Opinião

Um pouco mais sobre as medidas atípicas dos meios executivos

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22 de março de 2021, 17h13

Após alguns anos de vigência do Código de Processo Civil de 2015, ainda pairam polêmicas sobre determinadas inovações legislativas, sobretudo àquelas relativas aos meios executivos atípicos. A discussão sobre efetividade e segurança jurídica, no universo das medidas atípicas de execução, é antiga.

Como sabido, o Código de Processo Civil de 1973 autorizava a aplicação de medidas atípicas para assegurar o cumprimento de decisões que tinham como objeto a obrigação de fazer, não fazer e de entregar coisa.

O Codex de 2015, contudo, com o objetivo de garantir a efetividade do processo, expandiu os poderes do juiz para possibilitar a adoção das medidas necessária para que o credor alcance o adimplemento, inclusive para os casos de obrigação de pagar quantia — o que foi objeto de diversas críticas.

A literalidade do artigo 139, IV, do diploma processual, autoriza a aplicação de medidas indutivas, coercitivas mandamentais ou sub-rogatórias, com objetivo de se alcançar o adimplemento. O que se discute, mesmo depois de anos de vigência do novo código, é a existência — ou não — de uma limitação para a aplicação dessas medidas e, ainda, a própria constitucionalidade do dispositivo.

Mas, afinal, o que são medidas indutivas, coercitivas mandamentais ou sub-rogatórias?
"Devo, não nego. Pago quando puder".

O jargão é bastante recorrente e serve para dois casos: 1) aqueles em que o devedor realmente se furta do adimplemento; e 2) aqueles em que o devedor não possui patrimônio para honrar a obrigação assumida/imposta.

Com interpretação literal, é possível defender, então, que para evitar a frustração da execução, seja em virtude de um caso ou de outro, o devedor passaria a ser alvo das medidas elencadas no artigo 139, IV, cuja definição fica à cargo da doutrina.

Voltaremos, mais adiante, ao ponto relacionado às limitações do poder/dever do juiz frente a inexistência de patrimônio e insolvência civil do devedor.

Por ora, sem a pretensão de exaurir as definições, passemos, pois, a analisar cada uma das medidas.

As chamadas indutivas são aquelas que oferecem ao devedor uma "recompensa" por adimplir o débito. Trata-se, portanto, de um estímulo, um incentivo. O ordenamento jurídico, mesmo antes do advento do Código de Processo Civil, já autorizava medidas indutivas legais.

É a hipótese dos atos normativos que autorizam o desconto de eventuais multas impostas aos contribuintes, em sede de auto de infração, desde que estas sejam pagas dentro de determinado prazo. Sob a égide do CPC 2015, tem-se também como exemplo a possibilidade de se parcelar o débito e reduzir a verba honorária imposta, caso o executado efetue o pagamento dentro do prazo legal.

As medidas consideradas como medidas sub-rogatórias, por sua vez, são atividades implementadas com o objetivo de obter o resultado que a ação do devedor deveria surtir e, usualmente, servem para garantir o cumprimento de obrigação fungível. Em outras palavras: é a adoção de providências substitutas que atinjam o resultado daquilo que, apesar de ser dever do devedor, não foi feito.

Os exemplos mais recorrentes trazidos pela doutrina são a penhora, a busca e apreensão, imissão na posse e o despejo.

São nominadas como coercitivas as providências implementadas costumeiramente em situações de obrigações infungíveis para impor ao devedor uma sanção diante de seu inadimplemento. O objetivo é que o devedor se sinta pressionado e cumpra a obrigação infungível imposta. É o caso das imposições de multa por descumprimento, a prisão civil do devedor de alimentos e inscrição em órgãos de proteção de crédito.

As mandamentais, de outra face, são as imposições judiciais cujo descumprimento culminará no crime de desobediência. Trata-se, portanto, das hipóteses em que o juiz determina que o devedor indique bens à penhora ou, ainda, que a testemunha se apresente em juízo.

Surge daí a inevitável dúvida: qual é a limitação dos poderes do juiz no que se refere ao artigo 139, IV, do CPC? Eis que suas decisões judiciais permitirão que se adentre aos direitos das partes para impor-lhes novas situações, sejam eles patrimoniais ou não.

A resposta para essa e outras indagações vem sendo construída pela jurisprudência.

A corrente majoritária, que encontra guarida no STJ, estabelece que os poderes do juiz em aplicar o artigo 139, IV, do CPC encontra limite na razoabilidade; na efetividade da medida em encontrar o fim desejado; na proteção ao patrimônio mínimo, nos princípios constitucionais e, também, na subsidiariedade.

Dentro desse contexto, não é admitido que a medida passe a ser utilizada como sanção psicológica ao devedor que se encontra sem condições de cumprir a obrigação imposta.

Daí porque os tribunais pátrios não vêm admitindo, em se tratando de tentativa de satisfação de débitos pecuniários, a suspensão da CNH, eis que proibir o devedor de conduzir veículos, para os adeptos dessa corrente, em nada contribui para que o crédito seja satisfeito, além de violar o princípio constitucional de ir e vir e exprimir verdadeira tortura psicológica para o adimplemento.

A restrição da utilização do limite disponível no cartão crédito também já foi matéria enfrentada em larga escala junto ao judiciário e, aqui, há posicionamento para os dois lados.

Para aqueles que defendem a impossibilidade da restrição, o argumento relevante gira em torno da teoria do patrimônio mínimo, segundo a qual, na perspectiva constitucional da dignidade da pessoa humana, os atos normativos devem resguardar um mínimo de patrimônio ao indivíduo, de modo a garantir uma vida digna.

A despeito das questões constitucionais e patrimoniais, não seria desarrazoado defender que, restringir compulsoriamente o crédito do devedor significa adentrar-se à esfera da liberdade econômica para com aquele terceiro — estranho à lide — que, a despeito da situação do devedor, deseja-lhe oferecer determinado empréstimo ou crédito.

Para aqueles que são a favor da restrição do crédito, corrente predominante no Judiciário paulista, defende-se a proibição de que o devedor contraia novas dívidas sem que, antes, cumpra com o adimplemento daquela executada.

É de se notar que apesar da alteração legislativa, a execução continua tendo como princípio a perseguição do meio menos oneroso ao devedor. É por conta disso que os operadores do Direito, em menor escala, defendem a aplicação subsidiária do dispositivo, ou seja, após esgotado os meios expropriatórios típicos.

Em meio de toda essa situação, tramita junto ao STF a ADI 5941 com vistas a extirpar do ordenamento jurídico o artigo 139, IV, do CPC 15, sob a perspectiva de que tal dispositivo franqueia ao julgador a aplicação de medidas inconstitucionais, que limam os direitos mais comezinhos do devedor.

Colocando de lado a discussão da inconstitucionalidade, as recentes interpretações jurisprudenciais acerca do dispositivo deixam cada vez mais distante o principal objetivo da alteração legislativa: a efetividade. Isso porque o credor continua a enfrentar verdadeira via crucis para ter o crédito por satisfeito, principalmente quando o devedor só deseja pagar "quando puder".

 

Referências bibliográficas
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. Executividade das sentenças de improcedências em ações declaratórias negativas. Revista de Processo. vol. 208. p. 13-20. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 2012.

AgInt no REsp 1794916/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2020, DJe 02/12/2020.

HC 597.069/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 25/09/2020.

AgInt no REsp 1788912/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe 21/09/2020.

REsp 1802611/RO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 10/10/2019.

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  • Brave

    é advogada militante na área contenciosa cível com experiência em litígios envolvendo Direito Público e Privado, além de questões regulatórias, graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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