Opinião

Incidência de ISS na venda de softwares traz segurança jurídica ao setor

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6 de março de 2021, 13h14

Nos últimos dias 18 e 24 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal parece ter posto fim à discussão da alta importância para o setor de tecnologia, discutidas nas Ações Diretas de Constitucionalidades (ADI) nº 1945 e nº 5659, decidindo pela tributação das operações com softwares pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) ao invés do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e modulando os efeitos dessa decisão para que valha somente a partir do julgamento, ressalvadas as discussões judiciais em curso.

Tratou-se de um dos maiores conflitos de competência na seara tributária: Estados alegavam serem mercadorias, sujeitando as operações de comercialização à incidência de ICMS, e municípios, por sua vez, enquadravam como prestação de serviços, exigindo, assim, o ISS. E, ainda, da parte dos contribuintes, há quem alegasse não ser um nem outro, mas bem intangível cujo direito de uso é cedido por meio de licença ou de acesso.

A discussão, que teve início ainda na década de 80, quando os softwares eram gravados em uma mídia física (primeiro os disquetes, e depois o CD-ROM) para chegarem aos consumidores, foi ganhando novos contornos com a evolução da tecnologia e de novos modelos de negócios. Com a internet, a disponibilização passou a ser por download através dos sites, e hoje em dia temos a disponibilização por streaming e no ambiente cloud (nuvem), com a utilização de servidores e infraestrutura do fornecedor e o usuário acessando via internet (site ou aplicativos, isto é, sem necessidade de instalação de arquivos em seus equipamentos), e mediante pagamento recorrente (modelo denominado SaaS software as a service).

De acordo com as duas decisões proferidas até então pelo STF, a operação de comercialização de softwares padronizados configuraria circulação de mercadoria e não prestação de serviço, sujeitando-se ao ICMS. No entanto, essa conclusão foi alcançada em 1998 a partir de julgamento de caso envolvendo os chamados softwares de prateleiras (off the shelf), aqueles comercializados em série, por meio de mídia física (disquetes/CD-ROM), no mercado comum, isto é, para um número indeterminado de consumidores, do que se diferenciaria os softwares customizados ou desenvolvidos por encomenda (RE 176.626).

Na outra decisão, proferida em 2010, em apreciação de medida liminar requerida na ADI nº 1945, que já abrangia as formas mais modernas de disponibilização de softwares, a corte, por ora, manteve seu entendimento pela incidência do ICMS.

Agora, após mais de 20 anos, a corte por maioria de votos (sete a quatro) alterou o entendimento e, considerando uma interpretação mais ampla do conceito de serviços, para além da simples obrigação de fazer (cf. RE 651.703), decidiu pela tributação pelo ISS, independentemente do meio pelo qual a operação com software é realizada, se por licenciamento de uso ou direito de acesso (cloud), por transferência eletrônica de dados (download e streaming), ou de "prateleira" (mídia física), ou customizado/desenvolvido por encomenda.

O mérito foi resolvido na sessão de julgamento de 18 de fevereiro, enquanto a modulação dos efeitos, na sessão do dia 24. Também por maioria de votos (dez a um), a corte decidiu modular os efeitos da decisão considerando o seu grande impacto e a fim de evitar mais judicialização sobre a questão, impondo que valerá somente a partir da data da publicação da ata de julgamento (efeito ex nunc), ressalvando os casos judicializados, conforme abaixo:

a) Empresas que recolheram somente o ICMS de fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata de julgamento não poderão requerer a restituição do tributo, e os municípios, por sua vez, não poderão lhes exigir o pagamento do ISS;

b) Empresas que recolheram somente o ISS sobre fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata de julgamento ficam com os recolhimentos validados e os Estados não poderão exigir o ICMS;

c) Empresas que recolheram tanto o ICMS como o ISS (bitributação) sobre os mesmos fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata de julgamento poderão requerer a restituição do ICMS, mesmo que não tenham ajuizado a ação ainda;

d) Empresas que não recolheram nem o ICMS nem o ISS sobre fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata de julgamento ficam sujeitas à cobrança de ISS pelos municípios, observado o prazo de prescrição;

e) Empresas que moveram ações, ainda em curso, discutindo a cobrança do ICMS, deverão ter seu processo decidido de acordo com a decisão proferida, isto é, pela incidência do ISS, e serem restituídas pelos valores já recolhidos ou depositados;

f) Estados que moveram ações, ainda em curso, exigindo a cobrança do ICMS, deverão ter seu processo decidido de acordo com a decisão proferida, isto é, pela incidência do ISS;

g) Empresas que moveram ações, ainda em curso, discutindo a cobrança do ISS deverão ter seu processo decidido de acordo com a decisão proferida, isto é, pela incidência do ISS, não sendo restituídas pelos valores já recolhidos ou depositados a esse título, que deverão ser convertidos em pagamento definitivo em favor dos municípios; e

h) Municípios que moveram ações, ainda em curso, exigindo a cobrança do ISS deverão ter seu processo decidido de acordo com a decisão proferida, isto é, pela incidência do ISS, ressalvado a hipótese de recolhimento do ICMS pelo contribuinte.

O deslinde da questão traz um alívio aos players do mercado. Além de o ISS ter alíquotas menores que o ICMS, a decisão impõe uma segurança jurídica há muitos anos inexistente, pois se viam no meio da disputa entre Estados e municípios pela tributação dessas operações, por vezes sofrendo autuação das duas esferas, exigindo não só os tributos, mas as multas de valores substanciais aplicáveis nos casos de lavratura de auto de infração.

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