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Em 2 meses, estados dos EUA criam 384 PLs contra o aborto

16 de março de 2021, 8h21

Por João Ozorio de Melo

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Apenas nos primeiros dois meses de 2021, 43 estados dos Estados Unidos introduziram 384 projetos de lei contra o aborto e outros métodos contraceptivos em suas Assembleias Legislativas, segundo o Guttmacher Institute. Em dois meses e meio, novas leis que banem o aborto — ou impõe restrições para dificultar o procedimento — foram aprovadas em oito estados.

Agência Brasil
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Todas essas leis, presentes e futuras, são inconstitucionais, se valer o precedente de 48 anos da Suprema Corte dos EUA. Em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte legalizou o aborto em todo o país, na decisão conhecida como Roe v. Wade. A corte decidiu por 7 votos a 2 que, nos Estados Unidos, as mulheres têm o direito fundamental de decidir se querem ou não fazer um aborto, sem restrições excessivas do governo.

Então por que parlamentares e governadores republicanos, com o apoio de instituições conservadoras e religiosas, estão aprovando tais leis? Para forçar instituições democratas-liberais, lideradas pela ACLU (American Civil Liberties Union) e pela Planned Parenthood, a entrar na Justiça contra elas. E, se não o fizerem, as leis irão vigorar.

Mas, sem dúvida, a resistência liberal à deslegalização do aborto vai confrontar na justiça a resistência conservadora à legalização do aborto. Nesse ponto, os conservadores-republicanos contam com o "efeito Trump": em seus quatro anos de governo, o ex-presidente nomeou 245 juízes federais, três dos quais para a Suprema Corte.

Segundo o The Hill, quase todos juízes nomeados por Trump são "brancos, homens, jovens e antiaborto convictos". Em vários estados, os tribunais de recurso que tinham maioria liberal passaram a ter maioria conservadora.

Na Suprema Corte, a maioria conservadora passou a ser de 6 a 3. Isso posto, os conservadores-republicanos do país atingiram seu objetivo maior: levar o caso à Suprema Corte, na esperança de que sua maioria conservadora irá reverter Roe v. Wade. E, com isso, deslegalizar o aborto em todo o país.

Há uma grande esperança, mas não há certeza. Apesar de os ministros serem quase todos religiosos e a maioria ser conservadora, o movimento contra o aborto não pode contar com o voto do ministro conservador John Roberts, presidente da Suprema Corte. Roberts é aferrado aos precedentes da corte. Isso significa que uma "vitória" conservadora tem uma chance de ser por 5 a 4 — não por 6 a 3.

Além disso, um dos três ministros nomeados por Trump, o conservador Neil Gorsuch, se declara um textualista, que se aferra às palavras impressas no papel e não em considerações sobre a intenção do legislador. Isso o leva a valorizar os precedentes. E à presunção de que as leis contra o aborto podem ser derrotadas por 5 a 4.

Mas, segundo o Cato Institute, Gorsuch já chegou à conclusão, em matérias anteriores, que um precedente era inconsistente com o textualismo.

Outro ministro nomeado por Trump, o conservador Brett Kavanaugh, já manifestou preocupações em duas audiências preliminares da corte sobre a reversão de precedentes. Em uma delas, ele disse que, para reverter um precedente, é preciso mais do que considerar a decisão anterior errada. É preciso ter uma "justificativa especial".

Assim, a estratégia conservadora-republicana de entupir os escaninhos da justiça com ações de disputas sobre o aborto se parece com a prática de alguns cozinheiros de jogar um punhado de macarrão na parede para ver se um cola (por estar bem cozido).

As novas leis e os até agora projetos de lei têm de tudo, desde a guerra aberta ao aborto, que propõe seu banimento puro e simples, a ataques localizados, com a criação de restrições aqui e ali.

Há restrições a direitos reprodutivos, ao uso de contraceptivos, às estratégias de planejamento familiar e à educação sexual baseada em evidências, segundo o Population Institute. E iniciativas como a de um período de espera de 72 horas, que obriga a mulher a ir pelo menos duas vezes à clínica de aborto, mesmo que distante, a obrigação de a mulher ouvir as batidas cardíacas do feto, passar por aconselhamento, consentimento da mãe e do pai, proibição de usar dinheiro público para financiá-lo, etc.