Opinião

Cadastro obrigatório para empresas não contribuintes é inconstitucional

Autor

  • Bruna Chan

    é pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC-SP e associada do escritório Silveira Athias Soriano de Melo Guimarães Pinheiro & Scaff Advogados.

10 de março de 2021, 15h07

Não é recente a discussão acerca da constitucionalidade dos cadastros exigidos por diversas prefeituras por todo o território nacional visando a evitar que empresas estrategicamente migrem seus registros para outras cidades com cargas tributárias inferiores.

Passados quase três anos desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da controvérsia alusiva à constitucionalidade de lei municipal a determinar retenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) pelo tomador de serviço, em razão da ausência de cadastro, na Secretaria de Finanças de São Paulo, do prestador não estabelecido no território do referido munícipio (Tema n° 1.020), a composição Plena da Suprema Corte decidiu por declarar incompatível com a Constituição Federal a obrigatoriedade de cadastro.

Sob esse entendimento foi dado provimento ao Recurso Extraordinário n° 1.167.509/SP, interposto pelo Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Mello e fixada a seguinte tese: "É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) quando descumprida a obrigação acessória".

A entidade sindical representa empresas prestadoras de serviços de processamento de dados e serviços de informática do Estado de São Paulo. No caso, as empresas filiadas à recorrente prestam serviços a terceiros em diversas localidades e recolhem o ISS, nos termos da Lei Complementar n° 116/2003 e da Lei Municipal n° 13.701/2003, no local do estabelecimento prestador.

No entanto, com a edição da Lei Municipal n° 14.042/2005, que alterou o artigo 9° da Lei n° 13.701/2003, as empresas filiadas à recorrente que não estivessem estabelecidas no município de São Paulo, mas prestassem serviços para tomadores estabelecidos naquele município, deveriam promover a sua inscrição em cadastro da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo, denominado Cadastro de Empresas de Fora do Município (CPOM), sob pena de sofrerem a retenção do ISS.

Assim, sustentando que a referida norma fere o princípio da territorialidade, a Lei Complementar n° 116/2003 e o Código Tributário Nacional, ao aduzir que a necessidade de cadastramento indica uma obrigação acessória imposta a pessoas que não são contribuintes do município, o sindicato recorrente impetrou o mandado de segurança coletivo distribuído sob o n° 053.05.027.144/2.

O juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital denegou a segurança requerida sob o argumento de que o cadastramento na Secretaria de Finanças do Município de São Paulo não ofenderia o princípio da territorialidade e a referida legislação não acarretaria a incidência do ISS em dois municípios diversos (bitributação). Referido entendimento foi ratificado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ensejando a interposição do recurso extraordinário.

Enquanto ainda não havia sido finalizado o julgamento virtual, diversas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo já apontavam para o sentido ora confirmado. Inclusive, em que pese ter sido declarada constitucional a norma pelo Tribunal de Justiça, restou assentado o entendimento de que a Lei n° 14.042/2015 não poderia gerar obrigação tributária por parte de quem não tem capacidade tributária passiva em relação ao pagamento do ISS [1].

Para o relator do RE n° 1.167.509/SP, ministro Marco Aurélio Mello, a retenção do ISS decorrente da ausência de cadastro na prefeitura local configura modificação do critério espacial e da sujeição passiva do tributo, revelando duas impropriedades formais: a usurpação da competência legislativa da União, bem como a inadequação do meio de legislar.

O voto do relator foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux, enquanto os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli votaram de forma pró-Fisco.

Ao analisar a legislação que dispõe sobre o ISS, a decisão proferida pela Suprema Corte é irretocável. Tendo o artigo 3° da Lei Complementar n° 116/2003 determinado que, regra geral, o ISS é devido no local do estabelecimento ou domicílio do prestador de serviço, a ausência de cadastramento em determinada prefeitura não tem competência para modificar o aspecto espacial do imposto.

A retenção se torna ainda mais absurda quando verificado que o próprio município reconhece, por meio de provas juntadas pela empresa, que o serviço foi efetivamente prestado em outra localidade, porém, ainda assim retém o valor do tributo. Tal incoerência demonstra que o fato gerador do ISS deixa de ser a prestação de serviço para se tornar a ausência de cadastro na Secretaria de Finanças do município, em completa contrariedade à legislação em regência.

Sob esse contexto, o mesmo entendimento firmado no RE n° 1.167.509/SP, Tema n° 1.020, em repercussão geral, de que são inconstitucionais os cadastros de ISS, deve ser aplicado imediatamente em todos os casos análogos que tramitam ou venham a tramitar no Poder Judiciário, em consonância com o artigo 927 do Código de Processo Civil.

Isso pode vir a facilitar o quotidiano das empresas, aliviando-as de mais uma obrigação acessória, que muitas vezes atrapalha muito mais do que auxilia.

 


[1] Vide acórdãos proferidos nas Apelações n°s 1011072-41.2019.8.26.0053 e 1024418-59.2019.8.26.0053.

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    é pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC-SP e associada do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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