Opinião

O contra-ataque do réu: a reconvenção

Autor

  • Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

    é advogada mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDSP-USP) e especialista em Direito Processual Civil pela Ponticífia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

19 de março de 2021, 13h32

Conforme magistério de Alfredo Buzaid, se a contestação é defesa, a reconvenção é contra-ataque. É uma atitude do demandado que vai além da mera resistência, pois amplia o escopo do processo, com nova pretensão.

O

professor Heitor Sica, em sua tese de doutoramento, sintetizou com clareza didática a reconvenção, para o qual:

"Destacam-se quatro atributos caracterizadores da reconvenção: a) o fato da reconvenção encerrar matéria que poderia ser deduzida por via autônoma (o que vedaria que o juiz de ofício suprisse a omissão do réu); b) o fato de a reconvenção suscitar pontos novos de fato e de direito, capazes de ampliar o âmbito da cognição judicial; c) o fato de a reconvenção provocar ampliação do objeto litigioso do processo, por introduzir no processo nova pretensão do réu em face do autor; e d) como consequência da ampliação do objeto litigioso, a reconvenção provoca a ampliação do objeto da coisa julgada (sempre, claro, que houver julgamento do mérito da demanda reconvencional)" (Sica, 2008, p. 193).

Para o professor Cassio Scarpinella e Vicente Greco Filho, a reconvenção é aplicação do "princípio da economia e da eficiência processuais".

Para formular esse pedido em face do autor, a reconvenção precisa estar conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, em respeito aos respectivos pressupostos (CPC, artigo 343). Embora o legislador tenha redigido "ação principal", não há lide incidente com a reconvenção.

A conexão pode aparecer quando a pretensão do réu for idêntica ao resultado que o autor busca, ou seja, quando tiver identidade de objeto, ou ainda quando está relacionada a causa de pedir.

O primeiro legitimado passivo é o autor, que será reconvindo. A doutrina ensina que não é necessário que todos os autores figurem como reconvindos, no entanto, ao menos algum deve integrar a reação do réu.

Além disso, admite-se a formação de litisconsórcio com terceiro, não limitado aos sujeitos definidos na lide, que originou a reconvenção. Entretanto, será preciso, nessa hipótese, demonstrar a relação jurídico-material do novo demandado.

Atualmente, admite-se que a reconvenção recaia sobre o substituto processual, que é o legitimado extraordinário a demandar em nome próprio a defesa de direito alheio. Nesse caso, a afirmação de direito deve ser oposta contra o substituído.

A pretensão deve estar delimitada com o que se espera na pronúncia da sentença, ou seja, o pedido deve ser claro na espécie de tutela jurisdicional necessária, condenação, constituição ou declaração, enfim, deve ser determinado (CPC, artigo 324, § 2º).

O pedido pode ser alterado ou aditado até a intimação, sem necessidade de consentimento de qualquer parte, e até o saneamento, somente com o consentimento e com o contraditório (CPC, artigo 329).

Embora a reconvenção seja articulada na contestação, é necessário a atribuição de valor de causa (CPC, artigo 292).

No tocante à competência, o pedido deduzido na reconvenção deve estar abrangido pelo mesmo juízo em que tramita a demanda originariamente proposta.

A mera incompetência relativa não obsta a reconvenção (CPC, artigo 54), dada sua possibilidade de modificação, todavia, a incompetência absoluta constitui causa instransponível para o processamento.

Apesar de a reconvenção ser formulada na própria contestação, tanto o professor Cassio Scarpinella quanto a doutrina do CPC anotado de Theotônio Negrão convergem na possibilidade de apresentação de peça apartada, desde que respeitado o prazo da contestação. É que esse contra-ataque pode ser formulado independentemente da contestação (CPC, artigo 343, §6º).

Depois de apresentada a reconvenção, o procedimento inclui a anotação da distribuição (CPC, artigo 286, §único), isso para fins de preservar direito, sobretudo o relacionado a fraude contra credores (CPC, artigo 792, IV).

A reconvenção tem autonomia e deve ser julgada mesmo com desistência ou não julgamento de mérito da ação que a originou.

O sucumbente da reconvenção será condenado a pagar honorários, podendo cumular as verbas honorárias com a sorte da primeira e da segunda lide (CPC, artigo 85).

O indeferimento liminar da reconvenção (CPC, artigo 330) ou seu julgamento liminarmente improcedente (CPC, artigo 332) permite o manejo de agravo de instrumento, sobretudo para não aguardar a marcha processual da lide originária.

É com a reconvenção que o réu pede para o Estado-Juiz uma sentença contra o autor; muito mais do que se defender, esse expediente permite um processo novo contra aquele que demandou primeiro.

 

Referências bibliográficas
ARAÚJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática de contestação no processo civil. Ed: Atlas. 6 ed., p. 66, versão digital. São Paulo. 2020

Bueno, Cassio Scarpinella Manual de direito processual civil – volume único / Cassio Scarpinella Bueno. Ed: Saraiva. 6. ed., p. 587, versão digital. 2020.

SICA, HEITOR VITOR MENDONÇA. Direito de defesa e tutela jurisdicional. Estudo sobre a posição do réu no processo civil brasileiro. São Paulo. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 193. 2008.

Theodoro Júnior, Humberto. Código de Processo Civil. Rio de Janeiro. Colaboradores: Humberto Theodoro Neto, Adriana Mandim Theodoro de Mello, Ana Vitoria Mandim Theodoro. Ed: Forense. 22. ed., p. 1675, versão digital. 2019.

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