Opinião

Sobre o direito ao esquecimento

Autor

  • Álvaro Villaça Azevedo

    é doutor em Direito professor titular de Direito Civil-USP regente de Pós-Graduação e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP; da Faculdade de Direito da Mackenzie; e da Faculdade de Direito da FAAP.

8 de março de 2021, 7h14

O direito ao esquecimento implica a situação de alguém pedir ao Poder Judiciário a proibição da publicação ou exibição de fato antigo, mesmo que verdadeiro, objetivando a defesa da intimidade.

Spacca" data-GUID="alvaro-villaca-spacca.png">Assim agindo, quer a pessoa esquecer o seu passado, impedindo a reprodução de fatos antigos que lhe são desabonadores ou à sua família.

Registre-se que, em julgamento terminado em 11 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal votou pelo não provimento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.010.606, do Rio de Janeiro, em que se discutiu sobre o direito ao esquecimento no âmbito do Direito Civil.

O relator da matéria foi o ministro Dias Toffoli, que entendeu o direito ao esquecimento como incompatível com a liberdade de expressão, não sendo acolhido pela Constituição Federal. Segundo esta, entende o ministro, não pode restringir-se a veiculação de informações verdadeiras.

O voto do ministro Dias Toffoli foi ofertado em parte, no começo desse julgamento, em 4 de fevereiro, no Plenário do Pretório Excelso.

Nesse julgamento, o ministro Luiz Edson Fachin, com grande formação civilista, destacou, em seu voto divergente, a posição contrária de seus colegas ministros do STF, que negaram a existência do direito ao esquecimento como incompatível com a Constituição Federal.

Apontou o ministro Fachin que, "ainda que não o nomeie expressamente, a Constituição da República, em seu texto, alberga os pilares do direito ao esquecimento, porquanto celebra a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CRFB/88), o direito à privacidade (artigo 5º, X, CRFB/88) e o direito à autodeterminação informativa que fora reconhecido, por exemplo, no referendo das medidas cautelares nas ADIs 6.387, 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393, todas de relatoria da ministra Rosa Weber (artigo 5º, XII, CRFB/88)".

Além de citar outras decisões monocráticas ou no interior das turmas da corte, fundadas na noção do direito ao esquecimento, lembra que já houve, na IV Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, a aprovação do Enunciado nº 531, de 2014, de acordo com o qual "a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento".

Conclui esse ministro que o Direito brasileiro "alberga um direito ao esquecimento".

No mérito, o mesmo ministro admitiu a impossibilidade dos requerentes do recurso quanto à prevalência do direito ao esquecimento sobre a preferência da liberdade de expressão, naquele caso sob julgamento.

O Supremo Tribunal Federal sempre prestigiou os direitos da personalidade.

Eu, da mesma forma, considerei o direito ao esquecimento como direito da personalidade.

Em meu curso de Direito Civil [1], declarei que não há enumeração taxativa dos direitos da personalidade em nossa Constituição Federal ou no Código Civil, como expressão da liberdade e do respeito à dignidade da pessoa humana, independentemente de constar na lei.

Lembrei à ocasião que há tantas situações que os seres humanos gostariam de esquecer, como momentos mal vividos, fotografias eróticas, exclusão do nome do cadastro de devedores, quando possível, exclusão de dados pessoais, entre outras.

Cito, então, em minha obra, Zilda Mara Conselter  que desfila casos de insatisfações humanas [2], mostrando que o direito ao esquecimento é inato "à categoria de direitos da personalidade, que se adquire durante a existência", sendo direito à integridade moral na clássica divisão de Rubens Limongi França.

Sob a alegação de que na reportagem objeto do referido julgamento não prevaleceu o direito ao esquecimento sobre o princípio da informação jornalística, porque a matéria versou sobre fatos concretos e verídicos do caso julgado, como se fosse um documentário retratando história da comunidade, ainda assim feriu, como visto, profundamente a memória de uma família, que viu ressurgidas cinzas de toda uma tragédia anteriormente vivida.

Entendo que, mesmo ante a verdade dos fatos há muito tempo acontecidos, poderiam ter sido poupados os nomes das pessoas do texto dessa tragédia. Não foi uma reportagem ocorrida no momento desse relato.

O respeito à memória e à tranquilidade espiritual deve revestir-se de um sigilo, após o fato acontecido, para que não se reescreva a história dos males e não se relembrem desgraças que o tempo deve apagar, para que não se perpetue o mal e as infelicidades.

É certo que os fatos não se apagam por lei ou por decreto, mas podem ser citados como exemplo, abstendo-se de usar os nomes das pessoas envolvidas, que não deram a devida autorização para que os mesmos se reproduzissem.

É bom que se evite o sensacionalismo e o exagero de ganho econômico sobre a memória alheia.

Nesse caso, o direito ao silêncio funciona como um tranquilizador, evitando-se o reviver de fatos já passados que passaram o limite do esquecimento ou as águas do Rio Lete, na crença da antiguidade.

 

[1] Teoria Geral do Direito Civil e Parte Geral, Ed. Saraiva Jus, São Paulo, 2ª ed., vol. I, ____, p. 58.

[2] Direito ao Esquecimento, Ed. Juruá, Curitiba, 2017, pp. 275 a 292, tese de doutoramento por ela defendida sob minha orientação, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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