Opinião

Repercussões jurídicas do grupo econômico trabalhista

Autor

  • Conrado Di Mambro Oliveira

    é advogado especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho pós-MBA em Negociação Empresarial pela FGV pós-graduado em Direito de Empresa e Direito Processual Civil diretor departamental de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados de Minas Gerais conselheiro fiscal da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas membro da Comissão de Direito Sindical e da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas ambas da OAB/MG professor de cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho e sócio do escritório Mantuano & Di Mambro Advocacia.

20 de março de 2021, 17h11

Entre os operadores do Direito e também no meio empresarial, muito se difundiu a ideia da responsabilidade solidária passiva direito do credor de exigir de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum entre as empresas que integram o mesmo grupo econômico na esfera trabalhista. E é bom que se diga que essa linha de interpretação decorre basicamente de texto expresso de lei, segundo a clara dicção do artigo 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tanto em sua redação original quanto em seu teor atual, após a alteração promovida pela reforma trabalhista  Lei 13.467/17.

Contudo, nem sempre foi — ou é dada a mesma ênfase à ideia de solidariedade ativa direito de cada um dos credores a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro , também plenamente decorrente da formação de grupo econômico na esfera justrabalhista. Trata-se da noção de "empregador único", em que as empresas pertencentes ao mesmo agrupamento empresarial, embora possuam personalidades jurídicas distintas, estão autorizadas a exigir o labor e beneficiar-se da mão de obra de empregados formalmente vinculados a qualquer delas.

Se assumem os ônus (responsabilidade passiva pelas dívidas trabalhistas), nada mais natural do que que assumirem também os bônus (destinatárias da força de trabalho, pouco importando o empregador formal).

Aliás, configurado o grupo econômico trabalhista, entende-se até mesmo possível a transferência de empregado de uma empresa para outra, sem necessidade de rescisão do contrato de trabalho original, de acordo com a direção jurisprudencial assimilada pelo Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria:

"Transferência de empregado entre empresas do mesmo grupo econômico. A mudança de empregador em razão de transferência aceita de forma tácita pelo empregado para empresa do mesmo grupo econômico, não acarreta, necessariamente, a rescisão do primeiro contrato de trabalho. Trata-se de alteração compreendida no poder diretivo do empregador, cuja ilicitude, a teor do artigo 468 da CLT, dependeria da prova do prejuízo e da ausência de consentimento, ainda que tácito. Assim, mantidas as mesmas condições de trabalho e contados os direitos trabalhistas da data de início do primeiro contrato, não se divisa ilicitude na transferência, necessária à caracterização da rescisão contratual. Recurso conhecido e provido" (TST; RR 391.129/1997.8; Terceira Turma; relatora ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi; Julg. 06/10/2004; DJU 28/10/2004).

Na mesma trilha, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região já se posicionou quanto ao tema:

"Grupo econômico. Requisitos. Unicidade contratual. Verbas rescisórias.
 Pretensão versando sobre o recebimento de verbas rescisórias, com estofo em norma coletiva reiteradamente considerada ineficaz, pela jurisprudência, não dá azo ao respectivo acolhimento. 2 
 Havendo prova de comunhão administrativa de empresas, elas compõem o modelo cogitado no artigo 2º, §2º, da CLT. Nessa hipótese trata-se de empregador único, o que autoriza a transferência do empregado para empresa diversa da originária, sem que reste cristalizada a rescisão do contrato" (TRT 10ª R.; RO 98-37.2010.5.10.0019; relator desembargador João Amílcar Silva e Souza Pavan; DEJTDF 18/03/2011; Pág. 95).

E fazendo coro às reflexões aqui retratadas, registra-se também as orientações contidas no Precedente Administrativo 59 do (antigo) Ministério do Trabalho (MTE) e na Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho, ambas reforçando a concepção de "empregador único" e também de "contrato de trabalho único" quando se tem a constituição de grupo econômico:

"Precedente Administrativo 59 MTE  Registro. Contrato de trabalho. Grupo econômico. O trabalho prestado pelo empregado a várias empresas do mesmo grupo econômico configura apenas um contrato de trabalho, sendo desnecessário o registro do empregado em cada uma das empresas. Autuação improcedente".

"Súmula 129/TST. Contrato de trabalho. Grupo econômico. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário".

Portanto, reconhecido o conglomerado empresarial em terreno trabalhista, é salutar que se tenha em mente as consequências legais decorrentes desse fenômeno jurídico em sua amplitude, que implica, como se viu, em responsabilidade, de lado a lado, às partes envolvidas (empregado e empresas).

E, com o propósito final de tentar clarificar, na prática, os elementos estruturantes do enquadramento do grupo econômico no Direito do Trabalho, reproduz-se na sequência os preceitos normativos dos §§2º e 3º do artigo 2º da CLT, com a nova redação que lhes foi dada pela reforma trabalhista:

"Artigo 2º — (…)
§2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
§3º. Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes".

Não obstante a singeleza e a objetividade da norma legal definidora do instituto em estudo, a caracterização de grupo econômico na perspectiva trabalhista nem sempre é bem aplicada, devendo o intérprete, criteriosamente, investigar a presença de certos indicativos conformadores do conceito de agrupamento empresarial, tais como:

 Identidade de sócios: não é requisito para caracterizar o grupo econômico, mas é  ou pode ser  um sinal;

 Mesmo administradores/procuradores atuando em nome das empresas;

— Empresa (pessoa jurídica) sócia das outras empresas;

— Identidade ou conexão/interação dos negócios (atuação das empresas no mesmo segmento econômico ou em ramos complementares);

— Atuação/exploração da mesma marca/nome fantasia;

 Comunhão de interesses entre as empresas (atividade lucrativa em favor do grupo);

 Empregados de uma empresa prestando serviços às empresas de todo o grupo, fazendo emergir a ideia de "empregador único";

 Mesma gestão/administração (às vezes, mesmo setor comercial, mesmo setor de compras, mesmo setor de pessoal, mesmo setor contábil etc.);

Relação de hierarquia entre as empresas (presença de uma empresa-mãe, que controla as demais  grupo econômico hierárquico ou vertical), ou relação de interligação entre as empresas (as empresas se encontram no mesmo plano  grupo econômico por coordenação ou horizontal).

Em arremate, conclui-se que a existência de um grupo econômico em termos trabalhistas acarreta consequências jurídicas para as partes envolvidas, gerando obrigações tanto no curso do contrato individual quanto após a sua extinção, resultantes da noção de "empregador único" e de "contrato de trabalho único".

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