Opinião

Banco Central: autonomia operacional, mas não independência

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11 de março de 2021, 20h42

Após quase 30 anos de discussão sobre o tema, foi sancionada a Lei nº 179, de 24 de fevereiro de 2021, que, entre outros aspectos, objetiva conferir autonomia técnica, operacional e financeira ao Banco Central (Bacen), que finalmente deixa de ser vinculado ao Ministério da Economia.

O Banco Central do Brasil tem como sua maior principal missão controlar a inflação e também cuidar da estabilidade e eficiência do sistema financeiro, de modo a suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o emprego no país. Em outras palavras, compete ao Bacen estimular a economia através de medidas baseadas em uma política sólida e capaz de afastar a estagnação econômica.

Tendo isso em vista, as constantes influências políticas tão presentes em Brasília por (inúmeras) vezes acabam por interferir justamente no planejamento técnico desenhado a longo prazo. Nesse sentido, a autonomia do Bacen tem claramente o condão de diminuir a influência, principalmente do Poder Executivo, impedindo, por exemplo, que o presidente da República demita a diretoria da instituição de maneira unilateral e carente de critérios técnicos.

É justamente nessa seara que a nova lei estabeleceu uma importante alteração ao tornar os mandatos dos membros do Bacen fixos e não mais coincidentes com o mandato do presidente da República.

Além disso, foi conferida maior estabilidade aos membros ao limitar as hipóteses de desligamento dos diretores (inclusive do diretor presidente) à seguintes situações: 1) a pedido do próprio titular do cargo; 2) em caso de doença que incapacite o exercício do cargo; 3) quando sofrerem condenação, com decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de ato de improbidade administrativa ou de crime cuja pena acarrete, ainda que temporariamente, a proibição de acesso a cargos públicos; e/ou 4) comprovado e recorrente desempenho insuficiente de suas funções e atividades.

Outro ponto importante foi a criação de um período restritivo de seis meses após o fim do mandato, de modo que os diretores (incluindo o presidente) estão proibidos de participar do controle societário ou ocupar cargo, com ou sem vínculo empregatício, em instituições do Sistema Financeiro Nacional. Isso certamente contribui para evitar que interesses públicos e privados se misturem em eventual transição dos diretores.

Por sua vez, os vetos presidenciais consistiram justamente na exclusão das demais restrições originalmente previstas no texto do Projeto de Lei Complementar nº 19/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), quais sejam: 1) os diretores (incluindo o presidente) não poderiam exercer qualquer outro cargo, público ou privado, exceto o de professor; e 2) referidos diretores, bem como seus cônjuges ou parentes de até segundo grau, não poderiam ter participação acionária em instituições reguladas pelo Bacen.

Sendo assim, os diretores (incluindo o presidente) estão livres para exercer outras atividades e não apenas a de professor. Cumpre destacar que o principal objetivo do veto presidencial foi evitar que os diretores do Bacen ficassem impedidos de assumir cargos não remunerados de relevância em outros órgãos, tais como Conselho Monetário Nacional, Fundo Monetário Internacional, entre outros.

Além disso, a presidência entendeu que a vedação era ampla demais (compreendendo até mesmo aquisição indireta de ações mediante participação em fundos de investimentos) e considerou que a Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813/13) já proibia que os diretores do Bacen mantivessem negócios com as instituições reguladas pela autarquia.

Não podemos nos deixar enganar. Como se vê, apesar de mitigar os riscos de interferência política, a nova lei não garante a plena independência ao Bacen, como ocorre, por exemplo, com o Federal Reserve, mas, sim, uma autonomia operacional. Isso porque as metas de inflação continuam sendo definidas pelo Conselho Monetário Nacional, que é composto pelo ministro da Economia, pelo presidente do Bacen e pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia.

É inegável, porém, que o Bacen terá autonomia para atingir as referidas metas e que a prevalência de decisões técnicas conferirá maior credibilidade à política econômica brasileira, tudo isso em meio a desconfiança dos investidores nacionais e estrangeiros. Somente o tempo para confirmar se na prática a nova lei conseguirá de fato se sobrepor ao velho jogo político.

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