Opinião

Good copyright, bad copyright

Autor

  • Mário Pragmácio

    é doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional (PUC–Rio) professor do Departamento de Artes e da pós-graduação em Cultura e Territorialidades da UFF e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

5 de março de 2021, 18h30

A revista Vice publicou uma série de reportagens que investigam uma nova prática da polícia de Beverly Hills, nos Estados Unidos, para impedir transmissões ao vivo realizadas por ativistas; acionar música protegida por copyright.

Com o objetivo de se resguardarem das filmagens feitas pelos manifestantes, em pelo menos três ocasiões, observou-se o mesmo modus operandi: os policiais sacavam um celular do bolso e tocavam músicas com som suficientemente alto para ser captado pela livestream, a exemplo de canções como "Yesterday", dos Beatles, e "Santeria", do Sublime. Mas qual a lógica por trás dessa insólita ação?

As plataformas de streaming possuem mecanismos que fazem uma varredura atrás de conteúdo protegido pelo sistema de propriedade intelectual, música e vídeo principalmente. Detectado o uso não autorizado das obras, o algoritmo executa tarefas que vão desde a derrubada da transmissão até o silenciamento do vídeo.

Esse assunto não é, a rigor, uma novidade. Isso ocorre diariamente no universo da produção de conteúdo para a internet, como ficou evidente no boom das lives, há cerca de um ano, sendo um dos temas mais recorrentes do Direito do entretenimento digital.

É a primeira vez, porém, que isso ocorre num contexto tão deslocado da indústria do entretenimento, que concebe os algoritmos a serviço da propriedade intelectual, um dos principais ativos da economia criativa.

Vale ficar atento; isso não é só um caso curioso que demonstra a engenhosidade e criatividade policial. Ele aponta para um perverso risco decorrente do mau uso dessa tecnologia, no sentido de violar direitos fundamentais, tais como a liberdade de manifestação e de imprensa, criando um ambiente propício aos abusos de poder.

Fazendo uma comparação com o mundo analógico, seria aquele momento em que os policiais retiram dos uniformes as placas de identificação com seus nomes, gerando um ambiente de incerteza e insegurança.

Esse caso também demonstra que as novas discussões sobre copyright estão migrando das normas jurídicas positivadas para a arquitetura da rede, sendo cada vez mais importante compreender como operam essas estruturas e ferramentas para se pensar o direito autoral em tempos de hiperconectividade.

É o que Lawrence Lessig, referência no assunto, já havia cravado: "Code is law". Não importa tanto conhecer a lei, mas as funcionalidades da rede, tal como vem fazendo a polícia norte-americana.

Autores

  • é professor do Departamento de Arte da UFF, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Museologia e Patrimônio, especialista em Patrimônio Cultural e doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional.

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