, passou a ser entendido e combatido por advogados que vivem e respiram a realidade local.

A particularidade de Mato Grosso no cenário dos juizados especiais, por exemplo, chama a atenção porque possui um grupo muito agressivo de captadores de ações judiciais de forma escancarada nas mídias sociais e até de porta em porta , de forma antiética para a advocacia, e ilegal para os próprios padrões standarts de comportamento de litigantes. Esse é um dos problemas a ser combatido. Alguns juízes entendem que o formato deste proceder, constitui inclusive crime organizado, formação de quadrilha e lesão ao próprio consumidor, muitas vezes enganados pelos agenciadores de ações.

Há casos de protocolarem apenas volume de ações para tentar confundir e estereotipar a empresa como "campeã de demandas". Isso quando na verdade 80% das ações se revelam fraudulentas, excessivas, desnecessárias e antieconômicas para o próprio consumidor, sendo esse o índice de demandas improcedentes, no caso da empresa mencionada. Uma guerra permanente contra o que o Judiciário vem intitulando de "demandismo fraudulento". É o que revela a "nota técnica" editada pelo Serviço de Inteligência dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, de fevereiro de 2020, amplamente divulgado pela imprensa nacional.

A suposta negativação indevida de clientes nos serviços de proteção ao crédito representa, de acordo com o levantamento interno do escritório, até 75% das ações ajuizadas nos juizados especiais em geral. E isso tem reflexos nos resultados das audiências e no custo em geral. No ano passado, para se ter uma ideia, nosso escritório realizou apenas para um cliente aproximadamente 16 mil audiências de conciliação ao longo do ano. Mas dessas todas, um número "kafkiano", diga-se de passagem, houve contestação em apenas nove mil casos aproximadamente. Essa diferença remete a uma reflexão acerca do custo de movimento das empresas e do Judiciário para audiências frustradas pelos mais diversos motivos.

Diversos tribunais já acordaram para essa triste realidade e, para ajudar a enfrentar a mesma, criaram inclusive seus núcleos de observação desse tipo de ação repetitiva e com característica de fraudes, para gerar alerta aos magistrados.

Por outro lado, o monitoramento permanente junto aos tribunais quanto ao entendimento das teses defensivas é fundamental para o contencioso de massa. Não basta recorrer e acreditar que pelo menos se empurrou para a frente o problema. É preciso trabalhar no Judiciário de hoje com números. Quanto tempo leva em média o julgamento de um recurso no tribunal ou na turma recursal? Sabendo o custo de um recurso em média, por exemplo na turma recursal, somado ainda à possibilidade de vir a condenação em honorários sucumbenciais, que não é devido em primeiro grau dos juizados especiais, mas apenas na fase recursal, é necessário ter muito critério e cuidado para recorrer, sob pena de majorar em muito a perda financeira da empresa.

As soluções tecnológicas permitem mapear as ações, analisar processos e assim direcionar a tese adotada pela defesa. Quando são mapeados os processos e com metas mensuradas, é possível melhorar o desempenho nas ações e antecipar as decisões. Consequentemente, os casos são encerrados de forma mais rápida e de forma menos onerosa para a empresa.

Lições de caráter econômico e administrativo (empreendedor na verdade) para um escritório de advocacia que quando criado, em 1994, ingenuamente imaginava que precisava saber apenas o Direito!

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