Acertos e omissões

Para Gilmar e Lira, diálogo evitaria atropelo entre Legislativo e Judiciário

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18 de março de 2021, 13h21

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, participaram nesta quinta-feira (18/3) do debate O papel do Legislativo na produção da justiça, organizado pela TV ConJur. O evento, que foi transmitido ao vivo, foi visto por cerca de 3 mil pessoas nas plataformas da ConJur no Youtube, Facebook e Twitter. 

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Lira e Gilmar participaram de debate organizado pela TV ConJur
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Na conversa, eles falaram que um maior diálogo entre representantes dos três poderes evitaria eventuais atropelos no que diz respeito a temas sensíveis, mas concordaram que o Judiciário deve atuar quando houver vácuo normativo.

"Nos últimos anos, o Poder Legislativo evitou, em diversos momentos, regulamentar questões importantes. Há uma ala não muito pequena que acha que não legislar é legislar. Isso fez com que o Judiciário, instado por grupos pequenos, tivesse um protagonismo político para enfrentar essas questões. As duas casas estão conversando muito. O ativismo judicial não é um problema e ocorre devido a uma inatividade do Legislativo. Essa inatividade sobre alguns assuntos nós devemos debater internamente", disse Lira. 

Ele ressaltou, no entanto, que por vezes o Supremo, o Superior Tribunal de Justiça, TJs, e até juízes de primeira instância, acabam dando decisões que interferem diretamente no processo legislativo. Por isso, afirmou, é preciso encontrar um meio termo para manter o equilíbrio e a independência entre os poderes. 

Gilmar lembrou que a Constituição Federal de 1988 criou a ação direta por omissão e o mandado de injunção como ferramentas que permitem apelar para que o Congresso legisle. Ainda assim, afirma, é necessário encontrar modelos mais orgânicos de diálogo. 

"Ao longo dos anos, o tribunal passou, em alguns casos, a 'legislar'. É o caso do direito de greve dos servidores públicos. É um caso em que há muitos apelos ao Congresso, mas ele acabava não fazendo a lei e o STF entendeu por aplicar a lei de greve do serviço privado para o serviço público."

Para o ministro, há problemas nesse modo de atuação quando o Judiciário esbarra em temas que foram longamente discutidos pelos parlamentares e anula normas com apenas uma canetada. 

"O Congresso fez, nos anos 1990, uma profunda reforma do sistema político partidário. Essa lei veio ao Supremo. O STF negou a liminar. A lei dava um prazo de 10 anos para que o sistema se adaptasse. Quando o STF foi julgar o mérito, julgou contra a liminar e deitou por terra um esforço político brutal que havia sido feito e atrasou a reforma política". 

Outro exemplo dado por Gilmar foi a suspensão do juiz das garantias por meio de uma decisão monocrática do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo. 

"Uma liminar ilegal. No caso da Adin [ação direta de inconstitucionalidade], a liminar precisa ser submetida ao Plenário do Supremo e até agora não foi. Devemos evitar dar liminar sem submeter a matéria ao Plenário. Porque o Congresso aprovou a lei ['anticrime']. Se nós formos decidir pela suspensão, isso tem que ser feito pelo Supremo Tribunal Federal. Só em hipóteses raríssimas, como o período de recesso, se justificaria, muito excepcionalmente, a suspensão de uma lei."

"Liminares, com relação a leis, têm que passar pelo Supremo. Nesse caso do juiz de garantia, foi um escândalo. Tenho a impressão de que esse episódio tem a ver com a ideia da soberania do lavajatismo. 'Ah, isso contraria a 'lava jato', então a gente tem que agradar'", questionou o ministro. 

"Lava jato"
Gilmar e Lira também comentaram as conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores de Curitiba, reveladas após o hacker Walter Delgatti Neto invadir os celulares de diversas autoridades. Para o ministro do Supremo, a atuação da extinta "lava jato" do Paraná se assemelha ao Ato Institucional nº 5, editado em 1968 e que endureceu ainda mais a ditadura militar brasileira.

"Se nós olharmos bem o que está acontecendo em Curitiba, poderíamos ter daqui a pouco uma ditadura desenhada por um juiz e alguns promotores. Eles até brincavam que estavam montando um ministério, a partir de métodos que lembram os militares. Vejam, por exemplo, deixar alguém preso para que ele delate. Mandar alguém para uma prisão determinada, porque lá as condições são péssimas e ele [o delator] falará mais rápido. Qualquer semelhança com a ditadura do AI-5 não é mera coincidência", afirmou Gilmar. 

Lira fez um retrospecto das situações que teriam engrandecido exageradamente a força dos procuradores da extinta "lava jato". Para ele o Congresso teve sua parte de responsabilidade a partir de 2013, quando criou leis com base no clamor popular que veio das ruas.

"Quando o congresso vota leis — principalmente leis penais — em momentos de tensão, de clamor popular, ele faz besteira. Lógico que leis anticorrupção, como a Lei de Delação, Lei de Organização Criminosa, são importantes. Mas as leis, como foram aprovadas em 2013, naquelas manifestações nas ruas, deixam lacunas, fissuras, brechas que não são fáceis de corrigir. Corrigimos [uma lacuna] muito importante em cima da jurisprudência da 2ª Turma do STF, que é a de não poder condenar só com a palavra do delator. Não se recebe denúncia só com a palavra do delator, sem uma mínima prova", disse. 

"Penso que saímos de uma ditadura militar para uma ditadura do Ministério Público. Precisamos rever isso urgentemente, para que o MP continue cumprindo o seu papel constitucional de defesa do cidadão, da sociedade. Mas sem querer eleger prefeitos, governadores, presidente da República e assim sucessivamente. Um sistema Jurídico mais amplo não pode cria braços longos que abracem mais do que deviam e cuidem mais do que o necessário", prosseguiu.

O ministro Gilmar concordou com o panorama feito pelo presidente da Câmara e também criticou decisões imediatistas. "Normalmente isso leva a leis improvisadas. Isso já tinha ocorrido com relação à Lei da Ficha Limpa. Eu até brinquei, fazendo troça, dizendo que essa lei parece feita por bêbados. Mas aí uma associação de bêbados me mandou mensagem falando: 'Nós fazemos outras coisas, mas não leis, então não causamos tanto prejuízo.'"

Veja debate na íntegra:

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