Opinião

Renegociação do passivo do Funrural: análise crítica da Portaria 2.381/2021

Autores

  • Álvaro Santos

    é mestrando com ênfase em Direito aplicado ao Agro pela IDP-Brasília especialista em Processo Civil pela Damásio em Processo Ambiental pela UFPR Processo Tributário pelo Ibet e Processo Agrário pela FMP extensão em Direito do Agronegócio pela Insper Tributação no Agro pelo Ibet-FGV Agronegócios pela FGV e Planejamento Tributário pelo IBMEC integrante da União Brasileira dos Agraristas Universitários (Ubau) e do Grupo de Estudos Tributários no Agronegócio (Geta).

  • Leonardo Amaral

    é advogado tributarista professor de Direito Tributário (Ibet–GO) e mestrando em Direito Tributário pelo Ibet.

13 de março de 2021, 13h46

Compreendendo o contexto
Foi publicada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a Portaria n° 2.381, de 26 de fevereiro de 2021, que trata da reabertura dos prazos para que contribuintes com débito inscrito na dívida ativa federal possam renegociar os mesmos, inclusive aqueles relacionados à contribuição previdenciária conhecida como Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao Imposto Territorial Rural (ITR).

A finalidade deste breve artigo é investigar se a "transação", nos termos trazidos pela referida normativa, é, de fato, a melhor ferramenta para dar solução ao endividamento de inúmeros produtores rurais relacionados ao Funrural, cuja origem se deu com a controversa decisão do STF no julgamento do RE n° 718.874/RS, no ano de 2017.

Nesse sentido, daremos enfoque apenas aos dispositivos que se relacionam com o passivo do Funrural e ao produtor rural pessoa física.

Modalidades de negociação
A Portaria PGFN /ME n° 2.381, fazendo alusão a outras portarias [1], traz duas modalidades de negociação para o produtor pessoa física com débito de Funrural inscrito na dívida ativa, cujo valor seja superior a sessenta salários mínimos:

"a) Transação extraordinária: possibilidade de parcelamento sem desconto (alínea 'd' do inciso I do artigo 4°);
b) Transação excepcional: possibilidade de parcelamento com desconto de até 70% sobre o débito, condicionada à demonstração de incapacidade de pagamento (alínea 'e' do inciso I do artigo 4°)"
.

Tipos de dívidas que poderão ser renegociadas
Apesar de ser uma notícia muito importante para alguns produtores, especialmente aqueles que já estão sofrendo cobrança por meio de uma ação de execução fiscal, o fato é que na forma do artigo 1° da Portaria PGFN n° 2.381/2021 fica impedida grande parte dos contribuintes cujos débitos estão ainda na Receita Federal do Brasil, isto é, ainda não foram inscritos em dívida ativa.

Como exemplo mencionamos aqueles produtores rurais que ainda discutem a validade de autos de infração relacionados ao Funrural na esfera administrativa, que foram produzidos com erros graves, tais como: cobrança sobre exportação indireta; inserção de notas fiscais na base de cálculo que não representam venda de produção rural; cobrança sobre atos cooperativos, entre outros.

Avaliação da capacidade de pagamento e seus reflexos negativos
Entre as duas modalidades de renegociação, não há dúvidas de que a mais interessante para o produtor é a excepcional, pois possibilita uma redução significativa sobre o passivo do Funrural em até 70%, diferente da extraordinária, que se apresenta apenas como um alongamento do débito, sem qualquer desconto.

A transação do débito na forma excepcional é condicionada à demonstração de incapacidade de pagamento, por meio de um procedimento conhecido como CAPG, na forma do artigo 20 da Portaria PGFN n° 9.917/2020, em que o interessado deverá apresentar informações de ordem financeira e patrimonial, em especial aquelas constantes das declarações de ajuste anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPFs).

Ocorre que, no âmbito do "passivo do Funrural", essa condicionante não é a mais adequada, pois tende a impedir que inúmeros produtores endividados consiga renegociar com o governo federal, resultante de análise superficial ou equivocada da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de alguns indicadores.

Como exemplo, citamos a dificuldade desses contribuintes em demonstrar queda em seus recebimentos, entre os anos de 2019 a 2020, tendo em vista o aumento expressivo do preço das comoditties neste último ano, passando uma falsa ideia de possuírem capacidade de pagamento. Além disso, cumpre ressaltar que o exame deve priorizar o resultado do negócio, encontrado após o confronto entre receitas, despesas e investimentos, ficando em segundo plano os meros recebimentos. Essa interpretação encontra amparo no §5º do artigo 3º da Portaria 14.402/2020, o qual menciona expressamente o "resultado da atividade rural" como índice de aferição da situação financeira do contribuinte.

Na hipótese de o produtor rural discordar da classificação dada pela PGFN à sua capacidade de pagamento, poderá apresentar questionamentos e buscar a sua correção, na forma do artigo 62 e 63 da Portaria PGFN n° 9.917/2020.

Possibilidade de parcelamento acima de 60 vezes
A Portaria PGFN n° 2.381/2021 possibilita a renegociação dos débitos na dívida ativa devidos por contribuintes pessoa física da seguinte forma: 1) transação extraordinária: até 142 parcelas mensais (inciso II do artigo 4° da Portaria PGFN n° 9.924/2020); 2) transação excepcional: até 133 parcelas mensais (inciso III do artigo 9° da Portaria PGFN n° 14.402/2020).

Apesar das modalidades acima, há orientação da PGFN de que em se tratando de débitos relacionados ao Funrural, os mesmos não poderão ser objetos de parcelamentos acima de 60 meses, na forma do §1° do artigo 4° da Portaria PGFN n° 2.381/2021.

O dispositivo acima mencionado estabelece que "a adesão às modalidades para regularização de débitos relativos às contribuições de que tratam o artigo 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (Funrural) será realizada conjuntamente com as modalidades previstas para as demais contribuições previdenciárias".

Veja que a PGFN equipara o Funrural devido pelo produtor rural empregador pessoa física às contribuições sobre a folha de pagamento, o que é inadmissível, conforme entendimento sedimento pelo STF em 2017.

É certo que a Constituição Federal veda a oferta de moratória e o parcelamento em prazo superior a 60 meses das contribuições previdenciárias previstas na alínea "a" do inciso I (folha de pagamento) e o inciso II (empregados) do caput do artigo 195 da (artigo 195, §11, da CF), porém, tal proibição não atinge as que incidem sobre a receita bruta, tal como o Funrural.

Dessa forma, a vedação de concessão de parcelamento acima de 60 meses, na forma do §1° do artigo 4° da Portaria PGFN n° 2.381/2021, é ilegal e inconstitucional, o que enseja a possibilidade de renegociação em prazo superior, condicionada ao preenchimento dos requisitos de cada modalidade.

Conclusão
Entendemos que as modalidades de renegociações instituídas pela PGFN cujos prazos foram reabertos não são capazes de trazer uma solução justa para os produtores rurais.

A possibilidade de alongamento do débito de Funrural sem qualquer desconto, na forma da transação extraordinária, está longe do que fora concedido pelo PRR na forma da Lei 13.606/2018.

De igual forma, impor como condição para obtenção de redução do passivo do Funrural, na forma da transação excepcional, é tornar inviável a sua concessão para grande parte dos produtores rurais, notadamente aqueles que são proprietários de imóvel rural.

 


[1] Portaria PGFN nº 9.924, de 14 de abril de 2020; Portaria PGFN nº 14.402, de 16 de junho de 2020.

Autores

  • é especialista em Processo Civil (Damásio), em Direito Ambiental (UFPR), em Direito do Agronegócio (INSPER) e em Direito Tributário (IBET), mestrando com ênfase em Agroempresarial (IDP-Brasília) e integrante da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAA).

  • é advogado especialista e mestrando em Direito Tributário pelo IBET, e professor de Direito Tributário no IBET-GO.

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