Lavajatistas criaram grupo para articular medidas contra Gilmar Mendes
10 de março de 2021, 20h33
Os procuradores das forças-tarefa da autodenominada "operação lava jato" criaram um grupo de mensagens no Telegram para articular medidas contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Isso porque o magistrado vinha tomando medidas que contrariavam os interesses da operação, como a revogação de prisões preventivas. O resultado dos esforços foi um artigo criticando liminares do magistrado.
As mensagens constam de petição apresentada pela defesa do ex-presidente Lula, nesta segunda-feira (8/3), ao Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido pela Polícia Federal no curso de investigação contra hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades.
"Prezados, criei este grupo para adotarmos medidas contra o Gilmar Mendes", disse o procurador Diogo Castor de Mattos em 30 de outubro de 2018. "Tô dentro!!! faço o que for preciso", respondeu Thaméa Danelon, procuradora do Ministério Público Federal em São Paulo.
Em seguida, Castor perguntou quantos investigados pela franquia paulista haviam sido soltos. Ele explicou que era preciso saber o número dos libertados em todos estados em que a "lava jato" atuava e apontou que, no Paraná, 26 acusados tinham tido a sua prisão revogada em duas semanas.
"De cabeça", Thámea informou que Laurence Casagrande, Pedro da Silva e Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, tinham sido soltos — este por duas vezes. Com as informações, Castor informou que iria "escrever um artigo forte". Em seguida, enviou minuta do texto ao grupo.
José Augusto Vagos, da força-tarefa da "lava jato" no Rio de Janeiro, gostou do artigo. "Muito bom, Diogo, a semelhança com a Itália é impressionante… certamente o GM [Gilmar Mendes] vai espumar…" Mas ele ressaltou que, diferentemente do que apontou Castor, algumas das liminares em Habeas Corpus concedidas por Gilmar foram submetidas — e confirmadas — pela 2ª Turma do STF.
Em 5 de novembro, Diogo Castor perguntou: "Alguém conseguiu os numeros e nomes de presos soltos por gilmar em SP e RJ e quais desses casos houve julgamento do agravo?" Thámea respondeu que conseguiu e iria pedir para um assessor lhe enviar os dados de São Paulo. Quanto aos do Rio, a procuradora Mônica Campos de Ré enviou levantamento do site Jota que informou que Gilmar Mendes já havia libertado 37 investigados da "lava jato" no estado.
Castor então disse que iria mandar publicar o artigo no jornal O Globo e afirmou que "seria legal que colegas do RJ e SP tb assinassem". "Quem se voluntaria?", questionou. Thámea Danelon e José Augusto Vagos se prontificaram.
O artigo acabou sendo publicado em 14 de dezembro de 2018 no jornal O Estado de S. Paulo. No texto, Castor, Thámea e Vagos retomaram a comparação entre o cenário de corrupção da Itália nos anos 1980 e 1990 e o do Brasil atual. Os procuradores citaram que, em 1991, um juiz da Suprema Corte italiana, Corrado Carnevale, que era conhecido por "anular processos contra mafiosos por vícios formais", começou a libertar diversos chefes de máfias que estavam presos preventivamente, sob a alegação de demora no julgamento de recursos. Posteriormente, foi revelado que o magistrado tinha ligações com mafiosos.
Conforme os integrantes do MPF, até novembro de 2018, a "lava jato" no Paraná havia gerado 226 condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, "levando à prisão altas autoridades da República, incluindo um ex-presidente [Lula] que somente foi detido após um difícil julgamento na Suprema Corte brasileira". "Parecia uma grande vitória, mas foi o início de mais uma guerra contra o sistema de compadrio que se instalou no país", ressalvaram, passando a atacar Gilmar Mendes.
"Nos meses seguintes à prisão de Lula, o ministro Gilmar Mendes do STF começou a soltar quase todos os presos provisórios da operação 'lava jato' do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Curitiba. Em casos de São Paulo e Curitiba os pleitos de liberdade foram endereçados diretamente ao magistrado, sem sorteio, com as defesas alegando esdrúxulas prevenções com outros casos totalmente diferentes. Desta forma, em pouco tempo e com decisões genéricas foram soltos pelo menos 60 presos por corrupção e lavagem de dinheiro nesses Estados."
Os procuradores concluíram o texto destacando que Gilmar deveria levar a julgamento os recursos de suas decisões de soltura, "que claramente violam regras básicas de distribuição de processos e afrontam princípios do devido processo legal como do juiz natural". "Como diria Luther King, 'o que nos preocupa não é o grito dos maus e sim o silêncio dos bons'", encerraram Castor, Thámea e Vagos.
Inimigo da "lava jato"
As mensagens de Telegram mostram, em diversos momentos, o descontentamento dos procuradores da "lava jato" com Gilmar e as tentativas deles de investigar o ministro e até pedir o impeachment dele.
Procuradores do MPF no Paraná buscaram atacar os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e enfraquecer Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, para retirá-lo da relatoria da "lava jato". "Toffoli e Gilmar todo mundo quer pegar. Mas é difícil fazer algo", afirmou Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da "lava jato" no Paraná, em 13 de julho de 2016. O ministro Alexandre de Moraes também era alvo do MPF.
"Acho que podemos alimentar os movimentos para direcionarem atenção para Alexandre de Moraes. Se pegar sem a nossa cara, melhor, pq fico penando [pensando] em possível efeito contrário em nós querermos colcoar [colocar] o STF contra a parede. Até postei hj sobre o Alexandre de Moraes, e se quiser postar o que quiser manda ver, mas acho que a estratégia de usarmos os movimentos será melhor, se funcionar", prossegue o procurador.
Em maio de 2017, Deltan afirmou que cogitou pedir o impeachment de Gilmar caso a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal soltasse o ex-ministro Antonio Palocci. Porém, ele desistiu da ideia após saber que o advogado Modesto Carvalhosa iria pedir a destituição do magistrado. Thaméa Danelon colaborou com o advogado na redação do pedido de impeachment de Gilmar Mendes.
Um ano depois, Dallagnol, irritado por causa de um Habeas Corpus concedido por Gilmar Mendes a Paulo Preto, passou a arquitetar uma investida contra o ministro. "Precisamos reagir ao GM [Gilmar Mendes]. Vou articular com SP e RJ algo. Caros precisamos fazer algo em relação a GM", disse Dallagnol, se referindo às ramificações da "lava jato" no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O chefe da força-tarefa da "lava jato" no Paraná, Deltan Dallagnol, articulou em 2018 um manifesto pela suspeição do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, nos casos envolvendo a "lava jato". Eduardo El Hage, líder da operação no Rio, também participou da conversa.
"Caros precisamos fazer algo em relação a GM [Gilmar Mendes]. Acho que um bom começo seria alguém fazer um estudo das decisões deles que mantiveram prisões antes da Lava Jato e DIRANTE [durante] a LJ em outros casos e mostramos INCOERÊNCIA. Assinamos todos os procuradores da LJ […] Das três FTS [forças-tarefa]", disse Dallagnol, em referências às franquias de Curitiba, Rio e SP.
"Alguém depois joga online, uma entidade, e faz abaixo assinado pela suspeição dele noss casos da LJ", prossegue o chefe da "lava jato" em Curitiba.
El Hage responde: "Eu acho ótimo! Já tinha pensado nisso também. O problema é a falta de tempo para a pesquisa. Estamos mega atolados aqui no Rio".
Investigação contra Gilmar
Em agosto de 2019, o El País, em parceria com o The Intercept Brasil, revelou outro episódio envolvendo investidas contra Gilmar. A reportagem divulgou conversas em que os integrantes do MPF no Paraná planejaram usar a investigação contra Paulo Preto para tentar emparedar o ministro do Supremo.
Dallagnol sugeriu pedir que autoridades da Suíça procurassem menções específicas ao nome do ministro para saber se havia relação entre ele e Paulo Preto.
As conversas também revelam que a "lava jato" em Curitiba cogitou pedir o impeachment de Gilmar ao Senado. Desistiram quando a procuradora Laura Tessler disse ter ficado sabendo que o advogado Modesto Carvalhosa protocolaria uma solicitação dessa natureza.
"Nós não podemos dar a entender que investigamos GM. Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo", disse Dallagnol ao grupo. Logo em seguida, ele sugeriu que fossem apuradas ligações de Paulo Preto para telefones do Supremo. "Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso", acrescentou o procurador Paulo Galvão.
Procuradores da República que oficiam em primeiro grau não podem investigar ministros do Supremo. Roberson Pozzobon tentou ser a voz da razão, mas também sugeriu ignorar a competência do MPF. "Acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta".
Articulação com partido
Outra reportagem, dessa vez publicada pelo UOL, também em parceria com o Intercept, revelou que Dallagnol articulou com o partido Rede Sustentabilidade para que uma ação fosse ajuizada contra Gilmar.
De acordo com as conversas, a "lava jato" queria manter o ministro do STF longe de julgamentos envolvendo a "operação". A iniciativa começou depois que Gilmar determinou a soltura de Beto Richa (PSDB), ex-governador do Paraná.
"Resumo reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai expandir decisões da Integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da Rede para preservar juiz natural", disse Dallagnol em grupo de procuradores no Telegram no dia 9 de outubro de 2018.
Duas horas depois, ele voltou para contar que o senador Randolfe Rodrigues (Rede) "super topou" propor uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. No dia seguinte, 10 de outubro, o procurador Diogo Castor falou que enviou uma sugestão de ADPF para assessor de Randolfe.
Já no dia 11, a Rede protocolou a ADPF que pedia que Gilmar Mendes fosse impedido de "liberar indiscriminadamente" presos na operação. No pedido, os advogados afirmaram que o ministro concedeu "extravagantes liminares" e Habeas Corpus de ofício a pelo menos 26 investigados em crimes de corrupção.
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