Opinião

Breves considerações sobre o árbitro de emergência

Autores

  • Daniel Brantes Ferreira

    é doutor e mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio pós-doutor em Direito Processual pela UERJ vice-presidente de Assuntos Acadêmicos do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) professor da Universidade Cândido Mendes da EMERJ e do Mestrado da Ambra University research Fellow no The Baldy Center for Law & Social Policy da SUNY Buffalo Law School editor-chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR) e fellow do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).

  • Gustavo da Rocha Schmidt

    é professor da FGV Direito Rio presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR) doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio master of laws pela New York University of Law mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio advogado sócio fundador de Schmidt Lourenço & Kingston — Advogados Associados procurador do município do Rio de Janeiro e ex-presidente da Comissão de Arbitragem dos Brics da OAB Federal.

  • Rafael Carvalho Rezende Oliveira

    é visiting scholar pela Fordham University School of Law (New York) doutor em Direito pela UVA-RJ mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ especialista em Direito do Estado pela Uerj membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (Idaerj) professor titular de Direito Administrativo do Ibmec professor do programa de pós-graduação stricto sensu em Direito — mestrado e doutorado do PPGD/UVA do mestrado acadêmico em Direito da Universidade Cândido Mendes de Direito Administrativo da Emerj e do Curso Forum pdos cursos de pós-graduação da FGV e Cândido Mendes procurador do município do Rio de Janeiro sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados árbitro e consultor jurídico.

11 de março de 2021, 7h11

A figura do árbitro de emergência (também chamado de árbitro de urgência) não encontra menção na legislação brasileira. Nada obstante, trata-se de mecanismo que vem conquistando cada vez mais espaço no seio da arbitragem, encontrando previsão no regulamento de algumas importantes instituições, nacionais e estrangeiras, como alternativa à jurisdição estatal, na apreciação pedidos de tutela de urgência em caráter antecedente, antes de formado o tribunal arbitral [1].

O árbitro de emergência, em regra, é designado pela própria instituição arbitral e tem jurisdição, exclusivamente, para o exame de medidas urgentes. Instituído o tribunal arbitral, exaure-se a jurisdição emergencial, que, por natureza, é provisória e precária. O painel nomeado poderá, então, confirmar, modificar ou mesmo revogar a tutela anteriormente deferida, tal e qual ocorre no caso de tutela de urgência antecedente deferida pelo Poder Judiciário, a teor do artigo 22-B da Lei de Arbitragem [2]. Significa dizer que as decisões do árbitro de emergência não são decisões finais, mas de natureza meramente provisória [3].

O surgimento do instituto remete à Corte Arbitral da Câmara de Comércio Internacional, que, no ano de 1990, editou o "Regulamento de Procedimento Cautelar Pré-Arbitral" [4]. É até certo ponto um movimento natural de proteção da arbitragem. Isso porque a jurisdição estatal residual, no campo das tutelas de urgência, é de certa forma inconsistente com a escolha feita pelas partes, de submeter seus litígios ao juízo arbitral. Opta-se pela arbitragem, por se tratar de um ambiente mais técnico e especializado, mas é o judiciário que toma uma das decisões mais relevantes em caso de conflito entre os contratantes. Opta-se pela arbitragem, também, por ser um método confidencial de solução de conflitos, mas não raramente o litígio chega ao conhecimento público, porque os processos judiciais, como regra, submetem-se ao princípio da publicidade. O uso da via arbitral emergencial, ao invés da propositura da ação judicial, possui as vantagens de reforçar a escolha da arbitragem para solução da controvérsia e de preservar a confidencialidade.

Três motivos adicionais têm sido mencionados para justificar a adoção do chamado árbitro de emergência: a) os custos com a dupla contratação de advogados, para a arbitragem e para atuação no judiciário; b) uma possível ausência de neutralidade das cortes judiciais; e c) a ausência de expertise técnica do juiz estatal a respeito da questão litigiosa na arbitragem.

Existem dois sistemas distintos que disciplinam o emprego, na via arbitral, do árbitro de emergência: o modelo opt in e o modelo opt out. No modelo opt in, as partes devem convencionar, expressamente, que aderem à utilização do árbitro de emergência, nos termos do regulamento da instituição arbitral escolhida. Era o modelo adotado no Brasil, até bem recentemente, pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), por força da Resolução Administrativa 32/2018, cujo teor dispunha no sentido de que "não haverá intervenção do árbitro de emergência" "se as partes não convencionaram expressamente a aplicação das regras relativas ao árbitro de emergência" [5]. O silêncio das partes é compreendido como opção pela não utilização do instituto. Já a adoção do sistema opt out implica na adesão automática à jurisdição arbitral emergencial, salvo havendo manifestação expressa em contrário. Nesse sentido, já dispunha o anterior regulamento de arbitragem da CCI, de 2017, que "as disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das disposições sobre o Árbitro de Emergência" [6].

O árbitro de emergência é, em regra, nomeado em um curtíssimo espaço de tempo (entre um e três dias), após a apresentação do pedido de tutela de urgência. Dele se espera que profira decisão com o máximo de brevidade, considerando a urgência do pedido.

No Brasil, algumas câmaras arbitrais nacionais já regulamentaram o procedimento do árbitro de emergência, entre elas: a CAM-CCBC (Resolução Administrativa 44/2020) e a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial-Brasil (Camarb) (Resolução Administrativa 06/2020) [7] [8]. A Camarb estabelece o prazo de dois) dias para nomeação do árbitro de emergência, após o aceite do requerimento pelo presidente do órgão (item 4.1 da resolução administrativa) [9]. Já a regulamentação baixada pela CAM-CCBC não estabelece prazo para a nomeação, mas estipula, no artigo 9º da Resolução 32/2018, que o presidente da instituição [10], ao admitir o procedimento, nomeará automaticamente o árbitro de emergência dentre os membros do corpo de árbitros da instituição.

O Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), em iniciativa inovadora, regulamentou a utilização do árbitro de emergência no campo da arbitragem esportiva [11]. O sistema difere dos demais porque não é opt in e nem opt out. Com efeito, prescreve o artigo 3.4 do regulamento de arbitragem esportiva do CBMA que "as partes automaticamente renunciam a possibilidade de requerer tais medidas perante o Poder Judiciário". É um modelo apropriado para o Direito Desportivo, ante a aversão que as entidades internacionais do esporte têm à utilização do Judiciário para resolução de conflitos.

O árbitro de emergência é livre para conduzir o procedimento da maneira que considerar mais apropriada, devendo estabelecer calendário provisório para as partes (vide, a título ilustrativo, o artigo 20 da Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC [12]).

O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve a oportunidade de reconhecer, ainda que indiretamente, a existência e validade da utilização da jurisdição arbitral emergencial. Na ocasião, assentou o desembargador Alexandre Lazzarini que, ao menos naquele caso específico, "sequer há a previsão de arbitro de emergência, que muitas Câmaras Arbitrais já estão incluindo em seus regulamentos" [13], a revelar que a escolha poderia ter sido feita e, se o fosse, seria juridicamente lícita.

Para finalizar, cabe a ressalva de que o emprego do árbitro de emergência tende a encarecer o procedimento arbitral, haja vista que, além dos honorários do painel arbitral, a parte requerente deverá arcar, ainda, com os honorários do árbitro de urgência. A referida afirmação, entretanto, há de ser considerada cum grano salis. De fato, conquanto a nomeação de árbitro de urgência possa incrementar os custos do procedimento arbitral, ao mesmo tempo isenta a parte tanto da necessidade de contratar advogado para atuar na esfera judicial, quanto das despesas com o processo correlato (de natureza cautelar) no Poder Judiciário.

 


[1] Sobre a tema, veja-se: GOUVEIA, Mariana França & ANTUNES, João Gil. The suitability of the emergency arbitrator for investment disputes. In: e-Pública, Vol. 6, nº 2, setembro 2019, p. 9/35. Disponível em: https://www.e-publica.pt/volumes/v6n2a03.html. Acesso em 02.03.2021; GRION, Renato Stephan. Árbitro de emergência – perspectiva brasileira à luz da experiência internacional. In: CARMONA, Carlos Alberto, LEMES, Selma Ferreira & MARTINS, Pedro Batista. 20 anos da lei de arbitragem. São Paulo: Atlas, 2017, p. 403-448; MARQUES, Paula Menna Barreto. Árbitro de emergência. In: CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro, GRECO, Leonardo & DALLA, Humberto. Temas controvertidos na arbitragem à luz do código de processo civil de 2015. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018, p. 209-223. Para uma análise pela perspectiva das decisões tomadas pelas cortes judiciais americanas, confira-se: THOMAS, Erin. Review of emergency arbitral relief – recente developments in US case law. In: GONZÁLES-BUENO, Carlos. 40 under 40 international arbitration. Spain: Dykinson S.L., 2018, p. 349-356.

[2] Artigo 22-B da Lei de 9.307/96: “Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.

[3] Vide, a título ilustrativo, o artigo 25 da Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC: “Artigo 25 – As decisões tomadas pelo Árbitro de Emergência, por seu caráter provisório, não vinculam o Tribunal Arbitral o qual, uma vez constituído, será competente para modificar, revogar ou anular qualquer decisão previamente tomada”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[5] Reza o §2º do artigo 1º da Resolução Administrativa 32/2018 da CAM-CCBC: “§2º Não haverá intervenção do árbitro de emergência nos seguintes casos: (a) Se as partes celebraram convenção de arbitragem anterior à presente Resolução e não incluíram, posteriormente, a opção por se submeterem ao procedimento de árbitro de emergência, ou (b) Se as partes não convencionaram expressamente a aplicação das regras relativas ao árbitro de emergência.” Disponível em: ˂https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/resolucoes-administrativas/ra-32-2018-ref-procedimento-do-arbitro-de-emergencia/˃. Acesso em: 02.03.2021. Ressalte-se, entretanto, que a CAM-CCBC alterou o regime jurídico aplicável ao árbitro de emergência, no ano de 2020, passando do modelo opt in para o modelo opt out. Confira-se, a propósito, a Resolução Administrativa 44/2020 da CAM-CCBC. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[6] Vide artigo 29 (5) (6) do Regulamento de Arbitragem da CCI: “5 Os artigos 29(1)-29(4) e as Regras sobre o Árbitro de Emergência previstas no Apêndice V (coletivamente as “Disposições sobre o Árbitro de Emergência”) serão aplicáveis apenas às partes signatárias, ou seus sucessores, da convenção de arbitragem, que preveja a aplicação do Regulamento e invocada para o requerimento da medida. 6 As Disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando: a) a convenção de arbitragem que preveja a aplicação do Regulamento foi concluída antes da data de entrada em vigor do Regulamento; b) as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das Disposições sobre o Árbitro de Emergência; ou c) as partes tiverem convencionado a aplicação de algum outro procedimento pré-arbitral o qual preveja a possibilidade de concessão de medidas cautelares, provisórias ou similares.” Disponível em: ˂https://iccwbo.org/publication/2017-arbitration-rules-and-2014-mediation-rules-portuguese-version/?preview=true˃. Acesso em: 02.03.2021.

[9] “4.1. Aceito o Requerimento, o Presidente da CAMARB individualmente ou, na ausência ou impossibilidade deste, o Vice-presidente de Arbitragem da CAMARB, em conjunto com outro Vice-presidente, nomearão, em até 2 (dois) dias, um Árbitro de Emergência dentre os membros da Lista de Árbitros da CAMARB.” Disponível em: ˂http://camarb.com.br/arbitragem/resolucoes-administrativa/resolucao-administrativa-n-06-20/˃. Acesso em: 02.03.2021.

[10] “Artigo 9º – A Presidência do CAM-CCBC, ao admitir o procedimento do Árbitro de Emergência, nomeará um Árbitro de Emergência dentre os membros do Corpo de Árbitros”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.    

[11] Vide o regulamento de arbitragem esportiva do CBMA. Disponível em: http://www.cbma.com.br/regulamento_esportiva_2019. Acesso em 02.03.2021.

[12] “Procedimento – Artigo 20 – O árbitro de emergência deverá conduzir o procedimento da maneira que considerar apropriada tendo em vista a natureza da controvérsia e a urgência do Requerimento, observados os princípios da ampla defesa, do contraditório e da igualdade de tratamento das partes. Parágrafo único – Após o recebimento dos autos, o árbitro de emergência deverá estabelecer calendário provisório para o procedimento”. Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/#:~:text=Artigo%201%C2%BA%20%E2%80%93%20A%20parte%20que,termos%20das%20regras%20dispostas%20abaixo. Acesso em: 02.03.2021.

[13] TJ-SP, Apelação Cível nº 1027689-46.2017.8.26.0506, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Desembargador Alexandre Lazzarini, DJ 09.05.2019.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio, pós-Doutor em Direito Processual pela UERJ, vice-presidente de Assuntos Acadêmicos do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA, professor da Universidade Cândido Mendes, da EMERJ e do Mestrado da Ambra University, research Fellow no The Baldy Center for Law & Social Policy da SUNY Buffalo Law School e Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution - RBADR.

  • é presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR, presidente da Comissão de Arbitragem dos BRICS da OAB Federal, professor da FGV Direito Rio, master of Laws pela New York University – NYU, mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, procurador do município do Rio de Janeiro.

  • é procurador do município do Rio de Janeiro, sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados, árbitro, consultor jurídico, pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York), doutor em Direito pela UVA-RJ, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ, especialista em Direito do Estado pela UERJ, membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ), professor titular de Direito Administrativo do IBMEC, professor do programa de pós-graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e Doutorado do PPGD/UVA, professor de Direito Administrativo da EMERJ e do curso Forum, professor dos cursos de pós-graduação da FGV e Cândido Mendes e ex-defensor Público Federal.

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