Postura proativa

Judiciário deve ajudar a resolver problemas da sociedade, diz presidente do TJ-RJ

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21 de março de 2021, 7h31

O Judiciário precisa ter uma posição mais proativa e ajudar a sociedade a resolver seus problemas. Um caminho é promover projetos sociais para ajudar os mais pobres a ter a oportunidade de construir uma vida digna. É o que afirma o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Henrique Figueira.

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O desembargador, que assumiu o cargo no começo de fevereiro, diz que pretende investir em programas que ajudem adolescentes pobres, inclusive infratores, a se inserir no mercado de trabalho. Recentemente, o TJ-RJ firmou convênio com a Prefeitura do Rio para criar vagas para aprendizes na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).

O investimento em tecnologia é o principal objetivo da gestão de Figueira. Ele também buscará conciliar o trabalho remoto, implementado em larga escala devido à epidemia da Covid-19, com o presencial — quando for segura tal modalidade. O desembargador elogia as audiências telepresenciais, mas aponta a necessidade de aumentar a confiabilidade do depoimento de testemunhas.

O presidente do TJ-RJ diz que a corte está com as contas em dia e, por ora, não precisará fazer cortes, mesmo com a crise econômica intensificada pela epidemia. Até porque o tribunal está com déficit de magistrados e servidores. Há dois concursos em andamento para preencher essas vagas, mas os procedimentos foram suspensos pelo Conselho Nacional de Justiça devido ao coronavírus.

Em entrevista à ConJur, Henrique Figueira ainda declarou que o Tribunal Especial Misto retomará o julgamento do processo de impeachment do governador Wilson Witzel quando receber os depoimentos de duas testemunhas do Superior Tribunal de Justiça — o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos e o empresário Edson Torres.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os principais objetivos para a sua gestão à frente do TJ-RJ?
Henrique Figueira
— Colocar o tribunal na modernidade, no século 21, investindo maciçamente em tecnologia. Esse é o ponto principal. Nós celebramos um convênio com o Conselho Nacional de Justiça no final da gestão do presidente Milton Fernandes de Souza no qual se estabeleceu um prazo para migrarmos dos nossos sistemas locais para o sistema nacional de andamento processual, todos os ritos processuais, o PJe. Vamos sair dos nossos e migrar para lá. É um trabalho difícil, complicado, demorado, mas eu espero até o final da minha gestão estar com isso concluído.

ConJur — Como o Núcleo de Inovação e o programa Justiça 4.0 se encaixam nesse objetivo?
Figueira
— Eles têm tudo a ver. Nós criamos o Núcleo de Inovação dentro do PJe, que é como se fosse um local virtual de conversa entre todos os tribunais, trocando informações sobre os apetrechos e equipamentos que servem para todo mundo. Esse programa do PJe permite que cada tribunal crie os equipamentos para as suas necessidades. E tais programas ficam à disposição de todos os outros tribunais. É uma troca de informação tecnológica.

ConJur — Fora essa parte tecnológica, que outros objetivos de gestão o senhor tem?
Figueira
A pandemia nos levou para uma situação muito nova. A gente tem um sistema de trabalho, de organização, que a pandemia mostrou que temos de mudar. O home office veio aparentemente para ficar. Aquele sistema todo, todas as empresas, repartições, agora vão ter de se organizar de uma nova forma. E o mais importante para o tribunal é verificar como fazer isso com relação a toda a estrutura de comarcas, de pessoal. Isso nos dará vantagens fabulosas, porque em geral nós temos pessoas designadas para trabalhar em determinada vara, em determinado local e tem deslocamento. Agora não, é possível colocar pessoas de qualquer lugar do estado trabalhando em qualquer vara do estado. Nós temos muito mais mobilidade, esse é o ponto que a pandemia e o home office nos deram de positivo.

ConJur — A produtividade dos magistrados e servidores aumentou durante a pandemia. Quando ela acabar, eles poderão continuar trabalhando de casa?
Figueira
— Essa é a decisão que nós temos de tomar. É preciso planejar o tribunal para o futuro. Porque a pandemia trouxe uma nova visão, uma nova forma de trabalho, da relação profissional. E a gente precisa ver como fazer com relação a isso. Eu tenho a impressão de que o trabalho em casa vai continuar, não sei em que medida, não sei em que condições, mas a possibilidade de ele continuar é grande.

ConJur — Quais magistrados e servidores estão trabalhando presencialmente?
Figueira
— Com relação aos magistrados, não há obrigação de trabalhar presencialmente. Com relação aos servidores, nós temos de dar atendimento ao público. Por isso, 50% do pessoal está trabalhando presencialmente, de acordo com o ato que foi editado há cerca de um ano, na gestão passada.

ConJur — Como o senhor avalia as audiências telepresenciais?
Figueira
— São ótimas, mas têm o problema da colheita da prova. Quando a testemunha está em uma sala de audiência, na frente dos advogados, do juiz e do integrante do Ministério Público, todo mundo está vendo, está garantido o quadro de imparcialidade, de tranquilidade para ela fazer o depoimento. Quando ela está fora do tribunal prestando depoimento através de uma câmera, a gente não sabe o que está acontecendo lá. Ela pode estar recebendo alguma ameaça, pode ter algum problema, e a gente não sabe. Quando a gente conseguir garantir a segurança e a incolumidade da testemunha, não terá problema nenhum em se fazer audiência por videoconferência.

ConJur — Que tipo de medida poderia ser tomada para garantir a segurança da testemunha?
Figueira
— Uma solução que eu vejo é levar a testemunha para o tribunal. Ou seja, mesmo que os advogados estejam afastados, que o juiz esteja afastado, pelo menos no tribunal, em uma sala, ela terá funcionários da Justiça que a receberão. E ali todo mundo terá certeza de que ela não tem problemas de coação.

ConJur — Alguns advogados e a Defensoria Pública argumentaram que as audiências telepresenciais, especialmente em casos criminais, não garantem totalmente o direito de defesa dos acusados. Como o senhor avalia essa crítica?
Figueira
— As pessoas, em geral, têm um pouco de medo do novo, né? Eu acho que, dando garantias, como essa garantia de segurança, não há problema nenhum. Se a testemunha tiver condições de depor livremente, pode ser dessa forma. O ponto nodal é: vamos dar garantias para que aquele depoimento seja limpo, livre, sem pressão, que ela (testemunha) possa efetivamente dizer sobre os fatos sobre os quais ela vai depor em juízo.

ConJur — A Defensoria Pública do Rio argumenta que o TJ-RJ tem descumprido a decisão do ministro Luiz Edson Fachin, do STF, que determinou o retorno das audiências de custódia em todas as modalidades prisionais. Como está essa questão?
Figueira
— Nós temos cumprido fielmente a decisão do ministro Fachin.

ConJur — É que na pandemia o TJ-RJ havia suspendido as audiências de custódia. Elas foram plenamente retomadas?
Figueira
— Estão normais.

ConJur — O senhor pretende criar novas centrais para audiências de custódia? São necessárias?
Figueira
— Pode ser que sejam. Se houver necessidade, criaremos. Ainda não tem uma decisão sobre isso. Os três núcleos que nós temos aqui na Capital, em Campos dos Goytacazes e em Volta Redonda têm funcionado a contento. Se entendermos que há necessidade de modificar isso, criar mais alguns núcleos, nós vamos criar, sem dúvida.

ConJur — O TJ-RJ é reconhecido pelo CNJ como o tribunal mais produtivo do país. Ainda assim, há uma disparidade de eficiência entre primeira e segunda instâncias. Pretende enfrentar essa questão?
Figueira
— Um processo começa no primeiro grau. Ele tem uma fase de citação, colhe provas, faz perícias, toma depoimentos, avalia documentos, até chegar à sentença. É natural que tenha uma demora maior no primeiro grau do que no segundo grau, quando o desembargador pega a sentença do juiz, lê o recurso e julga. Essa fase de instrução é fundamental para o processo. É imprescindível para o juiz e, depois, a câmara analisarem o caso, terem bases suficientes para adequar a lei ao fato e aplicar uma decisão justa.

ConJur — O senhor pensa em criar varas e câmaras especializadas em determinadas matérias?
Figueira
— Se houver necessidade, criaremos, mas por enquanto a divisão no primeiro grau está boa. Eventualmente podemos ter algum problema em uma comarca ou outra, mas isso a comarca analisa e, se houver necessidade, ela propõe ao tribunal, e o Órgão Especial decide. Em termos de câmaras, nós temos a divisão, já clássica, de câmaras cíveis e câmaras criminais. Está em andamento uma reforma do regimento interno e uma das propostas a se discutir é exatamente essa: a especialização das câmaras.

ConJur — O que está em discussão? Como seria essa nova divisão?
Figueira
— Os desembargadores vão decidir se faremos a divisão entre público e privado e se teremos, dentro do privado, mais alguma divisão, talvez família e empresarial. São algumas especialidades que podem melhorar a qualidade dos julgamentos.

ConJur — Qual é a opinião do senhor sobre essa proposta de especialização?
Figueira
— Nossos julgamentos hoje são muito definidos pela atuação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. O STJ já tem mais de mil teses aprovadas, então nós temos de julgar de acordo com essas teses. Para os julgamentos terem maior qualidade, essa especialização, penso ser importante uma divisão semelhante à do STJ, entre público, privado e criminal. Mas isso não sou eu que decido, é o tribunal que vai decidir. Também penso que podemos ter uma especialização dentro do privado, com uma câmara empresarial, por exemplo.

ConJur — Alguns profissionais do Direito defendem a criação de mais varas de execução penal no Rio. Dizem que essa medida ajudaria a desafogar o sistema prisional, porque hoje há muitos presos por mais tempo do que a condenação por falta de acompanhamento da pena. O que acha da ideia?
Figueira
— Uma vez me disseram que quando o sistema prisional entra em rebelião, quando dá problemas, é porque a vara de execuções penais não está funcionando, quando os direitos dos presos não são respeitados. Eu não me lembro quando foi a última vez que tivemos algum problema sério aqui no Rio de Janeiro nesse tema. Isso significa que a Vara de Execuções Penais funciona muito bem. Ela está toda informatizada, toda integrada ao sistema do CNJ, porque a informatização agiliza os processos. Então não vejo necessidade de se criar novas varas de execuções penais.

ConJur — O que o Judiciário pode fazer para ajudar a reduzir a criminalidade?
Figueira
— O Judiciário hoje precisa ter uma posição mais proativa, mais próxima da sociedade. Nós temos de ajudar, na medida que for possível, dentro da nossa competência, a sociedade a resolver esses sérios problemas. É claro que nós não podemos entrar com recursos sobre organização policial, como se fazer, não é o nosso papel. Mas nós podemos, por exemplo, investir na formação dos adolescentes, dar cursos profissionalizantes para eles, criar oportunidades para que eles tenham chance de virarem cidadãos. É uma obrigação do Judiciário entrar nessa seara. E a partir do momento que a gente dá dignidade, dá cidadania para a pessoa, a chance de ela delinquir é muito menor.

O TJ-RJ tem uma comissão que avalia projetos sociais. Nós fizemos um convênio com a Prefeitura do Rio de Janeiro para abrir vagas de menores aprendizes na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). O prefeito Eduardo Paes teve uma reunião com nossos desembargadores que cuidam dessa comissão há pouco, e logo os garotos vão começar a trabalhar.

Outro projeto interessante é o Jovem Mensageiro, que parou com a pandemia. Por meio dele, jovens infratores trabalham no tribunal carregando processos e documentos.

E temos outros convênios também. As varas da infância trabalham muito nessa área. Eu quero investir tanto nisso que eu chamei um juiz da Infância e Juventude para ser meu juiz auxiliar, que é o juiz da Infância de Petrópolis. Lá eles têm um projeto sensacional. Quando o jovem infrator completa 18 anos, ele é libertado e cai no mundo. Esse projeto pega esse garoto, paga um aluguel para ele e lhe ensina uma profissão. Ou seja, começa a resgatar uma condição de cidadania para ele. Isso é fundamental, é o que nós mais precisamos. E a consequência disso é a melhora da segurança. Além da redução da quantidade de processos no Judiciário.

ConJur — A gestão anterior criou a Vara de Combate ao Crime Organizado. Como o senhor avalia essa vara? Ela tem produzido resultados positivos? Pensa em criar outras do tipo?
Figueira
— Se houver necessidade, vamos criar, sim. Está muito no início para dizer se essa vara é eficiente, se foi uma boa medida ou não. Mas a medida é bem interessante. Existem certas gamas de processo, tanto no crime, quanto no tributário, por exemplo, em que a gente precisa ter um olhar mais acurado, precisa tomar um pouco mais de atenção, porque são processos mais sensíveis, podem gerar problemas, Na parte tributária, por exemplo, há ações de grandes devedores de centenas de milhões, com matérias relevantes para se discutir, e também casos de imposto de R$ 2 mil. É preciso dar um tratamento diferenciado para isso, mas dando igual atenção para os dois casos.

ConJur — Diversas autoridades e ex-autoridades do Rio de Janeiro foram presas ou estão sob investigação. O que o Judiciário pode fazer diante desse cenário de aparente corrupção que se alastrou no estado?
Figueira
— O Judiciário pode cumprir o papel dele de julgar os casos que aparecerem para julgamento depois da investigação policial e do Ministério Público. Nessa área, nós temos de cumprir a lei, exercer a nossa atividade jurisdicional e pensar sempre em uma agenda positiva, tratar de melhorar as condições do estado, melhorar o ânimo das pessoas para que a gente tenha uma sociedade melhor. São casos que existem, não dá para deixar de falar deles, mas temos de ter fatos positivos para apreciar também.

ConJur — Quando o Tribunal Especial Misto retomará o julgamento do impeachment do governador Wilson Witzel?
Figueira
— Nós estamos esperando as peças faltantes virem do Superior Tribunal de Justiça, que são os depoimentos de duas testemunhas (o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos, que firmou acordo de delação premiada, e o empresário Edson Torres). São peças importantes de prova para serem examinadas aqui. Chegando essas peças, a gente retomará imediatamente o curso do processo.

ConJur — A pandemia trouxe uma grave crise econômica. O PIB do Brasil caiu 4,1% em 2020. Como está o orçamento do TJ-RJ? Será preciso fazer cortes?
Figueira
— A gente sempre precisa tomar muito cuidado e olhar com muita atenção as despesas, porque nós estamos lidando com dinheiro público. Eu sempre digo que a gente tem de ter mais cuidado com o dinheiro público do que com o nosso mesmo. Ainda com as coisas dos outros, a gente tem de ter mais atenção do que com as nossas coisas. Sendo o caso de fazer cortes, nós vamos fazer. Nós temos atuado estritamente dentro dos limites impostos pela lei e pelo plano de recuperação fiscal do Rio.

Nossa folha de pessoal é paga pelo orçamento. E as despesas de custeio, manutenção, de todas as comarcas, de todos os tribunais, juizados, são pagas pelo fundo especial. Durante 20 anos, nós fizemos um trabalho sensacional, com toda a seriedade característica do Judiciário, e temos uma quantidade razoável de recursos para cuidar do tribunal. Em termos de pessoal, nós temos uma folga bastante confortável atualmente com relação ao limite de prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal e uma falta de funcionários e de juízes muito grande, que também ajuda nisso: não tem pessoal, gasta menos.

ConJur — O senhor pretende abrir concursos para suprir esse déficit?
Figueira
— Existem dois concursos em andamento: um para servidores e outro para magistrados. Porém, por conta da pandemia, houve uma decisão do CNJ determinando a suspensão dos concursos. Conversei há pouco com o ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, e uma das coisas que eu pedi foi para reexaminarem a possibilidade de retomada dos concursos. Porém, depois disso, a pandemia voltou a se agravar, então fica difícil. Talvez quando melhorar seja possível retomar os concursos.

ConJur — O senhor mencionou em seu discurso de posse que pretende combater a violência contra a mulher. O que o senhor pretende fazer nesse sentido?
Figueira
— Nós temos uma outra comissão de violência doméstica, só com desembargadoras e juízas que tomam a frente para cuidar desses juizados e dessas questões. Nós temos salas especiais, apoio de psicólogos e médicos para as mulheres que sofrem desse problema. Nós temos um trabalho bastante relevante nessa área.

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