Opinião

Uso dos dispute boards no Brasil está sob risco de retrocesso

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7 de março de 2021, 13h11

Os disputes boards, também conhecidos como comitês de solução de disputas, são instrumentos utilizados na solução de conflitos contratuais relacionados a obras, em especial as voltadas ao mercado de infraestrutura. Seu uso tem se mostrado extremamente eficaz mundo afora. Não à toa, é recomendado pelas principais entidades internacionais do setor e, até mesmo, exigido pelo Banco Mundial, quando este financia a implantação de empreendimentos nos países comodatários.

Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, o mecanismo é empregado de forma corriqueira. Já em escala global, são mais de U$ 270 bilhões em projetos de construção que contam com a ferramenta, segundo dados extraídos do Dispute Resolution Board Foundation.

No Brasil, o instrumento pode se tornar a grande arma contra problemas crônicos, conhecidos de todos os brasileiros: a paralisação e os atrasos na conclusão de obras públicas. Especialmente em contratos de longo prazo e com objeto de elevada complexidade técnica, é natural que surjam divergências entre as partes ao longo dos trabalhos. Os disputes boards proporcionam soluções rápidas e tecnicamente adequadas para tais disputas, impedindo que elas se avolumem ou se perpetuem a ponto de alcançar estados insolúveis.

O município de São Paulo foi precursor em reconhecer legalmente o uso do instrumento. Em 2018, promulgou a Lei nº 16.873, que regulamentou a utilização dos comitês de disputas em contratos celebrados com a Administração Pública municipal. A iniciativa legislativa teve projeção nacional e, logo após sua publicação, fez surgir dois projetos de lei no Congresso Nacional.

Entusiasmados, gestores públicos passaram a enxergar na ferramenta a oportunidade de, finalmente, fazerem suas obras fluírem. Tanto é assim que o Programa de Parcerias e Investimentos da presidência (PPI) passou a recomendar a inserção de cláusulas de dispute boards nos contratos, ressaltando, em relatório, as vantagens que o método oferece à consecução dos projetos.

Recentemente, contudo, dois passos foram dados na contramão dessa tendência. Em dezembro de 2020, ao apreciar os atos preparatórios da privatização de rodovias nos Estados do Mato Grosso e do Pará, conduzida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o uso do dispute board proposto pela agência na minuta contratual ficasse condicionado à sua prévia regulamentação (Acórdão nº.4.037/2020-Plenário).

A decisão do TCU, além de questionável sob o ponto de vista jurídico, pois não há norma que exija qualquer tipo de regulamentação, denota interferência indevida do controlador no campo decisório próprio da ANTT.

O segundo revés causa ainda mais consternação. Isso porque ele vem da própria Prefeitura de São Paulo, que, há três anos, despontou como protagonista no movimento que poderia mudar a realidade brasileira.

Agora, em marcha ré, a prefeitura lançou o Decreto 60.067/2021, determinando que apenas contratos precificados em R$ 200 milhões ou mais poderão utilizar-se dos dispute boards, o que faz agonizar a até então festejada lei de 2018. Afinal, pouquíssimas obras atenderão a esse critério despropositadamente elevado para se valerem da ferramenta. A política, que vinha sendo renascentista, não pode voltar à idade das trevas.

Sim, é necessário o contínuo aperfeiçoamento dos comitês de disputa, e a regulamentação, embora não exigível, pode ser útil para aclarar o seu funcionamento, desde que não elimine a adaptabilidade do instrumento às necessidades e características de cada caso.

Tanto a Prefeitura de São Paulo como o TCU podem ser grandes impulsionadores da ferramenta no Brasil, pela inquestionável capacidade de seus corpos técnicos, mas as correções de rumo são urgentes e fundamentais. O instrumento já deu provas de seus resultados positivos em todo o mundo. É hora de aproveitá-los, não de descartá-los.

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