"Engenharia tributária"

STJ afasta dedução tributária milionária da CPFL por aporte previdenciário

Autor

23 de março de 2021, 21h35

A Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) não poderá deduzir das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL o valor integral de um aporte milionário feito à Fundação Cesp para corrigir déficit do plano de complementação de aposentadorias e pensões aos seus empregados.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Tese da Receita Federal acolhida pelo TRF-3 foi mantida pela 1ª Turma do STJ
Marcelo Camargo/Agência Brasil

A decisão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que nesta terça-feira (23/3) foi unânime ao aplicar óbices processuais que a impedem de reanalisar as conclusões alcançadas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região quanto ao caso. E essas conclusões atendem ao que defende a Receita Federal.

O caso trata da reestruturação feita pela CPFL para quitar déficit de R$ 426 milhões do plano de previdência complementar dos funcionários, administrado pela Fundação Cesp. A empresa fez uma renegociação, mediante o qual faria o aporte, a ser quitado em 20 anos. Desses, apenas R$ 8,5 milhões foram efetivamente pagos.

Para a CPFL, essa operação substituiu a dívida previdenciária por outra financeira, o que configura novação. Isso permitiria a dedução integral dos R$ 426 milhões da base de cálculo do imposto sobre a renda e da contribuição sobre o lucro como "despesa operacional" no exercício em que foi celebrada.

Com base em consulta respondida pela Receita Federal, deduziu todo o valor de uma só vez em 1997. Posteriormente, o Fisco expediu nota técnica em que concluiu que o negócio jurídico não configurou novação. Assim, fez autuações fiscais que originaram os processos administrativos, com a exigibilidade dos créditos tributários.

A CPFL então ajuizou mandado de segurança. Quando julgou a causa, em 2013, o TRF-3 entendeu que a consulta em que a empresa se baseou para fazer a dedução foi dada em termos genéricos, sem refletir a situação concreta da contribuinte.

Gilmar Ferreira
Ministro Benedito Gonçalves entendeu que rever as conclusões do TRF-3 demandaria exame de provas e interpretação de contrato
Gilmar Ferreira 

Assim, vale a conclusão da fiscalização da Delegacia da Receita Federal de Campinas: a dívida mencionada nada mais é do que uma repactuação do plano de aposentadoria e pensão motivado pelo persistente déficit, de modo que não se trataria de mera substituição de dívida previdenciária por dívida financeira. Logo, não é novação, não sendo cabível a dedução.

Nesta terça-feira, o relator, ministro Benedito Gonçalves, concluiu que reavaliar essas conclusões demandaria o revolvimento de provas e a interpretação de cláusulas contratuais, o que não se admite em sede de recurso especial, com base nas Súmulas 5 a 7 do STJ.

Acompanharam o relator os ministros Sergio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria. Não votou o desembargador convocado Manoel Erhardt, que ainda não atuava na turma quando o julgamento foi iniciado, com sustentações orais, em 9 de fevereiro.

Entendimento mantido
A conclusão da 1ª Turma é a mesma apresentada pela 2ª Turma, quando julgou outro recurso da CPFL sobre o mesmo tema, em setembro de 2019. Aquele caso tratava da cobrança de R$ 511 milhões em tributos federais devidos após transação justificada por consulta feita por fax.

STJ
As duas turmas que julgam Direito Público no STJ definiram a matéria do mesmo jeito
STJ

Aos integrantes da 1ª Turma, o advogado da CPFL, Humberto Ávila, apontou que o contribuinte confiou na administração para fazer a dedução e, mesmo após a consulta, se viu surpreendido com mudança de entendimento. "A tese da União, de que a primeira consulta foi abstrata, não é concebível. Não se admite consulta senão sob fato determinado", disse.

Já o procurador da Fazenda, Marcelo Kosminsky, tratou o caso como "engenharia tributária". Isso porque o passivo de R$ 426 milhões assumido pela CPFL na repactuação não poderia ser considerado dívida certa, já que eventos futuros e variáveis poderiam alterar seu montante.

Como os fundos de previdência se rentabilizam com atuações variadas no mercado financeiro, um movimento positivo da bolsa ou do câmbio poderiam até mesmo reduzir a zero os repasses pela CPFL. Também influiriam os salários dos empregados ou eventuais alterações na legislação, entre outros.

"Em suma, a empresa se valeu de uma dívida eventual que seria paga totalmente, parcialmente ou sequer paga em um prazo de 20 anos, e abateu o montante integral da base de cálculo dos tributos em 1997, como se tivesse havido o pagamento total naquele ano", afirmou.

REsp 1.582.201

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!