Opinião

O 'caso Daniel Silveira' e como devemos permanecer no Estado de Direito

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

11 de março de 2021, 13h39

O deputado federal Daniel Silveira proferiu ataques muito severos contra membros da nossa mais alta corte constitucional, em um claro exemplo de contempt of court (desrespeito ao tribunal). Tal atitude de menosprezo às autoridades judiciais merece ser apurada e punida de forma a criar no espírito dos cidadãos a necessidade de respeitar a lei e nossas instituições.

A democracia como condição de desenvolvimento de um povo e de uma nação nos possibilita o exercício da liberdade de expressão e a livre manifestação de ideias, direitos esses que funcionam como sustentáculos do próprio sistema democrático. Mas tais direitos devem respeitar determinados limites. Essa é uma exigência do bom convívio comunitário.

Vale destacar que as declarações emitidas por Daniel Silveira extrapolam a imunidade material (chamada de freedom of speech), ou seja, a inviolabilidade garantida na esfera cível e penal aos deputados federais e senadores por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (vide o artigo 53, caput da CF/88), inclusive considerada como causa excludente de tipicidade penal (STF, inquérito nº 2.273/DF, relatora ministra Ellen Gracie, j. 15.05.08; STJ, HC nº 443.385/GO, relator ministro Ribeiro Dantas, j. 6/6/19).

Contudo, as providências tomadas pelas nossas autoridades judiciais para dar uma resposta ao fato praticado pelo parlamentar podem ser duramente criticadas pela dogmática jurídica, especialmente pela intelligenza constitucional e processual penal. Vou me ater a alguns pontos, os quais considero que merecem relevo.

Primeiro de tudo, cabe destacar que a prisão administrativa no Brasil é uma medida excepcional, pois a regra é a autoridade judiciária, por ordem escrita e fundamentada mandar prender alguém (vide o artigo 5º, inciso LXI, da nossa Carta Política). A prisão em flagrante é uma exceção a esse mandamento constitucional. No caso em tela, o STF emitiu um mandado de prisão para realizar a prisão em flagrante do deputado. Algo incomum para se dizer o mínimo.

O ideal teria sido esperar a Câmara dos Deputados validar ou não a prisão em flagrante e só depois de validada, dar prosseguimento com a realização da audiência de custódia para que se pudesse decidir sobre a prisão preventiva ou a substituição de medidas cautelares diversas da prisão (em conformidade com o artigo 319 do Código de Processo Penal).

Ademais, cabe destacar que, na hipótese de se considerar que a imunidade material deve ser afastada por não ter a conduta do deputado federal relação com as funções, não deveria ser aplicada o foro por prerrogativa de função, o qual inclui somente os crimes cometidos no exercício da função ou em razão dela, na ótica do Supremo Tribunal Federal.

Ainda em relação ao caso específico de Daniel Silveira, a própria investigação foi instaurada no Inquérito das Fake News, que, de forma bem nítida, é uma clara ofensa ao estilo acusatório de processo penal, uma vez que a autoridade que investiga será a mesma que irá julgar. Onde fica o princípio do juiz imparcial? Se a Constituição demarcou as funções de cada agente da persecução criminal, nós devemos respeitar esse desenho normativo.     

Repito. Se temos um agente que praticou crimes por meio de declarações manifestamente ofensivas contra membros da nossa mais alta corte, devemos nos empenhar em apurar o fato praticado e dar uma resposta jurídica adequada ao caso, mas sem atropelar a nossa normativa constitucional e processual penal, pois essas são a nossa âncora para evitar que fiquemos ao sabor das correntezas e dos ventos do autoritarismo.

O Direito foi criado para lutar contra o arbítrio. Mas, em nome da própria aplicação dele, não podemos nos dar ao luxo de abreviar o procedimento sem amparo normativo e constitucional e nem podemos também admitir a sua aplicabilidade pela metade. Assim como não existe ética pela metade, também não existe Direito pela metade. Portanto, devemos permanecer no Estado de Direito.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!