Opinião

Senar: é legítima sua cobrança sobre a receita bruta? O STF nos dirá!

Autor

  • Leonardo Scopel Macchione de Paula

    é pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) pós-graduando em Prática Tributária e Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito (IGD) mestrando no Instituto Brasileiro de Ensino (IDP) professor universitário de Direito Contratual professor em curso preparatório para primeira fase da OAB no Dr. Aprova e sócio do escritório Macchione & de Paula Advogados Associados.

18 de março de 2021, 6h37

1) Introdução
Está marcado para o próximo dia 12 de maio o julgamento sobre a legalidade, ou não, da cobrança de 0,2%, a título de Senar, sobre a receita bruta obtida pelo produtor rural pessoa física, quando da comercialização de seu produto.

Trata-se do Tema nº 801 [1], em que o STF reconheceu a existência de repercussão geral e, portanto, seu resultado deverá ser aplicado a todos os casos semelhantes.

Na origem do processo, o produtor rural pleiteia para que seja declarada a inconstitucionalidade de referida cobrança, bem como, em consequência, a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos anos, acrescido de juros de 1% e correção monetária pela taxa Selic.

Assim, iremos demonstrar neste artigo, de forma bem objetiva, quais os argumentos favoráveis ao produtor rural pessoa física e, ademais, se declarada a inconstitucionalidade de referida contribuição, quais serão as consequências na prática.

2) Dos fundamentos favoráveis ao produtor rural pessoa física
Entre os argumentos favoráveis ao produtor rural, destacamos dois, a saber: 1) violação ao texto constitucional; e 2) violação ao princípio da isonomia.

Vamos ao primeiro.

O artigo 62 do ADCT prescreve, claramente, que "a lei criará o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) nos moldes da legislação relativa ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac), sem prejuízo das atribuições dos órgãos públicos que atuam na área".

Portanto, fica claro que o Senar tem previsão constitucional e que, não bastasse, o constituinte fez mais: a lei infraconstitucional deverá, ao criá-lo, observar a legislação relativa ao Senac e Senai, os quais fazem parte do Sistema S.

E, como se sabe, o fundamento constitucional do Sistema S é o artigo 240, do qual dispõe: "Ficam ressalvadas do disposto no artigo 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical".

Referido artigo, que trata do Sistema S e, consequentemente, do Senar, é muito claro: referidas contribuições devem incidir sobre a folha de salário, ponto.

Se é sobre a folha de salário, é sobre ela, folha de salário, que a contribuição ao Senar deve incidir, e não sobre a receita bruta da comercialização! É evidente que sobre a folha o valor a ser recolhido, na maioria das vezes, é muito menor.

E mais, mesmo que não houvesse previsão nesse sentido, fundamento algum existiria para cobrá-la sobre a comercialização. Isso porque a base de cálculo de qualquer contribuição deve ser vinculada a sua finalidade, tendo em vista que o valor cobrado deve ser inteiramente utilizado na finalidade perseguida.

E qual é a finalidade do Senar? De um modo amplo, qualificar o trabalhador rural.

Dito isso, pergunta-se: qual é a correlação entre o valor obtido pelo produtor rural com a venda de suas commodities com a qualificação do empregado rural, senão, nenhuma?! Diferente é em relação ao pagamento sobre a folha de salário, da qual tem um vínculo direto com a finalidade da contribuição ao Senar.

Basta imaginarmos a seguinte situação: o fato de eu auferir X ou Y quando da comercialização de meus produtos, aumenta os custos do Senar? Se não aumenta, não pode ser cobrado de referida base de cálculo. Diferente é se o produtor tiver mais empregados rurais, pois aí, sim, o Senar terá um maior custo, eis que maiores serão os trabalhadores submetidos a qualificação.

Portanto, independentemente da ótica pela qual se observe, fato é que o Senar cobrado do empregador rural pessoa física sobre a comercialização é inconstitucional

E os argumentos de sua inconstitucionalidade não param por aí.

Fica mais do que claro que a cobrança do Senar viola frontalmente o princípio da isonomia tributária, tão caro em nossa Constituição, que, em um conceito amplo, significa "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades" [2].

Em outras linhas significa que o contribuinte somente poderá ser tratado de forma diferente, se houver razões para tratá-lo diferente!

E qual ou quais as razões para tratar o empregador rural pessoa física de forma diferente do empregador urbano pessoa física? Por que a contribuição ao Senai e ao Senac, por exemplo, incidem sobre a folha de salário e a contribuição do Senar incide sobre a comercialização? Todos não fazem parte do Sistema S?

O custo para com o empregado rural é maior que o custo para com o empregado urbano? Há mais empregados rurais do que empregados urbanos? Ao que tudo indica, não! E se não, não há motivos para que o empregador rural seja compelido a pagar mais que o empregador urbano, e, ao assim fazer, está havendo um tratamento aos iguais, de forma desigual, violando, portanto, o princípio da isonomia.

3) Consequências em eventual declaração de inconstitucionalidade do Senar
Agora, adentremos as questões práticas.

Se o julgamento for favorável ao produtor rural pessoa física (o que esperamos que aconteça), o que muda?

Primeiro, o produtor não mais será compelido a recolher referida contribuição sobre a comercialização no percentual de 0,2%, sobre vendas futuras.

Segundo, poderá, a depender do resultado, cobrar os valores pagos nos últimos cinco anos, com direito a juros e correção. Mas registra-se: mesmo que seja declarada a inconstitucionalidade do Senar, impedindo a cobrança futura, o STF poderá modular os efeitos da decisão, impedindo, por exemplo, a cobrança retroativa.

Lembrando também que caso seja possível a cobrança retroativa, tal qual deverá ser pleiteada mediante ação judicial.

Terceiro, poderá o produtor, ao invés de recolher sobre a comercialização, ser obrigado a recolher sobre a folha? Sim, desde que venha uma nova lei e institua referida cobrança.

Portanto, fiquemos atentos e na torcida para que referido julgamento seja, de fato, justo!

 


[1] Leading Case: RE 816.830/SC.

[2] JUNIOR, Nelson Nery em Princípios do Processo na Constituição Federal.

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    é pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional – DE e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, pós-graduando em Prática Tributária e Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito – IGD, professor universitário de Direito Contratual e sócio do Escritório Macchione & de Paula Advogados Associados;

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