Opinião

Diferencial de alíquota: o que muda com o julgamento da ADI 5.469 pelo STF

Autor

  • Carlos Yury Araújo de Morais

    é doutor em Direito membro da ABDF membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

12 de março de 2021, 20h43

No último dia 24, o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente a ADI 5469/DF, de relatoria do ministro Dias Toffoli, e a RE 1287019/DF (Tema 1.093), de relatoria do ministro Celso de Mello.

O tribunal decidiu, por maioria, julgar procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio ICMS nº 93, de 17 de setembro de 2015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Isso se deu em razão de o Supremo ter reconhecido que um convênio do Confaz não pode regulamentar matéria reservada a lei complementar federal.

O que chama a atenção, no caso, é o seguinte trecho do voto do ministro relator:

"No referido parecer, se consigna a impossibilidade de se extrair, quer do próprio texto constitucional, quer da Lei Kandir em vigor, as disciplinas sobre o momento no qual será devida o ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas, sobre os critérios para se considerar o quem é consumidor final e sobre a base de cálculo do tributo. E se demonstra a inviabilidade da utilização, para se suprir a carência dessas disciplinas, dos arts. 11, II, c; 12, XIII; e 13, IX, § 3º, da Lei Kandir, em razão de esses dispositivos estarem conectados apenas com o diferencial de alíquotas no caso das prestações de serviço de transporte".

Ainda que o caso analisado trate do diferencial de alíquota sobre as operações de circulação que envolvam contribuintes e não contribuintes do ICMS, o voto lança luz sobre um problema interessante: o fato de o diferencial de alíquota não estar regulamentado por lei.

O artigo 155, §2º, IV, da Constituição apenas determina que resolução do Senado Federal estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação, o que foi devidamente regulamentado na Resolução nº 22 de 1989.

Observa-se que a Constituição somente tratou de diferencial de alíquota para as operações que envolvam a venda a consumidor final. As operações de circulação de mercadoria que ocorrem entre os contribuintes do imposto não são referidas na Constituição, como operações sujeitas à cobrança do diferencial de alíquota.

Verificando-se atentamente a LC 87/96, o diferencial de alíquota está em evidência apenas nos casos de substituição tributária (artigo 8º, §5º) e também nos casos de importação de bens (artigo 13, §3º).

Tais pontos demonstram que a cobrança do diferencial de alíquota como recomposição da alíquota interna, ou, simplesmente, fator de equilíbrio entre os preços externos e os preços internos, não possui guarida constitucional.

A decisão proferida na ADI 5469/DF coloca o problema do diferencial de alíquota como sendo um instituo que demanda, obrigatoriamente, uma forma clara de cobrança desse encargo. Em assim sendo, deve demonstrar quem é o contribuinte, onde nasce a obrigação, quem é o devedor e também a responsabilidade tributária pela falta de recolhimento do mesmo.

Nesse sentido, indaga-se: decisão proferida na ADI 5469/DF invalidou, ainda que indiretamente, todo o sistema de recolhimento de diferencial de alíquota pelos Estados?

Deve-se lembrar que, em mais de uma ocasião, o STF validou o sistema de cobrança de ICMS através de substituição, utilizando como argumento base o princípio da praticabilidade tributária (por todos, vide ADI 1.851).

Todavia, no RE 593.849, essa orientação mudou. Ainda que a tese fixada tenha tratado apenas da restituição da diferença de ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, fato é que nesse julgamento o ministro relator Edson Fachin afirmou que "o princípio da praticidade tributária encontra freio nos igualmente normativos princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação do confisco, assim como na arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS".

Partindo desse pensamento, a decisão proferida na ADI 5.469/DF, ao invalidar — ainda que formalmente — o sistema de recolhimento do diferencial de alíquota em casos envolvendo o consumidor final, seu entendimento pode ser arrastado para os casos nos quais os Estados abusam da falta de regulamentação, para ampliar as hipóteses de recolhimento do diferencial de alíquota.

Por exemplo, o Estado do Piauí possui previsão expressa no artigo 68 do Decreto 13.500, que trata o diferencial de alíquota como uma simples antecipação do ICMS, traduzindo uma confusão entre os conceitos jurídicos por mera praticidade [1].

O Estado do Maranhão, em mais um exemplo de que os Estados cobram o diferencial de alíquota como forma de recomposição de receita — e fora dos padrões previstos na LC 87/96 —, passou a incluir o montante do ICMS relativo à diferença de alíquotas em sua própria base de cálculo, nas operações e prestações entre contribuintes de ICMS [2].

A praticidade tributária encontra freio na vedação ao comportamento abusivo do Fisco. O sistema de diferencial de alíquota não é o meio adequado para recompor as combalidas bases arrecadatórias dos Estados não produtores.

A decisão proferida na ADI 5.469/DF lança luz sobre a ilegalidade e injustiça do sistema de arrecadação baseado em diferenciais de alíquotas criado pelos Estados, desafiando a declaração de inconstitucionalidade das legislações estaduais a respeito do tema.

 


[1] Art. 68. […] § 3º O ICMS complementar, correspondente à diferença entre o imposto efetivamente exigido na Unidade Federada de origem e o correspondente à aplicação da alíquota interestadual determinada para a operação, será cobrado antecipadamente na primeira unidade fazendária do Estado do Piauí por onde as mercadorias circularem.

[2] LEI Nº 11.387, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2020.. DOE nº 236, de 21.12.20. Art. 13. (…)
(…) IX – na hipótese do inciso XIII do art. 12, o valor da prestação no Estado de origem, devendo o montante do ICMS relativo à diferença de alíquotas integrar a base de cálculo.

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