Opinião

A imunidade dos partidos políticos e de seus institutos

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16 de março de 2021, 6h36

Dentro da seção "limitações ao poder de tributar", ou limitações constitucionais ao poder de tributar, como prefere a doutrina predominante, encontramos as chamadas imunidades tributárias como balizas importantes demarcadoras da competência tributária. Nesse contexto, a imunidade tributária é matéria tipicamente constitucional e pode ser definida como uma hipótese constitucional de intributabilidade ou de não incidência constitucionalmente qualificada.

Assim sendo, o texto constitucional, segundo o artigo 150, VI, "c", combinado com o seu §4º, estabelece literalmente a proibição de se criar impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, atendidos os requisitos da lei, bem como dispõe que tal vedação compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dessas entidades.

Por certo, a imunidade dos partidos políticos é subjetiva ou pessoal, pois considera o sujeito, isto é, é concedida pela norma constitucional em razão da qualidade da pessoa. Também é uma imunidade ontológica como consequência do sistema democrático representativo e do pluripartidarismo. É característica básica da imunidade ontológica a qualidade de ser cláusula pétrea, isto é, um proposta de emenda constitucional tendente a abolir tal imunidade não deve ser objeto de deliberação pelo Poder Legislativo. A imunidade dos partidos políticos é geral, pois dirigida a todos os entes federativos e alcançam os impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços. É, igualmente, condicionada, eis que depende da observância de requisitos legais para a sua implementação e, por conseguinte, da solicitação de reconhecimento da imunidade tributária com a comprovação do atendimento as condições legais.

Sobre a observância dos requisitos legais para a implementação da imunidade dos partidos políticos, vejamos algumas qualidades fundamentais, a saber: 1) por ser subjetiva, aplica-se ao sujeito passivo tributário na posição de contribuinte de direito, mas não na condição de contribuinte de fato; 2) caráter nacional dos partidos políticos e perseguição de finalidades públicas partidárias; 3) registro regular no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos termos do artigo 17, §2º, da Constituição Federal; 4) pertinência entre a ausência de tributação sobre o patrimônio, a renda e a prestação de serviços e o cumprimento da vinculação às finalidades essenciais das múltiplas atividades dos partidos políticos; e 5) deverá promover atividades sem fins lucrativos, com o atendimento integral do artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN), isto é: a) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; b) aplicar integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e c) manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar a sua exatidão.

Desse modo, na falta de cumprimento dos requisitos acima delineados, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício da imunidade tributária. Por exemplo, os superávits ou resultados financeiros positivos obtidos devem ser revertidos para as finalidades essenciais dos próprios partidos políticos ou, em caso de término das suas atividades, o destino do patrimônio líquido deve ser à União Federal com repasse financeiros para outro ente criado com os mesmos fins. Noutro exemplo, a execução dos seus recursos devem ser integralmente no Brasil para os respectivos fins e, na hipótese de aplicação de recursos no exterior, a consequência lógico-jurídica é a perda da imunidade tributária. Da mesma forma, em caso não escrituração contábil regular, conforme as formalidades estabelecidas em lei, o poder público suspenderá a aplicação do benefício tributário constitucional.

Decerto, os partidos políticos são entidades imunes, benefício que se estende inclusive às suas fundações, nos estritos termos literais da atual Constituição. O benefício fiscal dos partidos políticos apareceu pela primeira vez no artigo 31, inciso V, alínea "b", da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, em 1946. Depois, no artigo 20, inciso III, alínea "c", da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e, posteriormente, com a Emenda Constitucional n° 1, de 1969, no artigo 19, inciso III, alínea "c". Em nenhuma das redações das Constituições anteriores existia a referência às fundações dos partidos políticos. Por sua vez, na atual Constituição de 1988 e no texto do artigo 9°, inciso IV, alínea "c", do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 2001, dispõe-se, igualmente, que há imunidade dos impostos sobre "o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações". Mas os institutos de partido político podem ser considerados como destinatários da norma tributária imunizante? Por exemplo, o Instituto Alvaro Valle vinculado ao Partido da República (PR)?

A norma constitucional imunizante deve ser interpretada como limitação fundamental ao poder de tributar e, assim, deve ser interpretada de forma ampliativa e não com uma exegese restritiva. É uma benesse constitucional normativa no ápice da pirâmide legal e não uma exceção que deve ser aplicada por meio de um processo restritivo. Não pode a legislação infraconstitucional restringir o alcance interpretativo da norma constitucional. Por exemplo, o Código Civil ou uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral não pode ser a base interpretativa para restringir o alcance da imunidade dos partidos políticos. A delimitação negativa de competência tributária estabelecida na Constituição ou zona na qual não poderá haver tributação e consequentemente incidência tributária é ampla e una, isto é, a imunidade dos partidos políticos estatuída pela Constituição decorrente do poder constituinte originário acoberta as instituições resultantes dos partidos políticos sem restrições ou fracionamentos.

A Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 150, inciso VI, alínea "c", a expressão "inclusive" que significa acrescentar algo ou "além disso", "para mais", "além de tudo", "até", "até mesmo", "mesmo", "também", "ainda", "igualmente", "ademais", "aliás", entre outros termos. Entende-se que se deve conferir uma orientação no sentido de uma interpretação genérica ou aberta as normas constitucionais de imunidade, especialmente a dos partidos políticos, pois, sem sombra de dúvidas, edifica o regime do Estado democrático de Direito e resguarda a cidadania e o pluralismo político como fundamentos da nossa República Federativa do Brasil.

Destarte, apesar da Resolução nº 22.121/2005 do TSE estabelecer que os entes criados pelos partidos políticos para pesquisa, doutrinação e educação política devem ter a forma de fundações de Direito Privado, o Código Civil define que os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica (artigo 44, §3°) e que a adaptação às disposições desse código não se aplicam aos partidos políticos (artigo 2031, parágrafo único). Portanto, a lei específica dos partidos políticos é a Lei nº 9.096/1995, que dispõe sobre os partidos políticos e a filiação partidária, regulamentando os artigos 14, §3º, inciso V, e 17 da Constituição Federal.

Sendo assim, a lei específica dos partidos políticos não distingue instituto ou fundação político partidária e, além de estatuir a liberdade de auto-organização, autogoverno e autoadministração dos partidos políticos, estabelece no §1º, do artigo 53, incluído pela Lei nº 13.487, de 2017, que o instituto poderá ser criado sob qualquer das formas admitidas pela lei civil. Em todos os dispositivos legais da Lei nº 9.096/1995, incluindo as alterações recentes pela Lei 13.877/2019, os institutos e as fundações são tratados juridicamente de forma similar, ou seja, sem qualquer distinção relevante para fins de enquadramento de imunidade tributária. Por certo, nos dispositivos legais que citam os institutos e as fundações não há qualquer diferenciação prevista na Lei nº 9.096/1995, a saber: artigo 37, §4, artigo 44, incisos IV, V, §6º, artigo 44-A, artigo 53, §2º, I, §3º e 4º.

Mesmo que assim não fosse, é uma interpretação abusiva e restritiva da alínea "c" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, suprimir ou indeferir o requerimento de imunidade de instituto de partido político motivado apenas pelo fato do interessado na qualidade de instituto de partido político ter código de atividade na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) diferente de fundação e ter regramento civil infraconstitucional diverso das fundações, minimizando, por conseguinte, a eficácia ou a efetividade social das normas de proteção de direitos fundamentais e operando, assim, os seus efeitos na menor abrangência possível. Além disso, a Constituição de 1988 reconhece os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado e assegura pela primeira vez em um texto constitucional de forma expressa a garantia fundamental de autonomia partidária para definir sua estrutura interna, organização, funcionamento e formação e duração de seus órgãos, ou seja, o artigo 17, §1°, da CF, estabelece como questões interna corporis a forma de organização, a estruturação interna e de funcionamento dos partidos políticos.

Desse modo, compreendemos que a imunidade dos partidos políticos se estende ao Instituto Alvaro Valle, vinculado ao PR, e a outros institutos vinculados a partidos políticos, obedecidas as seguintes condições e pelas razões a seguir resumidas: a) as normas imunizantes dos partidos políticos são ontológicas e como decorrência do sistema democrático representativo e do pluripartidarismo são autênticas limitações ao exercício do poder de tributar e não podem ser suprimíveis nem por emendas constitucionais e muito menos por legislações infraconstitucionais; b) a Constituição de 1988 no inciso VI, alínea "c", artigo 150, não limita a imunidade tributária as fundações de partidos políticos, eis que estabelece o vocábulo "inclusive", que quer dizer "para mais", "além de tudo", "até", "até mesmo", "mesmo", "também", "ainda", "igualmente", "ademais" ou "aliás"; c) por ser condicionada, depende da observância dos requisitos legais previstos no artigo 14 do CTN e, por conseguinte, da solicitação a autoridade tributária e da comprovação do atendimento as condições legais; d) pertinência entre as finalidades essenciais dos partidos políticos e das atividades dos institutos; e) registro no TSE que não pode limitar por meio de resolução que os entes criados pelos partidos políticos para pesquisa, doutrinação e educação política devem ter apenas a forma de fundações de direito privado, eis que a Constituição e, também, a Lei nº 9.096/95 não distinguem instituto ou fundação e estatuem a liberdade de auto-organização, autogoverno e autoadministração dos partidos políticos; e f) a imunidade dos partidos políticos protege direitos fundamentais civis ligados a cidadania e, ao mesmo tempo, como um benesse constitucional deve ser aplicada por meio de um processo ampliativo, e não com uma exegese restritiva.

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    é procurador do Distrito Federal, advogado sócio do Nilo & Almeida Advogados Associados, pós-doutorando em Direito Tributário da UERJ, doutor em Direito Público pela PUC/SP, especialista em Direito Tributário pela Fundação Faculdade de Direito da UFBA e especialista em Direito Tributário pelo IBET.

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