Liberdade de locomoção

Lockdown é bizarro Estado de Sítio, diz magistrado ao conceder HC preventivo

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23 de março de 2021, 11h29

A edição do decreto municipal de lockdown, embora contenha algumas medidas necessárias, essenciais e legítimas para combater a pandemia, "desbordou-se a implantar um bizarro Estado de Sítio Municipal".

Paulo Magri/SMCS
Paulo Magri/SMCSMunicípio de São José do Rio Preto

O entendimento é do desembargador Souza Meirelles, da 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao conceder Habeas Corpus preventivo impetrado por um advogado contra o decreto municipal de São José do Rio Preto, que instituiu lockdown na cidade.

O advogado sustentou que o decreto restringia sua liberdade de locomoção — argumento que foi acolhido pelo desembargador. Para Meirelles, o prefeito é "absolutamente incompetente" para suspender ou negar as garantias e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e ainda aplicar quaisquer penalidades.

"Se é certo que os municípios detêm poderes concorrentes para enfrentar a tragédia sanitária que vivenciamos, inconfutável é que deve fazê-lo em confinamento a medidas de natureza estritamente sanitária, não se podendo consentir que aos prefeitos sejam delegados poderes constitucionais, muito menos, e aqui bate o ponto, para suprimir franquias liberais historicamente conquistadas às duras penas na marcha ascendente da civilização, muito menos por meio de simples decreto", afirmou Meirelles.

Para o relator, medidas como a restrição da circulação em vias públicas e o toque de recolher fogem "ao espectro do peculiar interesse do município" e não poderiam ter sido adotadas pela Prefeitura de São José do Rio Preto, configurando "evidente constrangimento" ao advogado que impetrou o HC preventivo. 

"As medidas emergenciais adotadas para conter a disseminação do temível vírus, a despeito do estado de necessidade nacional, não se delineiam providas de força política e legitimidade científica para revogar nem suspender os preceitos fundamentais indelevelmente grafados na Sexta Carta Republicana", completou.

O desembargador afirmou ainda que é exatamente nestes períodos de calamidade ou comoção nacional que os direitos humanos precisam ser mais severamente protegidos "porquanto neles as vocações totalitárias tendem a aflorar sob os disfarces da temporariedade e da excepcionalidade visando a forjar-se aparente justificativa para a ruptura da ordem jurídica".

Meirelles chamou o decreto de São José do Rio Preto de "bizarro Estado de Sítio Municipal" e disse que a liberdade de locomoção é um direito absoluto, que não pode ser flexibilizado. Assim, concedeu o HC preventivo para garantir ao impetrante a liberdade plena de locomoção nos limites territoriais do município sem incorrer em penalidades.

"As coisas começam já a perder contornos de legitimidade e as hesitações passam a ganhar terreno à medida em que 'decretar' limitações à liberdade dos concidadãos no Estado de Direito Democrático e Constitucional, uma vez verificada a premente necessidade estatal, pertence ao Excelentíssimo Senhor presidente da República e não ao prefeito, em consonância à Carta-Mãe, na qual todas as estruturas de exceção e emergência estão nela personificadas, enumeradas e consagradas através do Estado de Defesa e Estado de Sítio, com vistas a controlar 'comoção grave de repercussão nacional', quão se apresenta o momento da pandemia da Covid-19", finalizou.

Processo 2058949-51.2021.8.26.0000

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