Pedido pessoal

Marco Aurélio rejeita ação de Bolsonaro contra decretos de governadores

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23 de março de 2021, 13h39

Ao presidente da República não cabe postular, em nome próprio sem representação, ação direta de inconstitucionalidade visando derrubar decretos estaduais que estabeleceram medidas mais rígidas de combate à Covid-19, como a restrição de circulação de pessoas, toque de recolher e fechamento de estabelecimentos comerciais.

Felipe Sampaio/STF
O decano do STF, ministro Marco Aurélio
Felipe Sampaio/STF

Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu a inicial ajuizada por Jair Bolsonaro, contra as normas impostas à população pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.

O decano do STF explicou que o artigo 103, inciso I, da Constituição Federal prevê a legitimidade do Presidente da República para a propositura ADI, "sendo impróprio confundi-la com a capacidade postulatória".

A ConJurhavia adiantado a problemática situação de não haver consenso se Bolsonaro teria capacidade postulatória, pois não é advogado. Dessa maneira, haveria dúvidas se precisaria ser representado por um procurador — o que não ocorreu no caso.

Segundo o ministro Marco Aurélio, o chefe do Executivo personifica a União, atribuindo-se ao Advogado-Geral sua representação judicial, a prática de atos em juízo. "Considerado o erro grosseiro, não cabe o saneamento processual", disse.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Sem representação, Bolsonaro foi ao STF contra abuso de governadores brasileiros
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ordem regulada
Na ação, Bolsonaro defendeu que o fechamento de serviços não essenciais e outras medidas mais duras deveriam ser discutidas e aprovadas pelas Assembleias Legislativas, ao contrário do que acontece desde o início da pandemia.

Já há muito, as ações se dão por decretos estaduais, de iniciativa exclusiva do Executivo. Segundo o presidente, isso evitaria "abusos" por parte de governadores.

Conforme também mostrou a ConJur, a opinião de especialistas, o pedido não se sustenta porque a atuação de estados na pandemia já foi regulada e confirmada pelo Supremo — ainda que Bolsonaro tenha usado essa justificativa para tentar imputar ao STF a omissão do governo federal para agir na epidemia.

O voto do ministro Marco Aurélio na ADI termina com uma afirmação sintomática. "Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao Presidente da República cabe aliderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros."

Repercussão
Rafael Valim, especialista em Direito Administrativo, sócio do Warde Advogados, considerou "corretíssima" a decisão. "Trata-se de uma lição elementar de Direito. Vê-se que não é só na gestão da saúde pública que o presidente demonstra uma absoluta incapacidade", disse.

Diego Henrique, criminalista, sócio do Damiani Sociedade de Advogados, também foi firme nas críticas. "Passando ao largo do mérito da ação e, mais ainda, de qualquer discussão político-ideológica, é vexatório o nível de despreparo técnico do gabinete da Presidência da República, não só do homem em si, mas de toda a equipe que o assessora. Este último vexame demonstra, novamente, o flerte com o autoritarismo e o absoluto desconhecimento do funcionamento do Estado Democrático de Direito (e de suas instituições) instituído pela ordem constitucional vigente", opinou.

Na mesma linha, Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, avaliou como "inconcebível" a ação proposta em nome do próprio mandatário.  "O pedido formulado, sabidamente natimorto, ostenta meros e apequenados contornos de interesse estritamente político, a fim de justificar o imponderável e recrudescente posicionamento negacionista do presidente da República acerca das medidas adotadas pelos demais entes da federação no combate e enfrentamento à crise sanitária decorrente do novo coronavírus. Assim, o ministro Marco Aurélio, com elegância e polidez, ainda foi capaz de eleger fundamentos menos contundentes com o fito de indeferir de plano o pleito deduzido, notabilizado pela natureza autoritária que dele emerge, posto que manifestamente incompatível com o Estado democrático de Direito assegurado pela Constituição", comentou.

Marcus Vinicius Macedo Pessanha, especialista em Direito Público Administrativo e Regulatório, afirma que a decisão já era esperada.  "Considerando os posicionamentos mais recentes do STF, bem como a expansão descontrolada da pandemia com recordes de infectados e mortos sendo superados todos os dias, não é inesperado o insucesso da ação proposta pela Presidência da República contra as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos. Todavia, a extinção em decorrência de vício de capacidade postulatória, indicado como insanável pelo ministro relator, não surpreende pela previsibilidade da questão, facilmente perceptível", disse.

Rodrigo Faucz Pereira e Silva, professor de Processo Penal e advogado criminalista, entende que o ministro "reconheceu aquilo que qualquer estudante do Direito sabe, que a capacidade postulatória cabe ao advogado-geral da União e não ao presidente diretamente". "Aliás, ao atacar apenas a decisão de estados governados por opositores, mesmo tendo outros estados que tomaram as mesmas precauções sanitárias, essa ação teve como objetivo apenas dar uma resposta aos seus próprios apoiadores. Falando de outro modo, propondo uma ação manifestamente injustificada, dá a impressão que o objetivo é o uso como plataforma de discurso populista, não visando, na verdade, uma resposta efetiva do STF. As decisões do STF buscam reconhecer que o Executivo precisa se unir aos Estados e municípios, com base no conhecimento científico e normativas da OMS, para ajudar o país a sair deste desastre humanitário que estamos vivendo", afirmou.

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ADI 6.764

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