Opinião

Vetos inoportunos na reforma da Lei de Recuperação e Falências

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6 de março de 2021, 7h13

A Lei nº 14.112/20, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 24 de dezembro de 2020, alterou em pontos relevantes os institutos da recuperação judicial, extrajudicial e falências. A sanção presidencial, entretanto, veio acompanhada de poucos, mas sensíveis, vetos, entre os quais se destacam aqueles relacionados à disciplina da (não) sucessão de terceiros adquirentes na alienação de ativos.

Nesse tocante, o projeto de lei previa alteração do parágrafo único do artigo 60 e a inserção de um §3º no artigo 66 da Lei 11.101/05, alterações essas que tinham o condão de tornar explícitas uma série de hipóteses, exemplificativas, em que não haveria sucessão (ou responsabilização) do adquirente na alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas (UPIs) dos devedores em contextos de insolvência. Em outras palavras, o projeto tentava deixar expresso que a não sucessão do adquirente contemplava inclusive obrigações de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, tanto em alienação prevista em plano de recuperação judicial aprovado e homologado (artigo 60, § único) quanto em alienação autorizada judicialmente (artigo 66, §3º).

Os vetos, por seu turno, basearam-se na premissa de que a previsão do projeto contrariaria a moldura constitucional vigente no que diz respeito às obrigações de natureza ambiental do devedor e estaria em descompasso com direitos relativos à probidade e à boa administração pública, além de ir de encontro ao interesse público e causar prejuízo ao erário, no que diz respeito às obrigações de natureza anticorrupção. Portanto, os vetos parecem transmitir a mensagem de que o terceiro adquirente deveria permanecer responsável, entre outras, pelas obrigações de natureza ambiental e anticorrupção do devedor.

Ademais, parece-nos relevante atentar que, sob o ponto de vista do mercado, os vetos ensejam o risco de produzir alguma insegurança jurídica. Isso porque, ao tecer razões fundadas na premissa de que as obrigações de natureza ambiental e anticorrupção supostamente não estariam alcançadas pela norma, os vetos, invocando princípios constitucionais, passam mensagem não alinhada com a aplicação da lei nos seus anos de vigência.

Ora, se por um lado a incerteza e a insegurança são ingredientes que geram perdas ao ambiente jurídico, porque na grande maioria dos casos de insolvência não há recuperação de um negócio sem a injeção segura de recursos por parte de terceiros investidores, por outro, parece-nos um alento constatar que as alterações previstas no projeto de lei, cujos vetos ora se analisam, apenas traduziam entendimento já formado pela doutrina e pela jurisprudência, no que diz respeito ao texto atual (e vigente!) do parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101/05.

Assim, a jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais estaduais já vinha reiteradamente reconhecendo a ausência de sucessão também com relação a outras obrigações que não apenas as de natureza tributária, prevista expressamente no texto legal. Na mesma linha, o Enunciado 104 da III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CGJ) chancelara o entendimento de que não há sucessão do adquirente inclusive com relação a penalidades pecuniárias aplicadas com base na Lei Anticorrupção.

Constitucionalmente, compete ao Congresso Nacional, em sessão conjunta, deliberar, sob o quórum da maioria absoluta dos deputados e senadores, acerca dos vetos presidenciais. Independentemente disso, entendemos desde já adequado referirmos que, mesmo com a eventual manutenção dos vetos, remanesce vigente o texto legal que estipula a regra geral de que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. A menção a obrigações de natureza tributária, no dispositivo vigente, consiste em mero exemplo, não excludente de obrigações de outras naturezas. 

Trata-se, portanto, de texto sobre o qual a jurisprudência e a doutrina já extraíram norma no sentido de não responsabilizar o terceiro adquirente por quaisquer obrigações do devedor, de forma que, sob o ponto de vista jurídico-normativo, a eventual manutenção dos vetos não possuirá o condão de modificar nem o texto vigente, nem tampouco a jurisprudência construída em 15 anos de vigência e aplicação da Lei 11.101/05.

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