Opinião

TJ-RJ reconhece possibilidade de réu alegar nulidade da patente como matéria defesa

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18 de março de 2021, 13h51

Em julgamento emblemático, a 17ª Câmara Cível do TJ-RJ, por maioria de votos, reconheceu a possibilidade de o réu invocar a nulidade da patente — que lastreia a ação de infração — como matéria de defesa [1].

Em síntese, o titular de uma patente (já em domínio público) ajuizou ação de infração requerendo a condenação do réu ao pagamento de indenização pelo uso indevido da tecnologia. Em contestação, o réu alegou que não infringia a patente do autor e, na mesma oportunidade, suscitou a nulidade do título patentário, com respaldo no artigo 56, §1º, da Lei nº 9.279/96:

"Artigo 56  A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.
Parágrafo 1º. A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa".

Na decisão de saneamento e organização do processo, embora a juíza de primeiro grau tenha reconhecido corretamente que o réu pode arguir incidentalmente a nulidade da patente como matéria de defesa, consignou que a Justiça Federal já havia julgado improcedente uma ação de nulidade proposta por outra empresa em face da titular da patente (autora da ação de infração). Em vista disso, assinalou que tal decisão (que reconheceu a validade da patente) teria efeitos erga omnes, o que impediria o reexame do tema no bojo da ação de infração. Dessa forma, fixou como ponto controvertido apenas a existência ou não da infração de patente.

Inconformado, o réu interpôs agravo de instrumento, que, inicialmente, não foi conhecido pelo desembargador relator por entender que a matéria não estaria abarcada no rol do artigo 1.015 do CPC, não sendo, ainda, o caso de aplicação da tese da taxatividade mitigada. Manejado agravo interno, o des. relator acabou conhecendo o recurso, mas, no mérito, votou pelo seu desprovimento.

Em linhas gerais, o desembargador relator entendeu que "o efeito erga omnes da sentença proferida pela Justiça Federal nos autos da ação declaratória de nulidade de patente opera-se ope legis, a teor do disposto no artigo 57, caput e §2º da Lei 9.279/96. Com efeito, à luz do dispositivo supramencionado eventual ajuizamento de ação declaratória de nulidade de patente perante a Justiça Federal seria extinto, não pela falta de interesse processual, mas pela coisa julgada material".

Na sequência, o desembargador Wagner Cinelli votou pelo provimento do recurso, tendo sido acompanhando pela desembargadora Márcia Ferreira Alvarenga.

De forma precisa, o voto condutor assinalou "a questão central do agravo consiste em saber se a sentença proferida nos autos da demanda que tramitou perante a Justiça Federal possui o condão de tornar indiscutível neste processo o tema da nulidade da patente, de modo que descabido seria fixar como ponto controvertido eventual nulidade da patente".

Nesse particular, salientou-se inicialmente que não há que se falar em coisa julgada como eventual óbice impeditivo à apreciação do tema. Foram três os fundamentos utilizados:

1) Os efeitos erga omnes da decisão proferida pela Justiça federal só se aplicam quando a patente é anulada (interpretação do artigo 57 da LPI [2]). Em tal hipótese, o título patentário deixa de produzir qualquer efeito a partir da data do depósito do pedido (efeitos ex tunc artigo 48 da LPI [3]), gerando repercussão perante terceiros;

2) A coisa julgada não pode prejudicar terceiros (artigo 506 do CPC), sob pena de cerceamento de defesa. Como dito, o réu da ação de infração não participou da mencionada ação de nulidade;

3) O réu demonstrou que existem argumentos técnicos levantados em contestação (para justificar a nulidade da patente) que não foram examinados na referida ação de nulidade que tramitou perante a Justiça federal.

Nesse contexto, o recurso foi provido para reformar a decisão de primeiro grau e incluir como "ponto controvertido da causa a eventual nulidade da patente ora em disputa".

A decisão está correta e demonstra a maturidade do Judiciário frente a controvérsias envolvendo direitos da propriedade industrial.

Importante consignar — ainda que rapidamente, já que o tema não foi debatido na decisão em questão —– que o entendimento firmado pelo TJ-RJ não afronta o entendimento esposado pelo STJ no Resp 1.527.232/SP [4] (Tema 950) [5].

Isso porque tal posicionamento se refere à competência da Justiça federal para ações de nulidade de registro de marca (e não especificamente para ações de nulidade de patente, cuja nulidade também pode ser arguida de forma incidental, à luz do artigo 56, §1º, da LPI [6]).

E mais um detalhe do caso: como visto, a patente objeto da ação de infração já havia expirado, razão pela qual faltaria, a rigor, interesse de agir ao réu para ajuizar uma ação de nulidade na Justiça federal [7].

Em resumo, a nulidade da patente só pode ser declarada por meio de ação própria perante a Justiça Federal, com a participação do INPI. Por outro lado, invocar a nulidade como matéria de defesa é plenamente possível, tem expressa previsão legal, consagra o amplo direito de defesa e evita que o suposto infrator seja obrigado a propor uma demanda na Justiça federal, com dispêndio de recursos e de tempo. Portanto, acertou o TJ-RJ.

Note-se, por fim, que, após alguma oscilação inicial [8], o STJ também caminha no sentido de reconhecer a possibilidade de se discutir incidentalmente a nulidade da patente na ação de infração, cuja decisão, porém, terá efeitos apenas entre as partes [9].

 


[1] TJ/RJ, AI nº 0068520-12.2020.8.19.0000, Des. Rel. Wagner Cinelli, Décima Sétima Câmara Cível, julgamento em 03.03.21.

[2] Art. 57. A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. § 1º O prazo para resposta do réu titular da patente será de 60 (sessenta) dias. § 2º Transitada em julgado a decisão da ação de nulidade, o INPI publicará anotação, para ciência de terceiros.

[3] Art. 48. A nulidade da patente produzirá efeitos a partir da data do depósito do pedido.

[4], Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, DJe 05⁄02⁄2018, Tema 950⁄STJ

[5]As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal, e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória”.

[6] A ressalva também se aplica aos desenhos industriais, conforme artigo 118 da LPI.

[7] Processo nº 0137644-20.2017.4.02.5101, Rel. Des. Marcello Granado, Segunda Turma Especializada, DJe 26.06.2018; Processo nº 0032264-76.2015.4.02.5101; Des. Rel. Paulo Espirito Santo, Primeira Turma Especializada, DJe 22.02.2018

[8] “Em suma, a discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da LPI, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito”. REsp nº 1.281.448/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 08.09.2014.

[9] STJ, REsp 1.843.507/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 29.10.2020. “Disso decorre que, embora, não seja possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo essa possibilidade de determinação expressa de lei. (…) Não há qualquer óbice, portanto, a que essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118, ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI”.

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  • Brave

    é advogado, doutorando e mestre em Processo Civil pela UERJ, professor de Processo Civil da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, coordenador de Processo Civil da ESA/RJ e membro do IBDP, da ABDPro e do ICPC

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