Opinião

Histórias de homens que matam

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8 de março de 2021, 9h11

"Na noite de 20 para 21 do passado, distante uma legua de Botucatu, Francisco de Carvalho Bastos, conhecido por Chicuta, assassinou sua própria esposa, degolando-a e dando-lhe no peito oito profundas navalhadas".

A transcrição acima foi retirada da página 2 da edição de 5 de julho de 1885 do Diario de Noticias, periódico da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império. Naquela data, ainda perdurava no Brasil, o último das Américas, a tragédia histórica que foi a escravidão. Tínhamos ainda monarquia. Ou seja, século 19, escravidão, monarquia e Rio de Janeiro capital.

Atravessamos o seguinte e chegamos ao século 21. A escravidão, embora seus reflexos ainda perdurem, foi abolida. A monarquia, apesar de um inusitado plebiscito a respeito em 1993, c’est fini, ao menos por aqui. São Sebastião do Rio de Janeiro já não é capital do Império, nem da República.

Voltando à antiga notícia, podemos notar que outras coisas também mudaram. A légua caiu em desuso, como também em desuso caiu a navalha como arma de crime. Entretanto, o assassinato da "própria esposa", adjetivo talvez empregado por estilo da época, não era novidade naquele século 19. Afinal, no século 1º, Nero matou sua esposa Pompeia Sabina a pontapés. Mas o imperador da harpa não foi o primeiro uxoricida, sendo a história pródiga em casos de homens que assassinaram a esposa ou que deram esse comando, ocupando Henrique VIII meritório espaço nessa triste galeria, com duas esposas decapitadas.

Assassinatos de mulheres por homens com quem mantiveram relacionamento afetivo não são apenas fatos históricos. Infelizmente, isso não mudou e a estatística assusta. Estima-se que no Brasil três mulheres por dia sejam vítimas fatais de atuais ou ex-companheiros. O feminicida não é mito e o assunto é grave e urgente.

Chicuta, Nero, Henrique VIII, Marcos, Antonios e Josés, repletos de ódio, consumam com navalhas, chutes, espadas ou armas de fogo o ato final de seus relacionamentos, aplicando sanção sem pena e nem piedade àquelas que lhes caberia proteger.

Fica a certeza e a lição: há homens que agridem e esses são os que matam. E, inacreditavelmente, ainda o fazem no século 21, em Botucatu e em qualquer outro lugar.

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