Opinião

O debate sobre a dedutibilidade dos JCP pagos de forma retroativa ou acumulada

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7 de março de 2021, 6h35

A discussão quanto à dedutibilidade retroativa dos juros sobre capital próprio (JCP), apesar da ausência de qualquer critério ou limite temporal expressamente previsto no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, ainda é objeto de debate na esfera administrativa. Com o fim do voto de qualidade, os contribuintes podem encontrar um cenário mais favorável no Carf, inclusive em julgamentos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).

Com efeito, a norma reconhece a dedutibilidade dos JCP, na apuração do lucro real, dos valores pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas a seus titulares, sócios ou acionistas.

Tal pagamento tem como natureza a remuneração do capital investido na sociedade e está condicionado à existência de lucros (computados antes da dedução dos juros) ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior a duas vezes o valor a ser pago ou creditado.

Esse mecanismo também deve respeitar alguns requisitos para a dedução fiscal, como o efetivo pagamento ou crédito dos juros aos titulares, sócios ou acionistas da pessoa jurídica pagadora. Outro tópico a ser seguido é a limitação do montante a ser pago ao resultado da aplicação da taxa de juros de longo prazo (TJLP) pro rata dia sobre o valor do patrimônio líquido, além da retenção e recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IR/Fonte) sobre os valores pagos ou creditados.

A partir da definição desses requisitos, surgem as principais discussões quanto ao tema, que, na maioria dos casos, decorrem da interpretação conferida ao dispositivo legal em questão.

Em debates recorrentes sobre o assunto, as autoridades fiscais questionam a dedutibilidade dos JCP nos casos em que o pagamento dessa natureza ocorre em período posterior ao que se refere. Trata-se de situação em que a pessoa jurídica delibera e aprova o pagamento de JCP relativo a um exercício anterior.

Nesses casos, o Fisco adota a interpretação de que a apuração do lucro real a que se refere a redação do artigo 9º seria a do exercício corrente, exclusivamente. Na visão fiscal, caso a pessoa jurídica não tenha deliberado e aprovado o pagamento de JCP no próprio exercício, não seria permitido fazê-lo posteriormente.

A argumentação desenvolvida pelas autoridades fiscais se baseia em uma suposta violação ao regime de competência nos casos em que o pagamento dos JCP é aprovado e a despesa é deduzida em exercício diverso daquele a que se refere. Nessa hipótese, questiona-se a dedutibilidade da despesa no período corrente, quando, no entendimento fiscal, as bases quantitativas que ensejaram sua apuração (como o patrimônio líquido e a TJLP) referem-se a exercício anterior.

Sob a óptica dos contribuintes, a interpretação adotada pelo Fisco não parece se coadunar com a leitura do artigo 9º da Lei nº 9.249/95. Isso porque a redação do dispositivo em questão não estabelece qualquer limitação temporal à aprovação do pagamento dos JCP e, principalmente, à sua dedutibilidade.

Como descrito acima, as únicas condições previstas no mencionado dispositivo estão relacionadas a critérios quantitativos (como a existência de lucros e a limitação à variação diária da TJLP).

O legislador não estabeleceu qualquer determinação quanto à forma e/ou aos critérios de distribuição, assim como não se ocupou em impor qualquer barreira de natureza temporal. Logo, é razoável concluir que a possibilidade de deliberação e pagamento dos JCP não se extingue caso não tenha sido exercido em um determinado período.

Tal argumentação se alinha com a própria natureza dos JCP, que, como mencionado, visa a remunerar os sócios ou acionistas da pessoa jurídica pelo capital investido na sociedade.

O encerramento do exercício sem a deliberação dos JCP não parece suficiente para significar a renúncia do direito do sócio ou acionista à remuneração de seu capital investido, principalmente sem uma expressa determinação legal nesse sentido.

No que concerne ao regime de competência, embora a base de cálculo dos JCP esteja atrelada ao exercício a que se refere, a despesa com o seu pagamento ou creditamento não se origina do encerramento do exercício. Em outras palavras, o fator condicionante para o pagamento e dedutibilidade dos JCP não é o fim do período, mas a sua aprovação em assembleia pela pessoa jurídica e o cumprimento dos critérios quantitativos da norma.

Portanto, não parece haver violação ao regime de competência nos casos em que os JCP são deliberados, aprovados e pagos ou creditados em um exercício distinto ao que os juros se referem — e desde que os limites e condições estabelecidos expressamente no artigo 9º tenham sido observados.

A esse respeito, a CSRF tem adotado a linha de interpretação do Fisco, sustentando o argumento de que os JCP somente seriam dedutíveis no próprio exercício a que se referem.

No entanto, é relevante notar que parte dos casos julgados pela CSRF sobre o tema foram decididos pelo então vigente voto de qualidade (voto do presidente, representante do Fisco, nas hipóteses de empate).

Com a publicação da Lei nº 13.988/2020 (Lei do Contribuinte Legal), houve a inclusão no ordenamento jurídico o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, que determina que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo, não se aplica o voto de qualidade, resolvendo-se a questão de forma favorável ao contribuinte.

Assim, é possível que essa inovação legislativa influencie os próximos julgamentos administrativos quanto à dedutibilidade dos JCP pagos de forma acumulada ou retroativa, em favor dos contribuintes, alinhando-se à posição já manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.086.752/PR, em que se destaca o quanto segue: "A legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa. Ao contrário, permite que ela ocorra em ano-calendário futuro, quando efetivamente ocorrer a realização do pagamento".

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