Faxina de outono

"Lava jato" entrega a Bonat pedidos de cooperação internacional não declarados

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24 de março de 2021, 19h17

Os procuradores da "lava jato" encaminharam, nesta terça-feira (23/3), quatro procedimentos de cooperação internacional firmados com os Estados Unidos que não tinham sido juntados aos processos da 13ª Vara Federal de Curitiba.

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Segundo MPF, o que a defesa de Lula reputa como ilegal é mais do que normal
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Quando encaminhou dois processos contra o ex-presidente para a Justiça Federal no Distrito Federal, Bonat tinha solicitado o compartilhamento dos documentos de cooperação internacional para verificar se eles tratariam ou não da celebração de acordo de leniência da Odebrecht, para poder decidir se eles seriam compartilhados com a defesa de Lula e encaminhados ao DF, conforme ordenado por Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Ele fez referência aos pedidos de assistência mútua em matéria penal de nomeação FTLJ 40/2015, FTLJ 86/2016, FTLJ 118/2016 e FTLJ 145/2017. Segundo a defesa de Lula, trata-se de procedimentos "de gaveta", cuja existência foi omitida.

Ao encaminhar os documentos, os procuradores afirmaram que os procedimentos não tinham qualquer relação "com a Odebrecht ou qualquer de seus executivos ou prepostos, não envolvem Luiz Inácio Lula da Silva e não dizem respeito aos fatos apurados nesta ação penal".

Segundo os lavajatistas, "os quatro pedidos foram formalizados pela então força-tarefa Lava Jato para a Secretaria de Cooperação Internacional da PGR, que os encaminhou para o DRCI. As respostas do DRCI comprovam que tramitaram pelos canais oficiais. Não há, assim, qualquer fundamento nas alegações de que referidos procedimentos seriam 'de gaveta'".

Os procedimentos, portanto, passaram pelos canais formais. Mas faltava aos procuradores explicar por que não tinham apresentado esses quatro pedidos de assistência mútua enviados aos Estados Unidos à 13ª Vara Federal de Curitiba quando eles foram feitos.

Em relação a isso, os lavajatistas afirmaram que "além de determinadas solicitações de auxílio internacional, por sua natureza, não estarem sujeitas a reserva de jurisdição, o pedido ativo de assistência em matéria penal será sempre apreciado pela autoridade competente do país requerido, de modo que independe da existência de decisão proferida por autoridade jurisdicional brasileira". Por isso os procedimentos não teriam sido compartilhados com a 13ª Vara.

Os procuradores citam o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América (Decreto 3.810, de 2011), que afirma que cabe sempre ao país requerido decidir sobre a solicitação de cooperação, e o Manual de Cooperação Jurídica Internacional, publicado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que mostra que os pedidos devem passar pelo DRCI tanto na ida quanto na volta da solicitação a país estrangeiro. Nenhuma das normas delimita necessidade de comunicação ao juízo de origem sobre o procedimento.

O problema é que, ao não compartilhar os materiais, o MPF alijou as defesas dos acusados de suas prerrogativas. Mesmo que as cooperações tenham sido feitas pelas vias formais, sua omissão no processo impediu que os advogados tivessem acesso a elementos de prova da acusação. E ao Ministério Público, como já salientou o ministro Gilmar Mendes, não cabe apenas ser órgão acusatório, mas também garantir os direitos fundamentais dos réus.

Ricardo Stuckert
Defesa do ex-presidente Lula sustenta ilegalidade no contato entre procuradores de Curitiba e autoridades americanas
Ricardo Stuckert

Cooperação internacional
Os procuradores de Curitiba aproveitaram para voltar a defender o compartilhamento de informações com autoridades estrangeiras fora dos canais oficiais. Segundo eles,o próprio DRCI já esclareceu aos advogados de Lula o que a troca de informações de inteligência é válida e imprescindível no sistema de cooperação jurídica internacional, até mesmo para evitar o phishing expedition — expedição em busca de provas, de forma aleatória.

"Embora a defesa do ex-presidente tenha tido conhecimento dessa posição do DRCI em março de 2020, omitiu tal informação do próprio Supremo Tribunal Federal, defendendo tese oposta e imputando a prática de ilegalidade aos procuradores por fazerem contato direto para fins de inteligência com autoridades estrangeiras", apontaram, no ofício.

Assim, só haveria necessidade de passar o pedido direto pela autoridade central quando necessário o efeito probatório cujo caráter seja coercivo ou assecuratório e que viole a esfera de liberdade, privacidade ou patrimônio do investigado.

"Conclui-se, portanto, que a cooperação direta com autoridades estrangeiras para fins de troca de informações é medida absolutamente legal e estimulada pelos órgãos internacionais de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, tanto a título de cooperação pré-processual como em paralelo a pedidos de cooperação formalizados", dizem os procuradores.

Acordos de leniência
Também foi determinado ao MPF que juntasse "eventuais atos de cooperação internacional relacionados ao acordo de leniência" da Odebrecht "que não tenham sido apresentados em juízo".

Em relação a isso, os procuradores alegaram que nunca houve "pedido ativo ou passivo de cooperação internacional para tratativa ou celebração do acordo de leniência com a Odebrecht S.A.".

A defesa do ex-presidente Lula, no entanto, mostrou que os procuradores teriam atuado fora dos canais oficiais e omitido deliberadamente essas interações para acobertar negociações sobre a divisão do dinheiro das multas aplicadas pelas autoridades estrangeiras com o MPF brasileiro.

Conversas interceptadas por hackers mostram que a relação "fora dos canais oficiais com agências norte-americanas do lado da "lava jato" desde o início mirava 'assets sharing', ou seja, a divisão dos valores que seriam retirados de empresas brasileiras em virtude da punição aplicada por tais agências norte-americanas", segundo os advogados.

A tese da defesa é de que, sem passar pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), os atos de cooperação são nulos por ilegalidade. E como mostrou a ConJur, não são poucos os pontos de intersecção entre o grupo de procuradores de Curitiba e as autoridades americanas.

"No Brasil, o acordo de leniência com a Odebrecht foi firmado em 01/12/2016 exclusivamente com autoridades brasileiras, inicialmente com o Ministério Público Federal, sendo signatários membros integrantes desta força-tarefa e do grupo de trabalho junto ao gabinete do Procurador-Geral da República. Inexiste, portanto, acordo de leniência ou ato conjunto que tenha sido firmado ou conte com a participação de autoridades estrangeiras, sejam estadunidenses ou de outra nacionalidade", afirmam os procuradores.

Em relação, especificamente, às negociações sobre a parcela das multas que seria encaminhada ao Brasil, para ser usada em um fundo gerido pelo próprio MPF, os procuradores negaram ter feito qualquer parte nas negociações. "No que tange aos eventuais acordos negociados e celebrados em outras jurisdições, é certo que esta força-tarefa não participou dos atos, assim como não requereu a participação de qualquer autoridade ou instituição estrangeira na avença firmada em território nacional."

Eles ainda disseram que disseram que "a coordenação entre as diferentes jurisdições, explicitada no texto do acordo [de leniência], refere-se às tratativas para que o valor acordado pela empresa Odebrecht nos diferentes países pudesse ser alocado, em sua maior parte, ao ressarcimento dos prejuízos causados ao Brasil".

A previsão, no acordo celebrado pela Odebrecht com o Departament of Justice dos EUA, de que até 90% da multa de US$ 2,6 bilhões poderia ser compensado com os valores que a empresa viesse a pagar ao Brasil e à Suíça, também obedece ao que estava combinado no acordo de leniência firmado com o MPF, afirmam.

As conversas hackeadas, no entanto, indicam que o buraco é mais embaixo. Em 2015, por exemplo, Deltan Dallagnol afirmou em um grupo de mensagens no Telegram, em relação à Petrobras: "Nós estamos com pressa, porque o DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] já veio e teve encontro formal com os advogados dos colaboradores, e a partir daí os advogados vão resolver a situação dos clientes lá… Isso atende o que os americanos precisam e não dependerão mais de nós. A partir daí perderemos força para negociar divisão do dinheiro que recuperarem. Daí nossa pressa".

Em outra mensagem, em maio de 2016, um procurador pede aos demais colegas o e-mail de um membro do MP suíço que estava em uma reunião em Curitiba que discutiu os percentuais de 'asset sharing' que iriam para os EUA e para a Suíça no caso Odebrecht. Nenhuma palavra dos procuradores sobre isso também.

Tanto o acordo da Petrobras quanto o da Odebrecht previam a criação de fundos bilionários que seriam geridos pelo próprio MPF. Em relação ao primeiro, o Supremo Tribunal Federal já refez a divisão dos ativos. Quanto ao segundo, em 2019, o MPF se defendeu, em nota, dizendo que o dinheiro seria pago às "vítimas", sempre que o MP responsável pela ação de improbidade aderisse ao acordo do MPF.

Rcl 43.007
Ação Penal 5063130-17.2016.4.04.7000

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