Opinião

Um rol novo e velhos desafios

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17 de março de 2021, 15h31

Finalmente a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atualizou o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, aprovando na reunião da diretoria colegiada, no último dia 24, a nota técnica que atualiza o rol. 

Apesar da atualização, os desafios relacionados à cobertura contratual seguem inalterados. E isso porque o desafio central da questão está em produzir um rol que demonstre ser suficiente para atender aos anseios da sociedade.

Note que utilizamos o termo "demonstre" porque, notadamente, o rol é tecnicamente bem elaborado e possui procedimentos aptos a tratar quase todas as doenças que existem.

Portanto, o problema perpassa por questões relacionadas à sua efetiva estruturação em acordo com as políticas públicas para a saúde e ainda em seu processo de revisão.

No que toca a seu ajuste com as estratégias públicas para a saúde, é preciso ter como premissa que a saúde é um dever do Estado, e que apesar de livre a exploração da atividade pelo privado, ela se dá por concessão/autorização do obrigado principal (Estado).

Isso importa em afirmar que o rol deve estar alinhado com necessidades e estratégias do Ministério da Saúde, porque aqueles atendimentos previstos no rol desonerarão o Sistema Único de Saúde (SUS).

Isso torna simples compreender a chave do problema: a cobertura pelo SUS. Essa constatação está estampada nos milhares de processos judiciais que discutem a extensão do rol e são objeto de divergência no próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Cabe à ANS, nesse sentido, buscar sua efetiva integração com o SUS, produzindo modelos que assegurem o acesso do beneficiário ao serviço público para aqueles atendimentos não previstos no rol.

Por que a ANS? Porque o beneficiário não tem registro ativo no SUS, portanto, seu acesso aos serviços públicos é ainda mais demorado pela falta de integração, se comparado com um paciente já atendido pelo sistema.

Poder-se-ia, por exemplo, se utilizar do mesmo instrumento de ressarcimento ao SUS, para gerar o efeito em reverso, ou seja, a prestação de serviço extra rol geraria a mesma remuneração para a operadora, criando uma compensação com o próprio ressarcimento ao Sistema Único de Saúde.

Fica claro que existem meios de produzir o resultado que tornem a saúde suplementar efetivamente integrada ao órgão competente, assegurando uma política pública de saúde única e apta a atender aos beneficiários de planos de saúde.

Prosseguindo, o segundo aspecto é o tempo e as premissas utilizadas para o processo de revisão. Como já referido, a ANS iniciou a consulta pública, no entanto, apesar de registrar na nota técnica de justificativa para o processo de revisão a redução do prazo para seis meses (atualmente são dois anos), a minuta da nova resolução normativa fala em prazo discricionário, portanto, que depende do juízo de conveniência e oportunidade da agência.

Se de um lado isso torna o processo flexível e apto a alterações céleres, de outro, torna inseguro e não transparente o processo de incorporação de novos procedimentos.

É certo que situações como a pandemia são excepcionais e têm o poder de autonomamente gerar alterações emergenciais no rol, no entanto, até para isso é necessário que exista um regramento objetivo, que contemple este tipo de previsão.

A minuta registra alterações relevantes, como a possibilidade de revisão de procedimentos não incorporados no ciclo de avaliação seguinte, o que possibilita ao requerente apresentar os elementos eventualmente criticados. O processo eleva a relevância da avaliação técnica da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), reconhecidamente um órgão do Ministério da Saúde extremamente técnico e responsável pela incorporação de tecnologias no SUS.

Todo esse debate e processo de revisão tem um capítulo relevante: o STJ. E isso porque a corte ainda segue com o debate em torno da extensão da cobertura contratual, divergindo entre turmas se o rol seria exemplificativo ou taxativo.

Compreendido o rol como exemplificativo, seu processo de atualização perde o sentido de sua existência, porque uma determinação judicial extinguirá toda a política pública para a saúde criada por uma agência que compõe o poder executivo. 

A mudança do processo pode ser um aceno positivo ao Poder Judiciário, o que auxiliaria na previsão de taxatividade do rol, haja visto que a ANS daria sinais de que possui uma política pública para a saúde suplementar alinhada com os anseios dos beneficiários que buscam a modernização de suas coberturas contratuais apoiadas nas decisões técnicas da agência reguladora.

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